E de um momento para o outro… Paulo Oliveira, Ewerton, Naldo, Tobias Figueiredo, Coates e Ruben Semedo. Centro da defesa trancado, depois de anos a dizermos que nos faziam falta centrais de qualidade. E quando penso em centrais de qualidade, o primeiro que me vem à memória é Luisinho.

Dizem-me que Eurico foi o patrão de uma defesa que conquistou a dobradinha, em 81-82, mas os meus olhos de criança olhavam mais para o Meszaros, para o Jordão e para o Manuel Fernandes. O Venâncio nunca me transmitiu grande confiança, o Morato acabou por ser vítima de o início de quase duas décadas de secura, o Duílio veio rotulado de craque que não chegou a sê-lo, o Ricardo Rocha esteve por cá demasiado pouco tempo para entrar para a historia. Mas quem já fazia parte da história era Luisinho, titular absoluto na selecção brasileira que acabaria eliminada pela campeã Itália, no Espanha 82. Chegou a Alvalade já com 30 anos, mas depressa mostrou que a classe não tem idade, impondo-se como o patrão defensivo daquela equipa que, orientada por Marinho Peres, tanto nos fez sonhar e que acabou amargamente eliminada pelo Inter, na Taça UEFA.

Depois, Stan Valckx, o enorme Stan, capaz de ser patrão como central ou jogando como trinco. E do Stan não vos falo mais porque já vos disse muito aqui, mas posso dizer-vos que o Stan tinha que levar com parceiros como o Pedro Barny ou como o Carlos Jorge, madeirense que sonhava rematar como o Ronald Koeman. Vujacic veio tentar dar uma ajuda, mas nunca se percebeu bem se era central se era lateral. Valckx sairia sem ter direito a um parceiro à sua altura, mas em compensação chegaram dois belíssimos nomes: Marco Aurélio e Naybet.

Marco Aurélio era um senhor e, num mundo perfeito, William Carvalho será a sua réplica a meio campo. Aurélio, central de perna longa, elegante, capaz de desarmar quem quer que fosse sem ter que recorrer à falta. Posicionamento fantástico, arranque lento que compensava com a passada larga. Ao seu lado, Naybet, um dos melhores futebolistas africanos das últimas décadas e capaz de encaixar, na perfeição, nas características de Marco Aurélio. Naybet era duro, rápido na antecipação fosse pelo chão ou pelo ar e não admira que esta dupla tenha estado na base da conquista da Taça de Portugal, em 1995 (tão pouco para uma equipa com tanta classe).

Este é o momento que nos mostra a importância de ter uma dupla de centrais. Boa, obviamente. Daquelas que valem pontos. E quando a isso se junta um grande guarda-redes, ficamos mais próximos das conquistas. Foi o que aconteceu em 99-2000, ano em que chegou André Cruz, outros dos centrais que marcam a nossa história. A classe e o posicionamento, o saber sair a jogar, os livres directos. Um patrão. Ao seu lado, Beto, jovem formado em Alvalade que muito aprenderia com o mestre brasileiro. E, nas costas de ambos, o gigante Peter Schmeichel. Resultado? Campeões nacionais, num plantel onde ainda havia um rapazinho que, quando a mim, passou ao lado de uma grande carreira, Facundo Quiroga. André Cruz receberia, depois, outro parceiro de eleição: Phill Babb. O irlandês traria o que André Cruz não tinha: a presença física e o domínio de todo o jogo aéreo e o Sporting ganharia dupla para mais um título nacional antes de voltarmos a entrar numa nova sequência de defesas centrais que não deixavam descansar o espírito.

Houve um tal de Polga, mal amado, rapaz capaz de dividir opiniões. Pedia-se que, sozinho, resolvesse toda a água que, ano após ano, as nossas equipas iam metendo. Se me pedirem opinião, dir-vos-ei que Polga era um belíssimo central que, com o passar do tempo, se transformou em parte dos problemas que nos iam afundando num mar de equipas cada vez menos competitivas. Ainda assim, fica ligado à caminhada que nos leva à final da Taça UEFA e às Taças de Portugal que conquistados em 2007 e 2008, fogachos de felicidade num clube que caminhava para o abismo. E se pensarmos que a época 2013-2014 marca o início da dura escalada do fundo do poço, constatamos a preocupação em tentar dar segurança ao centro da defesa. Rojo e Maurício conseguiram formar uma dupla consistente o suficiente para consumo interno. E se o segundo, pese a alma que colocava em campo, se afundou à medida que a exigência aumentou, Rojo teria todas as condições para se ter assumido como um jogador de destaque com a nossa camisola (rápido, possante, forte no jogo aéreo, com enorme margem de crescimento para suprir os seus problemas de posicionamento). Saiu da forma que saiu e lixou os planos que estavam traçados: colocá-lo ao lado de Paulo Oliveira. Lixou-se o português, que depois de sacudir o peso da camisola teve que levar com parceiros que lhe faziam a vida mais negra do que qualquer avançado. Chegou Ewerton e o centro da defesa começou a estabilizar.

E de um momento para o outro… Paulo Oliveira, Ewerton, Naldo, Tobias Figueiredo, Coates e Ruben Semedo. Centro da defesa trancado, depois de anos a dizermos que nos faziam falta centrais de qualidade. É verdade que não temos um Luisinho, um Marco Aurélio ou um André Cruz, mas temos homens que já mostraram ser bem acima da média, mesmo os que ainda têm muito que crescer (Tobias e Semedo, alvos fáceis de assobios de pessoas que se esquecem, por exemplo, do quanto Nesta teve que penar até se assumir como central de eleição). As lesões e os castigos têm impedido uma dupla de assumir-se de uma vez por todas, mas, por outro lado, sabemos que quando joga o Paulo temos alguém capaz de estar e todo o lado e fazer as suas dobras e as dos outros, além de não se coibir de fazer belos lançamentos em profundidade; que quando joga o Ewerton e a sua cabeça está no lugar temos classe com a canhota, temos quem saia a jogar, temos um gajo com pinta de patrão que ainda vai lá acima e faz golos; que quando joga o Naldo temos um centrar rápido, forte nos duelos, bom na antecipação; que quando joga o Tobias temos um gajo intratável dos duelos físicos e no jogo aéreo e com óptima precisão no passe longo; que quando joga Coates temos um bicho com quase dois metros que é um falso lento, que limpa todo seu raio de acção, que limpa tudo pelo ar e que não tem medo de sair a jogar; que quando joga Semedo temos, provavelmente, o central com a melhor relação atlética entre altura e velocidade do nosso campeonato, com uma capacidade de antecipação notável e com a inconsciência suficiente para arriscar nos 1×1 que várias vezes desequilibram as linhas adversárias. E, jogue quem jogar, de jornada para jornada nota-se um aprofundar do trabalho nos lances de bola parada, aqueles que tantos jogos decidem.

No fundo, se este é o ano em que, depois dos alicerces montados nas duas últimas épocas, começamos a construir a nossa casa do futuro, podemos dizer que temos material construir um chão efectivamente sólido onde, é bom não esquecê-lo, ainda há espaço para uma trave mestra incontornável: Rui Patrício.