Ontem, quando ouvia as declarações de Bruno de Carvalho à SportingTV, dei por mim a pensar: «se eu, na minha pequena bolha, me sinto cansado e desiludido com o estado da nação leonina, imagino o estado de alma deste gajo». E não querendo armar-me em psicólogo, diria que o presidente do Sporting se sente sozinho na gestão das várias frentes de batalha abertas desde que foi eleito (ainda no dia de Natal ficámos a saber que a Liga Portuguesa de Futebol assinou com o Grupo Controlinveste uma parceria comercial para os direitos televisivos, de publicidade e de ‘naming’ da Taça da Liga). Foi, aliás, essa a sensação com que fiquei ao vê-lo isolado na leitura do comunicado de há oito dias.

Ontem, naquela que terá sido uma das, senão a sua mais ponderada declaração, falava da forma como os Sportinguistas se deixaram manipular pela comunicação social e da reacção às últimas notícias. Afirmou sentir-se triste e, sinceramente, eu entendo-o, embora não deixe de ficar espantado pelo facto de Bruno de Carvalho ter querido acreditar que «o Sporting que ele sentia estar a esbater-se há dois anos», não voltaria a agitar-se à primeira oportunidade. As declarações de Dias da Cunha são o exemplo perfeito de como isso funciona: a comunicação social procura o gajo mais conveniente, neste caso um ex-presidente que sente o ferro em brasa da auditoria a aquecer-lhe os tomates, e abre-lhe o terreno para o grito de guerra: se alguma coisa está bem no Sporting é o trabalho do treinador! Estava dado o mote para o que se seguiu, com as cavalgadas dos restantes órgãos de comunicação e com os blogues do costume a servirem de gruta onde o eco é tão alto que se torna ensurdecedor.

Sejamos práticos: isso é algo que não vai mudar. Pelo menos não tão cedo. Pelo menos enquanto o Sporting não entrar numa sequência de conquista de títulos que torne visível o trabalho que vai sendo feito e que é relegado para segundo plano de forma propositada. A utilização das redes sociais e dos blogues para passar mensagens de desunião continuará. A campanha orquestrada dos jornais para refogar cenários de crise e ampliar esse mesmo grito de desunião, continuará a ser de dimensão equivalente à forma desonesta com que são definidas as linhas editoriais (veja-se, hoje, a forma como o “Enzo força a saída” se transforma numa pequena chamada do Record ou do CM e imagine-se a capa que não daria se fosse o Adrien ou o William).

Então, se isso não muda, temos que adaptar-nos e o que se viveu no últimos dias prece-me ser, precisamente, essa adaptação. A chamada de atenção de Bruno de Carvalho para os nomes de José Eduardo e de Eduardo Barroso, não é inocente, nomeadamente no caso do primeiro. As acusações feitas a Marco Silva são graves, muito graves, e não acredito que sejam feitas de forma leviana. Muito menos acredito que Bruno de Carvalho fosse leviano ao citar o nome de José Eduardo na sua ida à SportingTV. O presidente do Sporting terá percebido que há alturas em que temos que utilizar as mesmas armas do inimigo, mesmo que tenhamos um arsenal muito menor. À diabolização do presidente contrapõe-se a diabolização do treinador, voltando a equilibrar os pratos da balança. Se existisse jornalismo sério, esta possível ligação de Marco Silva aos fundos e a possibilidade de ser uma espécie de parceiro do seu empresário seriam merecedoras de investigação de fundo. Nada, prefere-se continuar a alimentar uma novela escrita com base nos declarações que foram sendo feitas ao longo dos últimos meses.

No meio, os adeptos. Aqueles que não têm agenda e a quem unicamente importa o Sporting. Aqueles que passaram o Natal com um raio de um bicho a fazer cócegas no sentimentos, incomodados por, uma vez mais, verem o seu clube alvo de ataque. E enquanto um desses adeptos (sim, venham de lá as acusações de ser isto e mais aquilo, até estou a precisar de motivos para rir no que toca a falar de futebol e do Sporting), tenho a dizer-vos que isto me entristece. Mesmo. Nesta mudança dos tempos que faz da internet uma verdadeira arma, custa-me, ainda assim, vê-la como forma de passar mensagens e de dividir tropas. Se me mete nojo a forma como blogues utilizam o nome do Sporting para darem tempo de antena a agendas pessoais e para orquestrarem ataques a uma pessoa, neste caso ao presidente do clube, também me custou a engolir a forma como aquilo a que José Eduardo deu dimensão já tivesse sido espalhado na rede.

