Antes que comecem a desfilar o vasto rol de inimizades ancestrais que temos por estimação, devo poupar-vos a esse amargo percurso. Adianto a resposta, pelo menos a minha – é a preguiça. Não isto não é mais um daqueles posts que vem acompanhado de um kit de auto-flagelação do séc.XIII. Também vos vou poupar a esse tão penoso como inútil exercício.

pre·gui·ça (latim pigritia, -ae, lentidão, vagar, preguiça)
substantivo feminino
1. Propensão para não executar uma tarefa voluntária. = COMPLACÊNCIA, ÓCIO, INACÇÃO
2. Demora ou lentidão em agir. = VAGAR

Esta é a definição da palavra. Porque é esta condição (até por vezes fundamental, e saborosa diga-se) tão querida a muitos, a principal ameaça ao Sporting? Bom, vamos começar pelo princípio. Nos idos e pouco saudosos anos 90 leoninos instalou-se uma febre “corporate” no clube. O Sporting vestiu-se de empresa da cabeça aos pés. A malta dos escritórios e dos cartões de apresentação com bués de design delirou e chorava lágrimas de Armani pelo “novo Sporting”. Aquele clube que em tempos rivalizou nas preferências dos portugueses com o eterno “pão com chouriço” clube de Carnide…desistira de ser “popular”. Era o reinado das consultoras, essas arruinadoras de imaginação, onde a emoção se continha em packs e blisters. O mundo mudava-se ao sabor de uma folha de Excel, a realidade era descrita e reescrita em poucas alíneas.

“Se não podemos ser competitivos pela demografia ou popularidade, vamos lá enfiar 100 anos de história e milhões de adeptos num modelo de gestão igual ao que se aplica a 139.349 empresas com 10 anos de actividade, 38 trabalhadores a recibos verdes e 2 sócios maioritários.” Mais do que absurda, a “táctica” encerrava um profundo acto de cobardia e…preguiça. A “governance” da época achou que parar de lutar seria um bom passo. Encher o clube de teorias empresariais e projectos de reestruturação…ah…o problema era o dinheiro, simplesmente não tínhamos tanto como os nossos rivais. Ninguém se preocupou em fazer a pergunta “porquê”. Ninguém se preocupou em ver para além dos euros, pois os euros eram tudo o que sabiam ver. Era preciso mais, muito mais, rios e cascatas de dinheiro a jorrar pelas artérias de Lisboa, a entrar pelo buraco da nossa nova linda SAD, do nosso novo e polémico Estádio. Supostamente tudo de novo e muito mais empresarial traria tudo diferente. Vitórias e troféus cairiam aos trambolhões para as vitrinas do nosso museu, apenas porque sim. Sinceramente nunca entendi em que máquina mágica é que entravam os euros e saíam os títulos. Então como agora confundimos dinheiro com know how. Orgulho com credibilidade. Pois sim fomos dos mais respeitados clubes a apresentar fusões, a criar empresas subsidiárias de tetas virtuais, fomos um show a inventar “marca vendável” e “market value”. Esqueceram os adeptos no meio do raciocínio. Esqueceram a paixão, o lema e a bola. As bolas. “O que não
consegues fazer, compra.” Era tão bom que tivesse sido tão fácil. Era o sonho do preguiçoso e corporate engravatado que não aspira ao sujar de mãos e evita conspurcar a pele dos sapatos naquela coisa medonha chamada relva.

Estamos a falar de coisas com quase 20 anos. Será? Será que o Sporting limpou em 2 anos o vírus corporate por inteiro? Libertámo-nos assim tão rápido da preguiça, do “para isso estão lá senhores muito bem pagos para tomar conta do meu clube”? Chiça, somos assim tão ingénuos e igualmente preguiçosos ao não querer ver a puta da inacção e pasmaceira que
percorrem as nossas cadeiras vazias na bancada?

Não. Não tenho preguiça de assumir que ainda tenho um lado do cérebro “lavado” num altar apinhado de Roquettes credíveis e Ricciardis imaculadamente competentes. Eu, como muitos, subsisto na contemplação de um clube que já não existe. O Sporting está no limiar da salvação financeira! O Sporting tem um estádio horrível e disfuncional! As nossas modalidades chamam “casa” a pavilhões de freguesia! O Sporting é aldrabado, gozado e humilhado em todas as instâncias de poder desportivas! O Sporting não consegue disputar um (um!!!) jogador às garras dos nossos rivais, que se divertem a desviar atletas apenas porque podem fazê-lo! ISTO É O SPORTING?!

