Quatro minutos de jogo. Adrien, o capitão que está em todo o lado, cruza para a área. Casillas afasta a soco, William vem na segunda vaga e provoca uma carambola que Ruben Semedo amplia de calcanha. E, de um momento para o outro, João Mário está na cara do redes portista. O remate sai em estilo karaté kid (mas sem a mariquice dos braços de gaivota) e a bola sai por cima. E eu e tu e o João de mãos na cabeça (mais o Teo a juntá-las num quésta merda, Diós?!?), naquele sentimento perturbador de filme já visto em que somos melhores, mostramos que o somos, mas falhamos golos em catadupa.

Passam dois minutos, um gajo qualquer que custa um balúrdio desce pela esquerda e cruza para o Bakar em fora de jogo. Esta o Peseiro não viu, porque estava a apagar mais uma foto da filha boazuda no face, e o fiscal de linha também não viu porque não quis ver. Ruben Semedo tenta vir fechar a jogada irregular e Herrera fica solto para rematar ao poste (também não podia ter rematado mais para dentro, porque o Rui se esticou tanto que a perna direita ficou do tamanho da linha de golo). Na recarga, o tal avançado que estava em fora de jogo fica a olhar para o topo do estádio onde três mil vozes gritam «Ruuui!» e eu fico a pensar para mim mesmo, «ok, o Teo fez bem em falar com o Diós do futebol e o gajo já equilibrou as contas em termos de lances de golo».

E se o jogo estava dividido em lances de golo, também o estava em termos tácticos. Tal como em Alvalade, na primeira volta, os duelos a meio-capo faziam faísca e só depois de levada de vencida esta luta pelo miolo se perceberia quem ficava com o ascendente. Vieram as bolas paradas, primeiro com Slim a afinar a mira num cabeceamento fraco, depois com Bakar (o Peseiro é que o trata assim) a tentar aproveitar uma bola solta, mas a assustar-se com a saída temerária de Rui Patrício.

E se era no miolo que tudo começaria a resolver-se, foi daí que William deu ordem para iniciar a jogada do golo. Abertura para a direita, recepção fantástica de João Mário, que em menos de três segundos aconchega no peito, baixa para a relva e prega uma cueca, em patunfas, a um gajo qualquer que custa um balúrdio e joga a defesa esquerdo. Depois arranca, descalço, qual Tom Sawyer a fugir do castigo e mortinho por encontrar-se com o seu amigo Huckleberry Slim. Tau! Golo, golaço, e uma nação verde e branca de bandeiras ao vento e gargantas no limite da felicidade.

O jogo está dominado e, volvidos dez minutos, Schelotto volta a aproveitar a faixa direita para imitar o João e cruzar a preceito para Slimani. Vale Casillas a evitar o 0-2. Na resposta, Bakar faz falta clara sobre Schelotto a meia dúzia de metros do árbitro, a bola sobra para Brahimi e o argelino atira-se para a piscina dentro da área. Soares Dias nada assinala, até parece preparar-se para mostrar amarelo ao extremo portista, mas, depois, aponta para a marca de grande penalidade. Há quem diga que foi por indicação do assistente (estranho), há quem diga que foi o Mota  quarto árbitro que lhe segredou ao ouvido. Eu, tu, o Coates e qualquer Sportinguista que se preze diz “é mais do mesmo”, enquanto, um pouco por todo o lado, Drampiões celebram a sua atracção pelo futebol ilegal.

Era o empate e era essa a receita para fazer a equipa abanar. Durante cinco minutos o Sporting deu voltas à alma para conseguir encaixar mais uma injustiça e, nesse diálogo tão íntimo, esqueceu-se de manter posições e viu Herrera esgueirar-se pela direita e desperdiçar uma boa oportunidade de golo. E como é que o Sporting soube dar a volta a esse cabrão desse sentimento de estar a jogar contra um sistema? Com classe, claro. E quando se fala em classe, surge Ruiz. Bryan, que o outro está escondido para não ser linchado pelo inchas. E o que o Bryan fez foi dizer ao Maxi que o futebol se joga com bola e não com canelas. Olha aqui na coxa, olha aqui no chão, olha onde eu já vou e olha onde ela já vai, ali, pá, a caminho da cabeça do Slimani, o goleador que não se esconde nos jogos grandes nem marca só a equipas compradas. Iiiiiiiiiiiiiiiiinchalá! grita o Leão do Atlas depois de um cabeceamento perfeito que deixa Martins Indi com maiores problemas de foco do que aqueles que já tem.

Venha de lá esse intervalo que um gajo está de coração cheio, mas precisa diminuir o ritmo. Mas este é daqueles jogos onde o pé não pode sair do acelerador e quando isso acontece o adversário entrar-te pela área dentro. Um, Corona, atira-se para o chão à espera de nova invenção; outro, Maxi, é mais rápido a reagir e obriga Rui a mostrar o porquê de ser um dos melhores do mundo na sua posição. Depois, é Artur Soares Dias a tentar inclinar novamente o campo: falta inexistente assinalada, livre perigoso que acaba a embater na barra. O Sporting tinha entrado mal na segunda parte e precisava sacudir a pressão. E fê-lo.

Slimani voltou a praticar tiro ao alvo, na sequência de um canto (o único dos seus remates que não acertou na baliza); João Mário apareceu embalado na direita mas o seu remate sai com pouca força e à figura. O Sporting volta a pegar no jogo, mas quase é traído numa desatenção defensiva que acaba com Coates (agora, sim) a cometer falta no interior da área. O lance que servirá para muito boa gente justificar uma derrota, o lance que servirá para minimizar uma vitória justa e clara. E antes de Bruno César aproveitar mais uma arrancada fantástica de João Mário para chutar com força suficiente para Casillas meter água, já Slimani tinha visto o redes espanhol fazer uma daquelas defesas que dão fotos intemporais e roubar-lhe o hattrick.

Por esta altura, já a debandada de adeptos azuis e brancos se fazia em larga escala enquanto lá no topo a Onda verde continuava o seu recital de apoio às suas cores. As cores que, no relvado, ao longo de 90 minutos, foram envergados por homens que souberam honrá-las e por uma equipa que chega ao fim deste campeonato dando consecutivos exemplos de capacidade colectiva e individual, numa combinação que resulta em futebol adulto e em movimentos que não deixam margem para dúvidas: cada um daqueles jogadores sabe, perfeitamente, qual a sua missão dentro de campo. E que, ontem, uma vez mais, souberam, todos eles, ser tão grandes como o símbolo que nos une.