Tenho um mau perder horrível, algo que começou a manifestar-se cedo, mais precisamente aos seis anos, altura em que me recusei a terminar uma corrida de corta mato por ter sido ultrapassado a vinte metros da meta, quando seguia em primeiro. Esse génio competitivo ganha dimensões épicas quando se trata de futebol – esteja a jogar ou na bancada – daí que, desde que aquele cabrão daquele espanhol apitou para o final do jogo (não vou comentar a arbitragem, porque é todo o nojo que já vimos em jogos contra este tipo de equipas), esteja a perguntar a mim mesmo o porquê de sentir-me a sorrir interiormente.

Creio que a resposta começa numa questão passível de levantar opiniões completamente contrárias: a forma como o Sporting abordou o jogo. Ora bem, sabemos que o Chelsea é, actualmente, uma das melhores equipas do mundo, nomeadamente do meio-campo para a frente. Também sabemos que essa mão cheia de craques se torna ainda mais perigosa quando lhe é dado espaço nas costas das defesas. E, por último, sabemos que o grande problema da nossa equipa e da nossa defesa, em particular, é a dificuldade em jogar subida e conseguir recuperar quando a bola é metida em profundidade.
Face a isto, aceito perfeitamente que digam que se justificava um recuo das linhas, um encurtar do espaço ao adversário, uma pressão feita não à saída da área, mas à saída do meio campo adversário. E o que é que Marco Silva fez? Manteve-se fiel à identidade que considera ser a que melhor assenta ao Sporting: pressão alta, equipa subida, vontade de ter a bola, espaço para os artistas e constante desejo de chegar à área adversária. Pode argumentar-se que corremos o risco de sofrer uma mão cheia de golos, nomeadamente na primeira parte, altura em que, por exemplo, William Carvalho não existiu (e quando apareceu foi, apenas, para complicar). É verdade, o Chelsea teve diversas ocasiões claras para marcar, vindo ao de cima toda a qualidade de Rui Patrício – é curioso que quando o Rui faz uma grande exibição, o apelidem de São Patrício, mas quando é um outro guarda-redes a destacar-se digam, apenas, que é um grande guarda-redes – com intervenções decisivas para nos manter em jogo. Mas fez Marco Silva mal em ser arrojado e em querer jogar taco a taco com o Chelsea?

A minha resposta é: não (vá, chamem-me idealista ou o que vos apetecer). E não porque isso me encheu de orgulho. Não porque, passados os tremeliques da primeira parte, essa vontade de querer ser uma equipa tão grande como as maiores do mundo resultou numa segunda parte fantástica que uniu adeptos e jogadores. Alvalade voltou a ser um vucão – diz que há ingleses que ficaram sem bateria no telefone, à conta de tanto gravarem o ambiente esmagador; também diz que há palermas vestidos de verde e branco que recuaram no tempo e voltaram a assobiar o Nani –, com os jogadores a alimentarem o fervor das bancadas. Se o Rui foi maior que a baliza que defende, Nani foi tão grande quanto qualquer um dos craques adversários (se aquele remate de pé esquerdo entra…). William foi sendo cada vez mais do Carvalho, terminando o jogo com uma frescura impressionante. Adrien parecia estar em todo o lado e João Mário fez engolir o “tem falta de intensidade” em quem ainda insistia nessa teoria ridícula. E Carrillo teve mais uma exibição capaz de convencer os mais cépticos (Marco, já chega desse disparate de tirar o Carrillo para meter o Capel. Até podes fazê-lo quando um jogo já estiver ganho, mas tanto hoje como contra o fcp foi diminuir-nos a magia e a possibilidade de ganhar). Até Montero nos veio dizer que aquele colombiano que a todos encantou, não desapareceu (só foi pena a bola não ter ido para a baliza, naquela cabeçada) e Paulo Oliveira deu uma sapatada na teoria do «este é bom é no Guimarães!»

Mas talvez seja injusto estar a destacar jogadores, numa noite em que fomos equipa. Uma equipa que, de jogo para jogo, vai crescendo. Uma equipa que, de jogo para jogo, pratica melhor futebol. Uma equipa que, de jogo para jogo, vai tentando superar as limitações que tem. Uma equipa cada vez mais consciente desta identidade de jogar como equipa grande. O esforço, a dedicação e a devoção estão todos lá, não só nos que cresceram na Academia (como é bom ver-nos acenar a bandeira da qualidade da nossa formação em palcos como este), mas nos que chegaram e estão a aprender o que é o Sporting.

«Ah, vais-me dizer que o Sporting é uma equipa que fica contente por só ter perdido 0-1 com o Chelsea?». Obviamente que não. Aliás, comecei este texto dizendo-te que tenho um mau perder horrível. Mas se olhar para lá do resultado puro e duro, o que vejo é um futebol e um conceito de jogo como poucas vezes vi nos últimos 25 anos e, mais importante ainda, vejo que esse futebol não é fruto de uma conjugação de circunstâncias. Aliás, se ainda lamentas o facto de Leonardo Jardim não ter dado continuidade ao que começou a fazer, permite-me perguntar-te: que sentido faz criticarmos Marco Silva e os jogadores que dirige, condenando-os e rotulando-os ao fim de dois meses de competição? É uma pergunta que todos devemos fazer interiormente, desde o presidente ao adepto leonino a exercer ciência polar a milhares de kms de Alvalade. A minha resposta é «não faz sentido». Muito menos quando, depois de uma derrota, dou por mim a sorrir interiormente face ao sentimento de que estamos a trabalhar para termos uma equipa do Sporting como há muitos anos vínhamos desejando.