O Zeca estava atordoado de sono. O pai, ao vê-lo a montar o Lego em câmara lenta aproximou-se e depois de se ajoelhar ao seu lado passou-lhe a mão pelo cabelo e disse-lhe: “Miúdo, está na hora…”. O garoto olhou para o pai e fez uma carantonha, mas o cansaço falou mais alto e já a esfregar a vista fez um last request que não se nega nem a um condenado: “Conta-me aquela história…aquela do Futebol Português”. O pai pensou e ao estender-lhe os braços para que trepasse por eles, respondeu com calma “Sim…pode ser…mas amanhã variamos Zeca…há 6 meses que ouves a mesma história”. Aquela resposta era como uma injecção de adrenalina, Zeca desceu do colo num segundo e foi disparado à casa-de-banho despachar as últimas tarefas. Quando chegou ao quarto, o pai já estava sentado na cama e num salto enfiou-se debaixo dos lençóis e ficou a olhar sorridente para o progenitor.

“Era uma vez o Futebol Português. Não era um futebol rico nem especialmente bem jogado, mas de vez em quando era capaz de grandes proezas. Na Europa dos Futebóis era conhecido por ser muito preguiçoso e pouco organizado. Esquecia-se vezes demais de fazer o que devia e só quando era obrigado é que acabava por “arrumar a casa”. Apesar disso, este Futebol gostava de se imaginar grande e poderoso, como os maiores e mais fortes futebóis seus vizinhos. Não se pode dizer que fosse vaidoso, mas várias vezes era “apanhado” a contemplar-se ao espelho, admirando as pequenas façanhas que ia conseguindo resgatar pelo meio de rotundos espalhanços.

Certo dia, apareceu-lhe um duende. Este ofereceu-lhe 4 desejos. O Futebol Português pensou e pediu o primeiro: “Quero ter os jogadores estrangeiros todos que eu quiser!”. O duende estalou os dedos e PUM…aos aeroportos do país começaram a aterrar hordas de jogadores de todas as nacionalidades, o que incluía Barbados, Trinidad e Tobago e Uzbequistão. Eram às centenas todos os anos. O Futebol Português na verdade não precisava de tantos, muitos deles acaba até por nunca usar, mas a preguiça de mudar era muita e pelo meio de muitos pernetas lá de vez em quando aparecia um jogador que ia dando para justificar o vício.

Farto da “novidade”, o nosso Futebol pediu o segundo desejo: “Não quero prestar contas a ninguém do que faço”…e o duende repetiu o estalar de dedos e…PUMBA…a política e a justiça deixaram de “obrigar” o Futebol Português a fazer as suas obrigações e a comportar-se dentro das regras normais do resto do país. A corrupção e o endividamento alastraram pelo futebol como fogo na savana, mas curiosamente, ninguém apontava sequer um dedo na sua direcção…bem pelo contrário, até os Bancos, as Empresas e os Intelectuais se embeveciam de estar perto do futebol.

Quando se cansou de mais este desejo, o Futebol pediu assim o seu terceiro: “Quero muito dinheiro para poder gastar à vontade!”…o duende hesitou e perguntou “Tens a certeza?” O nosso futebol repetiu a resposta e…CABUM…não choveu dinheiro nos bolsos do Futebol Português como este esperava, mas em vez de um duende surgiram centenas de outros duendes, todos eles com um livro de cheques mágico e uma pistola. O Futebol achou a arma estranha, mas ao perceber que bastava pedir dinheiro a qualquer um dos duendes e ele surgia, ficou inebriado. Finalmente podia ter o mesmo que todos os outros futebóis tinham…e foi vê-lo gastar, gastar, gastar…os livros de cheques dos duendes nunca se fechavam ou acabavam.

Um certo dia, o Futebol Português lembrou-se e perguntou a um dos duendes para que queria a pistola. Ele respondeu-lhe “É para te matar”. “Matar-me?!” respondeu e acrescentou “Mas eu não fiz esse desejo!”. O duende sorriu e disse-lhe “Ainda não, mas por este andar vais mesmo fazer”. O Zeca não teve força para ouvir tudo até ao fim, o pai apagou a luz do quarto e enquanto saía já aceitara a ideia de que teria na noite seguinte que contar tudo outra vez. “Bolas…” pensou “…nunca consigo chegar à moral da história…”

 

*às quartas, o Leão de Plástico passa-se da marmita e vira do avesso a cozinha da Tasca