O miúdo cresceu: calmo, tranquilo, divertido e honesto, Ruben Semedo falou ao Maisfutebol com uma sinceridade desarmante. Não recusou nenhuma pergunta, abordou até as questões mais sensíveis do passado, e mostrou que as ultrapassou. Reconheceu que no passado cometeu asneiras, mas que até essas foram importantes para o fazer crescer. Um ano em Espanha fê-lo parar para pensar o que queria para a vida, e o que queria só o futebol lhe podia dar: estabilidade para criar a filha. Pelo meio falou de Jorge Jesus, o melhor treinador que já teve. Reconheceu que lhe deve muito e que às vezes é difícil ouvir os gritos, mas que toda a gente sabe que fazem parte do caminho para o sucesso. Por fim prometeu um Sporting mais forte no futuro.

Está mais calmo agora do que estava há dois anos?
Sim, claramente. Mudei o meu estilo de vida e isso ajudou-me muito. Quando se muda o estilo de vida fora de campo, isso reflete-se dentro de campo. Não tenho dúvidas de que hoje sou um jogador muito mais calmo e maduro.

Em que é que mudou o estilo de vida?

Os meus hábitos alimentares, por exemplo. As coisas que fazia depois dos jogos e antes dos jogos, tudo isso conta, e são essas pequenas coisas que às vezes fazem a diferença.

Houve uma altura em que se falou que ia viver para Alcochete, chegou a ir?
Não, não. Foi equacionada essa opção, mas não cheguei. E como não cheguei a ir, viu-se os resultados que teve essa minha opção…

Como assim?
As coisas não correram bem, comecei a cair de rendimento, houve uma série de episódios menos felizes da minha parte…

Mas isso agora não acontece: o que é que mudou?
Principalmente mudou a minha mentalidade: vi que só o futebol podia dar-me o conforto e a tranquilidade que a minha família quer. Por isso foquei-me nesse objetivo ao máximo: estar bem em campo para não prejudicar as pessoas de quem gosto fora de campo.

Já saiu do seu bairro na Amadora?
Não, mas vou sair agora.

Mas pelo menos mudou algumas coisas que costumava fazer…
Sim, não passo tanto tempo na rua. Aliás, isso está fora de questão. Sou um jogador profissional. Na altura também era, é verdade, mas não tinha essa noção. Curiosamente agora penso no que fazia antigamente e arrependo-me, claro, mas também penso que ainda bem que aconteceu, porque são coisas que fazem parte do crescimento da pessoa e que me ajudaram a melhorar.

Agora a sua prioridade quando sai dos treinos é descansar?

Descansar, descansar, descansar. É a minha prioridade número um. Não consigo sair de um treino e não ir descansar.

O ano que passou no Reus foi importante para isso?

Foi importante para me afastar do ambiente em que estava, para me afastar das más influências e não me deixar consumir por isso. Foi muito bom para mim. Reus é uma cidade tranquila, trataram-me sempre bem, por isso foi bom para me afastar daqui e me ensinar a viver uma vida tranquila.

Mas deve ter sido difícil passar um ano longe da filha e da esposa…
Foi o que mais me custou: deixar aqui a minha família. Felizmente ela pôde ir lá algumas vezes e isso dava-me força para continuar. Pensei para mim mesmo que não queria aquela vida para mim, não queria viver longe da minha filha. Portanto tinha que trabalhar, para conseguir um lugar em Portugal e poder estar ao lado dela.

A sua filha foi o melhor que lhe aconteceu na vida?
Sem dúvida.

Foi ela que lhe trouxe a estabilidade que tem agora?
Sem dúvida. É para ela que faça tudo o que faço. Claro que também é por mim, pela minha mãe, mas o ponto número um é ela. Em todos os momentos.

Renovar contrato também foi importante para si e para a sua família?
Sim, muito importante. Foi bom para todos nós. Renovar o contrato fez com que pudesse estar melhor financeiramente e pudesse ajudar mais a minha família.

Quando foi para o Reus disse que o ambiente em torno de si no Sporting não estava bom: agora está melhor?

Sim, está melhor, sem comparação. Antes sentia-me como um forasteiro, não me sentia em casa. Agora onde vou, onde quer que esteja, até mesmo quando jogo em Alvalade ou noutro local em que encontre um sportinguista, sinto esse carinho, sinto o apoio, sinto que estou realmente em casa. E é assim que estou bem comigo: sentindo que sou mais um para ajudar o grande Sporting.

A sua vida mudou muito neste último ano…
Sim, completamente. Passei de um Reus, da II Divisão B, a terminar a época assim, a titular do Sporting e a lutar por ser campeão…

Quando foi cedido ao V. Setúbal alguma vez pensou que podia acabar a época a titular no Sporting
Sinceramente, não. Mesmo quando o mister me ligou, a dizer para voltar para o Sporting, não acreditei muito que fosse jogar. Felizmente enganei-me e as coisas correram bem.

