Quando, a cinco minutos do fim, Montero concluiu, com elevada nota artística, mas pouca eficácia, uma fantástica jogada envolvendo Carrillo e Rosell, pairou-me na mente o título para esta crónica: «o Leão esbanjador e o Leão sofredor». E, também por essa altura, perspectivava eu sublinhar o carácter dos nossos jogadores e a forma como, depois de uma expulsão escusada e infantil, depois de perderem o domínio de um jogo que sempre foi deles, tiveram a capacidade para, mesmo com um homem a menos, criarem tantas situações de golo como um adversário em ascendente.

O que é que mudou? Sofremos o golo do empate, ao cair do pano. Para trás, tudo igual. Seria, por isso, enorme injustiça da minha parte mudar as impressões de 90 minutos em função daqueles malditos dez segundos que me deixaram tão desesperado quanto Carrillo, Rui Patrício e Saar (três das figuras da partida). E que impressões são essas? Fizemos uma belíssima primeira parte. Se preferirem, fizemos trinta minutos à Sporting e, depois, baixámos a intensidade e o ritmo, criando a ilusão de que a Académica tinha equilibrado a partida.

Para trás tinha ficado a primeira diabrura de Carrillo, aos 30 segundos de golo, mandando um adversário ao tapete com um toque de calcanhar, o mesmo Carrillo que confirmava querer passar de promessa a protagonista com dois remates de fora da área. E foi do peruano o golo que colocava justiça no marcador, depois de soberbo cruzamento de Jefferson, o mesmo que, na marcação de um canto, havia surpreendido tudo e todos com a colocação de uma bola nos pés de André Martins. Pena o remate ter sido digno das transmissões de rugby que animam a SportingTV este fim-de-semana.

O 2-0 podia ter chegado logo a seguir. Adrien, outro dos melhores em campo, desce pelo corredor central e no momento certo serve Heldon. O extremo assusta-se com tal oferta e, na cara do redes adversário, atira denunciado, em arco. Também em arco, mas dos pés de André Martins, chegaria um livre que, a entrar, resultaria num dos melhores golos do campeonato. O ritmo baixaria depois, permitindo à Académica respirar e esticar-se um pouco em campo, depois de trinta minutos enfiada no seu meio-campo. Reclamou-se penalti por mão de Jefferson (a eterna questão da bola na mão ou da mão na bola que, confesso, não me chocaria se tivesse sido assinalada) e haveria tempo para mais dois momentos importantes: Heldon voltar a decidir mal, perdendo demasiado tempo a entregar a bola a Montero e deixando o colombiano em fora-de-jogo; William Carvalho vê amarelo na primeira falta que faz, numa decisão que permite questionar o critério disciplinar usado ao longo dos primeiros 45 minutos.

No recomeço, com Cédric lesionado, Marco Silva improvisou Rosell a lateral direito, posição em que o espanhol já actuou algumas vezes ao longo da carreira. O leão ficou coxo a atacar, mas, ainda assim e respondendo ao aparente adiantamento do adversário, seria na área academista que teriam lugar os primeiros momentos de destaque. Heldon é derrubado, ficando penalti por assinalar, lance a que se segue um forte remate de Adrien e um cruzamento do entretanto entrado Capel (que confusão me faz continuar a haver quem ache que o pequeno Diego é perfeitamente dispensável), a que Carrillo responde com um remate enrolado que encontra o corpo de Montero pelo caminho.

Seguiu-se um susto, um grande susto, num cabeceamento de Rui Pedro, sozinho no coração da área, que passou a centímetros do poste de Rui Patrício. Com mais de uma hora de jogo, a Académica criava a sua primeira situação de golo. Logo a seguir, William Carvalho tem uma paragem cerebral e vê o segundo amarelo. Faltam 25 minutos de jogo e, reduzidos a dez elementos, Marco Silva coloca Paulo Oliveira a fechar a direita da defesa e recupera Rosell para a posição seis. E a verdade é que, aos poucos, a equipa, mesmo sem voltar a pegar no jogo, se vai recompondo e organizando. A ponto de pertencer-lhe nova situação de golo, com Capel a falhar, de cabeça, na resposta a um cruzamento teleguiado de Carrillo. Do outro lado, Patrício voa para uma monumental defesa, daquelas que me faz desejar que ele faça toda a carreira de Leão ao peito. Seguir-se-á a tal jogada, brilhante, que Montero finaliza sem o merecido êxito e o golo do empate, nessa altura completamente caído do céu e num verdadeiro acto de injustiça não só para o que se passou em campo, mas para o próprio Carrillo, aquele Carrillo que, só por si, vale um bilhete para ir à bola.

Posto isto, há duas formas de encarar este empate, este maldito empate que adensa o sentimento de angústia de uma semana em que fomos bombardeados directamente.
Podemos colocar tudo em causa. Dizer que o Marco Silva não chega ao Natal porque isto não é o Estoril; dizer que o William foi expulso porque está com a cabeça em Inglaterra; dizer que o Montero é um flop; que não sabemos defender, que a atacar estamos lixados e que o melhor é baixar as calcinhas ao Slimani, que foi uma vergonha recuar quando estivemos em inferioridade numérica, que comprámos muitos jogadores e eles não decidiram logo no primeiro jogo do campeonato, que se o Carrillo é o melhor em campo está tudo dito e todo um rol de críticas que terminará nas dispensáveis comparações com os espanhóis da invicta ou com os taliscas de Carnide.

Ou podemos sublinhar o que de bom a equipa fez. As jogadas belíssimas de envolvimento, a tentativa de não limitar os cantos a cruzamentos para a área ou a vontade de chegar ao segundo golo mesmo com um jogador a menos (fui só eu que vi o Jefferson ir pressionar os defesas adversários, a menos de cinco minutos do fim, obrigando o Capel a compensar o seu lugar na continuação da jogada?). Podemos rasgar um sorriso por, finalmente, vermos o Carrillo que tanto desejámos. Podemos aplaudir, de pé, o Rui que tão maltratado é quando veste as cores a selecção e que com a nossa prova que aquele lugar é seu mesmo de olhos vendados. Podemos elogiar a forma como um desconhecido Sarr compensou uma das bombas que explodiu esta semana. Podemos continuar a incentivar o Montero, na esperança de que o grande jogador recupere o goleador. Podemos deixar de choramingar pelo que jogávamos com Jardim, que muitas vezes era quase nada e se resolvia na cabeça de um argelino, e ver que no que jogamos com Marco Silva há uma base de futebol de ataque que entusiasma, apesar de precisar de ser mais constante.

No fundo, podemos dizer a jogadores, técnicos e dirigentes, que continuamos a seu lado. Que a onda verde que, ontem à noite, pintou Coimbra, continuará a crescer ao lado da equipa em que acredita. Porque, resumidamente, é isto: ao fim dos primeiros noventa minutos da época, queremos, ou não, continuar a acreditar? Eu quero. E continuo. Quem partilhar este sentimento, dê um passo à frente. E, mesmo a milhares de quilómetros de distância, utilizando a força do pensamento, ajude a encher Alvalade no próximo sábado!