“Não é o meu!” dizem vocês…eu também gostaria de dizer o mesmo, mas sei que estaria a, mais uma vez, a somar imagens e fezadas que já não passam hoje de saudosismos psicadélicos que se esfumam ao som das assobiadelas ao Nani com 13 minutos de jogo. Quando é acordamos?! Quando é que, e de uma vez por todas, enterramos as fotos a preto e branco do nosso glorioso passado! Quando é que começamos a olhar para o que temos de facto e para a tarefa gigantesca que será equivaler este cadáver a qualquer coisa parecida com o que temos dentro do nosso coração? A preguiça diz-nos que devemos ter calma, afinal a coisa agora até está bem melhor, afinal o BdC está a endireitar o clube, afinal até temos bons putos, para quê mexer uma palha, levantar um dedo ou sair da cama? Para quê preocupar-me com uma
coisa que dá sinais de melhora? Pois, a mim vem-me sempre a imagem de um doente que toma antibiótico um dia e acha que já está bom. Esta época comecei a sentir alguns sintomas de estupidez, semelhantes aos que me fartei de desculpar durante tantos anos. Apenas uma época de recuperação e vejo gente a “exigir” tudo e mais o raio que os parta a toda a gente. Exigem, porque acham que a competência é uma prova de 100 metros sem barreiras, em que o vento gerado pela nossa própria deslocação regressa às nossas costas para nos empurrar a novos e previsíveis sucessos.

Culpas? Adeptos, sócios, presidente e direcção, treinadores e jogadores. Ninguém escapa. Todos “bebemos” do delírio da preguiça…”se quero e desejo sucesso é provável que os meus lindos olhos e duas mãos cheias de verde e branco a pintar leões façam o trabalho por mim”. Irra que somos burros que nem portas! O primeiro resultado prático quando se realiza um
bom trabalho é receber…mais trabalho”. Esta época foi preparada com a mesma ambição e inteligência que a anterior, sim e também com muita dedicação. Não chegou. Porquê? Eu fazia-vos um mapa e uns belos quadros de quantos anos os nossos rivais andaram a brincar ao monopólio na liga e na FPF, mas acho que essa é uma análise que temos tatuada nas nossas…”nádegas”. Não chegou esta, nem chegarão outras mais. Pelo menos enquanto nos continuarmos a juntar a adeptos de outras cores a apreciar “isentamente” as peripécias de BdC, como se fossem aventuras de um qualquer herói de banda desenhada. Pelo menos enquantos abanamos as cabeças, sentados nos sofás a ver no streaming e não no estádio, as sucessivas bolas mal dominadas por Tanaka e deixamos uns otários de uns ressabiados guiar as nossas opiniões sobre o valor de tudo o que temos.

Se não abandonarmos a preguiça, imagino que o prazo saudável da destemida energia que a actual direcção dedica, findar-se-à em “quases”, em corridas loucas por salvar cantos em vez de marcar golos. Depois entrará numa espécie de rotação sobre si própria, perderá o sentido de orientação e cairá à primeira alminha infeliz que enfureça a auto-estima das incontáveis horas de não-preguiça dos que “lá estão”. Nunca entenderei como é que uma cabeça afastada do corpo trabalha melhor e aqui é onde acho que BdC devia rever o “acordar” dos Sportinguistas. Ou bem que o Sporting é um “deixem estar que eu resolvo” ou é um “vamos lá todos ajudar” (repetir o método “eu tenho as soluções, vocês pagam-nas” já provou ser um desastre) as duas coisas em zig zag não funcionam. Muitas vezes fico a pensar se não devia entrar pela SAD com uns A4´s de ideias construtivas e outras tantas vezes imagino dois rapazes bem vestidos a recomendarem-me o regresso a casa ao som de um humilhante “não te preocupes, a malta sabe o que está a fazer”. Dúvidas de um preguiçoso?

Se leram até aqui e estão já a preparar o autocolante de “brunista”, não leiam o resto e podem passar ao próximo post de um qualquer blog onde adoram ler as “não alinhadas críticas” de outros “não-brunistas”, “não situacionistas” ou “não-qualquer coisa-que-pareça-muito-coerente-e-pouco-popular”. Vocês juntar-se-ão apenas no sucesso e nunca na luta. Vocês que tantas desculpas inventam para preguiçar à sombra da douta razão e sagacidade do que nunca vão fazer na vida. Não concordar fazêmo-lo todos e sobre qualquer coisa, mas o vosso problema é muito mais não ser capaz de acreditar, do que errar nessa opção.

Aos outros, que estão há milhares de caracteres a esperar por uma conclusão….as minhas desculpas, esta reflexão é contínua e não sei se alguma vez terminará, nos vossos comentários continuará de certeza e o debate é a melhor cura para a…preguiça.
*às quartas, o Leão de Plástico passa-se da marmita e vira do avesso a cozinha da Tasca