«Mostra lá outra vez, pai!», pede-me a minha filha, depois de ver a defesa do Patrício, em Coimbra.
«Olha… é agora… este vai rematar e… granda defesa!»
Ela sorri. Com os lábios. E com os olhos. Está pronta para ir jogar à bola, enfrentando os 36 graus sufocantes da planície alentejana. Fingimos que estamos a equipar-nos. «Agora tu és o homem do microfone, pai! Tens que dizer que eu sou o Rui Patrício». E eu digo. Depois chuto, em super slow motion, para uma defesa a la mini Hope Solo. Perdão, a la Rui Patrício!
«Agora eu era o guarda-redes dos outros e tu eras o Fredy, pode ser?»
“Posso ser o Carrillo?”
«Não queres ser o Mané?»
“Preferia ser o Carrillo”
«Ok… Mas depois eu sou o Fredy Montero!»

A brincadeira não dura muito, até porque a paciência aos cinco anos dura o tempo que tiver que durar e o que não faltam são brincadeiras. Mas termina em abraços de festejo dos golos e no pedido de uma camisola do Rui Patrício. Nessas alturas, dou por mim a pensar que, quando eu aprendia a ser do Sporting, as camisolas não tinham nome. E os números eram de 1 a 11. Ou a 16, se preferirem. Depois veio a moda da NBA (será que vamos ter camisolas eternizadas no tecto da “Nave” João Rocha?) e os números passaram a terminar no 99. Com nome por cima. E ao longo de todo este tempo, houve algo que não mudou: o ter jogadores preferidos, aqueles que te fazem vibrar mais do que os outros. Os ídolos, portanto. Os tais que, neste futebol empresa, são cada vez mais questionados.

sportingsubutteoMas a pergunta que me apetece fazer é simples: tu consegues, mesmo, imaginar o futebol sem ídolos? É que eu não consigo. A minha história do Sporting faz-se de querer marcar golos como o Manel e como o Jordão. De querer defender como o Damas, como o Meszaros e como o Tomislav (e, mais tarde, de ficar uma manhã a olhar para a capa de jornal que anunciava a vinda do Schemeichel para Alvalade). De usar um penteado manhoso, caneleiras mínimas e meias em baixo, para ser o Douglas. De tentar marcar livres de pé esquerdo, para imitar o Balakov, e de tentar replicar as fintas do Figo. De aplicar bombas à Stan Valckx, de fazer passes à Paulo Sousa e de usar um elástico no cabelo como o Duscher. Até de mandar cargas de ombro à Oceano, o mesmo Oceano que era ignorado nos bonecos de subutteo e que me obrigava a pintar a cara, as mãos e as penas de um jogador (sem esquecer a trabalheira de pintar os números nas costas).

É verdade que, hoje, já não edito o Sensible Soccer para ter os jogadores que eu quero e como quero. Mas sou gajo para editar um PES. Também é verdade que já não faço peregrinações ao Rossio, para tentar arranjar o cromo que me falta. Mas sou gajo para ter uma pasta de fotos no computador, com os meus jogadores preferidos. Já não grito o nome do nosso guarda-redes, quando me atiro a uma bola. Mas sou gajo para, depois de defender, levantar-me e dizer «esta foi à Patrício». E digam-me vocês se é alguma falha de crescimento, mas tal como quando era um gaiato, sou gajo para levantar-me e gritar de satisfação quando um dos jogadores de que mais gosto “parte” o adversário (aconteceu no sábado, logo aos 30 segundos, quando o Carrillo enxovalhou o lateral).

A chegada do Nani, vem potenciar todo este lado que, por mais decepções que tenha, teima em continuar presente. O que significa ver regressar um dos nossos, ainda para mais um daqueles que foi estupidamente assobiado enquanto se fazia jogador, não tem preço. Não faltará muito, até que eu ou a minha filha voltemos a ser o Patrício, o Fredy, o Mané, o William, o Adrien, o Carrillo ou que vistamos a pele imaginária de Nani. Se, um dia, qualquer um deles me decepcionar, logo se vê. Neste momento, vestem a mesma camisola que eu e, como sempre fiz, vou apoiá-los sem estas ideias amadurecidas de que o futebol se faz mais de dinheiro do que de amor. Zero ídolos? Só se for para ti!