Esta é a história de três amigos: o Joãozinho, o Andrezinho e o Serginho. Três meninos, da mesma idade, cheios de ilusão e com um sonho muito grande de se tornarem jogadores de futebol nos seus clubes do coração.

Cada um na sua escola, aprenderam com os seus professores tudo o que precisavam para serem centrocampistas de eleição e revelaram-se alunos de excelência, estando sempre entre os primeiros, o que lhes valeu várias chamadas às selecções jovens do nosso país onde fomentaram a sua amizade. Estávamos, portanto, perante três rapazes cheios de talento, cheios de ilusão e cheios de vontade de cumprir o seu sonho de criança. A ilusão era tal, que abraçaram com entusiasmo o empréstimo para jogar, evoluir e voltar a casa para cumprirem o seu sonho. O Serginho foi para o frio do Norte, o Andrezinho foi para Espanha e o Joãozinho foi para Setúbal. Á medida que o tempo foi passando, assumiram-se como figuras dos clubes para onde foram jogar e, naturalmente, os seus olhos já brilhavam com a ideia de voltar a vestir a camisola do seu coração. A história devia acabar aqui. Porque teria um final feliz e toda a gente dormiria descansada. Mas infelizmente não acaba. Aliás, é aqui que a história começa. E é uma história triste. Uma história de sonhos destruídos e de esperanças por terra que, só não acaba agora porque os rapazes têm talento e, imagino eu, muita determinação para não desistirem do seu sonho. Ou para sonharem com outros clubes, quiçá longe deste rectângulo onde ninguém acredita neles.

O Serginho foi ficando perdido na Capital do Móvel, esquecido pelo seu clube, sendo hoje, o melhor jogador do Paços de Ferreira. Na semana passada teve o seu momento. Um momento que, imagino eu, foi exactamente aquele que sonhou, com o adversário que queria mas…foi com a camisola errada. O que daria o pequeno Sérgio para estar no seu clube a ter momentos como esse? Porque é que não é ele, portista de gema, que morreria em campo pelo clube, a vestir a camisola azul em detrimento de brasileiros e espanhóis? Estas são as perguntas do pequeno Sérgio.

O Andrezinho ficou mesmo em Espanha e começa a dar cartas na Liga Espanhola. Ainda assim, tem de conviver com a realidade de ter sempre um raio dum argentino chamado Enzo a disputar-lhe o lugar. Era assim no passado e continua a ser assim no presente, apesar de jogar francamente mais do que jogava com Jesus. Se o Benfica ia vender o Enzo, porque é que não apostaram nele? O que raio é que tem um grego que custou 11M que ele não tenha e que custou quase nada? E porque é que preferem um italiano, que tem praticamente as mesmas características e a mesma idade, a um português, formado no clube e benfiquista desde pequeno? Estas são, por sua vez, as perguntas que o pequeno André fará nos seus pensamentos.

Felizmente, apesar da vida estar recheada de sonhos traídos, aparece, de vez em quando, um exemplo de esperança para os jovens do nosso país. O Joãozinho, que hoje já é João Mário, regressou a casa e assumiu-se como titular do seu clube do coração. Ele, que tinha sido capitão do Sporting nos escalões mais jovens, está hoje a cumprir o seu sonho ao lado de um dos seus ídolos de infância, Nani. Daí para a selecção foi um pulo. E hoje, nota-se nos seus olhos e no seu sorriso (apesar de ele até nem sorrir muito) toda a sua felicidade.

A história do João podia ser a história do Daniel (Carriço) do Miguel (Veloso) do Adrien, do William, do Cédric, do Rui (Patrício) do Carlos (Mané) do Ricardo (Esgaio)…As histórias do Sérgio e do André podiam ser as histórias do: João (Cancelo), do Bernardo (Silva), do Miguel (Rosa), do Ivan (Cavaleiro), do Nélson (Oliveira), do Josué, do Castro, do Ventura, do Tiago (Rodrigues), do Tozé, do Sebá..por aí fora. Estas histórias, infelizmente, ficam abafadas pelo ruído do sucesso fácil e dinheiro imediato. Um ruído que, consoante as circunstâncias (leia-se, cor da camisola), ecoa uma fantástica operação financeira ou a desgraça que é deixar sair tão cedo um talento qualquer. Por isso, por cada loa que se cante à formação do Benfica, existirão sempre inúmeros casos de jovens portugueses desprezados em detrimento de estrangeiros de qualidade incerta. Em relação ao Porto, bom, aí é tão descarado que mais valia colocarem um letreiro à porta do Dragão a dizer: “Recrutamiento: Solo una condición: hablar castelhano”. Portanto, ou os petizes mudam de nacionalidade ou estão tramados e acabam como o Sérgio Oliveira.

Infelizmente para o futebol português, e esta é uma verdade indesmentível, o único propósito da formação dos rivais é entupir as equipas pequenas com os seus jovens para poderem tirar vantagem de impedi-los de jogar contra si. E isto é um verdadeiro insulto ao talento destes miúdos, ao desporto e à verdade desportiva. E quando se brinca com carreiras e com vidas de pessoas apenas em prol de uma estratégia que visa apenas retirar vantagens fora do campo é caso para dizer que os dois clubes do Sistema têm preconceito em relação aos jovens portugueses e só acreditam neles (a ponto de lhes impedirem de jogar!) precisamente no momento em que eles estão prestes defrontar o clube que o formou. Isto é anti-desporto. Desculpem o desabafo, mas isto é trampa. Trampa que só duas nàdegas como estas poderiam produzir.

E é por isso que eu tenho Orgulho. Na identidade do nosso Clube.  Nas oportunidades que damos aos jovens. Na forma como os protegemos e apoiamos. Na forma como, nuns casos, protegemos um Mané que ascendeu de forma meteórica, e noutros lançamos, sem qualquer receio, um Tobias Figueiredo a titular. Na forma como premiámos o William pela época anterior (apesar de neste ano ter demorado a engrenar). Na aposta que estamos a fazer em Podence, Wallyson e Gauld. Na forma como estamos a dar minutos a Iuri, Fokobo e Chaby com empréstimos. Porra, até nas oportunidades que estamos a dar a André Geraldes ou Paulo Oliveira, que não sendo da nossa formação, também têm os seus sonhos que, julgo, estarem a cumprir. E este Orgulho, para um Sportinguista, é inalienável. Só nós sabemos o brilho que emana dos nossos olhos quando vemos um jovem da formação a estrear-se. Mas também, verdade se diga, estamos muito mal habituados. Não tivesse o Sporting a melhor formação do Mundo (sim, “a” e não “uma das”), a única que deu ao Mundo dois Bolas de Ouro. E este é um epíteto que, arrisco-me a dizer, dificilmente algum clube nos tirará. Mais depressa fabricamos um terceiro.

 

* todas as sextas, directamente de Angola, Sá abandona o seu lugar cativo à mesa da Tasca e toma conta da cozinha!