E isto conduz-nos a um ponto de situação e à análise do que Bruno de Carvalho afirmou, ontem, naquela ida à SportingTV. No futebol eu já vi de tudo e, confesso, adoraria que Marco Silva continuasse a ser treinador do Sporting. Estão à vontade se quiserem olhar apenas para os números e berrar que até o Paulo Sérgio era gajo para estar a dez pontos do primeiro. Para lá da vergonha que tem sido este campeonato, que faz desses dez pontos uma mentira do tamanho dos seis milhões ou da data de fundação lamparina, digo, repito e continuarei a repetir que somos a equipa que melhor futebol pratica e que vejo um trabalho de fundo a ser feito na nossa forma de jogar. Há um conceito, traído por erros parvos a defender e por falhas incríveis no capítulo da finalização. Um conceito que até estaria optimizado se, por exemplo, tivéssemos um central capaz de sair a jogar à patrão, permitindo, desde trás, o carrossel que abana as linhas adversárias. Acho, inclusivamente, que será complicado encontrarmos um treinador que nos ofereça um conceito de futebol tão do nosso agrado como o que Marco Silva tem promovido, não sendo de estranhar que a direcção aguente o barco o mais possível, precisamente por saber que esta é uma daquelas situações em que não há margem para situações de recurso como o Inácio ou o João de Deus.

Mas um treinador tem que ser mais do que um bom estratega e um gajo capaz de conquistar o balneário. Tem que ser alguém capaz de sentir o clube quase como se fosse um adepto. Ora, a ser verdade o que circula, Marco Silva falhou redondamente neste aspecto e, neste momento, está refém da suposta estratégia orquestrada com o seu agente. E vai ser muito complicado resistir à etiqueta que, acredite-se mais ou menos, lhe acaba de ser colocada. Se apontarem-lhe o dedo por ser lampião podia ser visto como uma estupidez (é assim que eu vejo, pelo menos e, já agora, aproveito para dizer-vos que foram várias as vezes que, já como treinador do Sporting, recusou entrar em conversas, intermediadas, com elementos ligados ao Benfica. O Rogério Alves que pergunte ao Rui Gomes da Silva quantos recados tentou mandar, só para ver a reacção…), apontarem-lhe o dedo por ser um gajo que está no Sporting para cumprir uma missão a mando do agente e de um fundo, é bem diferente. Será uma sequência de vitórias capaz de esbater tão graves acusações?

Duvido, sinceramente. E infelizmente, pois pensei que tínhamos encontrado o treinador certo para dar estabilidade e qualidade a um projecto no qual acredito. Sim, repito, no qual acredito. Por mais que discorde da forma como o discurso é, por vezes, apresentado, continuo a acreditar nas ideias expressas nesse mesmo discurso. E sei reconhecer o trabalho que tem estado a ser feito, na hercúlea tarefa de tentar reerguer uma casa cujas paredes estavam todas a cair em simultâneo. Por outras palavras, parece-me descabido, estúpido, até, pensar-se em mudar de presidente para manter o treinador. No mundo ideal, eu ficava com os dois, até porque estão ambos a aprender a desempenhar as suas funções e podiam crescer juntos, fazendo-nos crescer também. Teríamos um presidente que gosta tanto do Sporting como qualquer um de nós e um treinador que gosta tanto de futebol bem jogado como qualquer um de nós. Cheguei a acreditar nesse cenário que, neste momento, me parece roçar o impossível. Que saibamos sair desta situação à Sporting, ou seja, explicando aos adeptos e sócios o que realmente se passa, é o que eu desejo. Depois, depois é continuar a trilhar um caminho onde o fight & resist continua a ser palavra de ordem. Só é pena que o tenhamos que continuar a fazer, invariavelmente, tendo como adversário quem devia, acima de tudo, defender as nossas cores.