Ficou surpreendido com esse telefonema de Jorge Jesus?
De certa forma sim. Se não esperava jogar quando voltei, muito menos esperava voltar quando estava no V. Setúbal. Fiquei surpreendido mas não hesitei e disse logo que sim.

Não pensou que se calhar no V. Setúbal podia jogar mais…?
Sim, isso passou-me pela cabeça, claro. Mas a vontade de regressar ao Sporting era maior. Mesmo com essas dúvidas decidi seguir esse caminho.

E o que é que Jorge Jesus lhe deu neste meio ano?
Deu-me aquilo que eu sou hoje. Ajudou-me a melhorar em muitos aspetos, melhorei muito na concentração, por exemplo, que era um dos meus problemas. Fez-me ser o jogador que sou agora, muito mais maduro, mais certo, penso eu.

Como é que se melhora a concentração?
Aprendi que se trabalha em todos os treinos e em todos os pormenores, por mais pequenos que sejam. Tudo conta. A partir daí começa-se a melhorar a concentração.

Ele grita muito contigo?
(risos) Ele grita muito com todos… Mas sim, também grita muito comigo.

Não chega uma altura em que lhe apetece enfiar-se num buraco…?
Não é fácil, não… Mas sabemos que é para nos ajudar e para sermos melhores. Portanto, há que suportar, há que ouvir e há que seguir o que ele diz.

Calculo então que a renovação de Jesus tenha sido a melhor notícia do verão para si…
Para mim e para todo o plantel: a estabilidade começa na direção e passa logo a seguir pelo treinador. Nós jogadores sentimos isso. Por isso foi uma excelente notícia para todos, para darmos continuidade ao nosso projeto e ao nosso trabalho.

O que é que Jesus tem de diferentes dos outros?
A maneira como trabalha. É totalmente diferente dos outros.

Porquê?
(risos) Tem um toque especial.

Tem?
Tem, sem dúvida. Tem um toque especial. É muito específico no que faz, puxa muito por nós e faz com que sejamos melhores do que os outros.

E é verdade que vê as coisas antes de toda a gente, como ele diz?
Noventa por cento das vezes, sim, é verdade, ele prevê as coisas. Ele diz que vamos fazer assim porque vai acontecer isto, e acerta. Claro que a equipa sente isso e para nós é muito bom. Os jogadores crescem e sentem-se mais confiantes. Notou-se isso no campeonato que fizemos. É muito bom ter um treinador com estas qualidades.

Já esteve no plantel principal do Sporting em outras épocas: este foi o ano em que a equipa sentiu, dentro dela própria, que era mais forte?
Sentimos isso, sim. Tem a ver com os treinos, com a forma como sentimos que trabalhamos bem, e depois com os jogos: bons resultados, boas exibições, enfim. Tudo isso faz-nos acreditar que estamos bem, estamos fortes e podemos ser campeões. Esta foi a nossa melhor época, mas acredito que vamos evoluir mais e ser melhores na próxima.

Renovou agora até 2022: consegue ver-se a ficar seis anos no Sporting?
Sobretudo consigo ver-me a ser campeão no Sporting. Isso é que é o mais importante.

O Adrien disse há dias que não saía do Sporting enquanto não fosse campeão…
Concordo. Esse é o meu sonho e é para isso que vou trabalhar. Espero um dia alcançar esse objetivo.

Aquilo que disse um dia, que estava no Sporting de passagem, não se coloca agora…
Isso nem se põe em questão. São coisas que já passaram e que vêm de influências antigas de familiares e de amigos. São coisas que acontecem quando estás num meio em que as pessoas têm determinados hábitos e tu segues esses hábitos por força da convivência. Agora que já sou mais adulto, já penso por mim. Isso faz parte do passado.

Chateia-o que as pessoas ainda se lembrem dessa frase?
Não, não me chateia. Sei que por um lado as pessoas têm razão. Eu próprio, sendo um sportinguista, não gostaria que um jogador meu dissesse que era do Benfica. Por isso acho que os adeptos têm razão. Mas como já disse, faz totalmente parte do passado.

Sente que tomou a decisão certa quando recusou o Liverpool aos 18 anos?
Sim, sinto. Até hoje não me arrependo. O importante é tornar-me cada vez melhor jogador, e não há sítio mais indicado para isso do que na melhor escola do mundo, a escola do grande Sporting. Portanto… não tenho como me arrepender.

Ainda sente vontade de jogar na rua como jogava antigamente?
(risos) Muita vontade, muita vontade. Ainda hoje estava a olhar para o campo, que se vê da minha casa, e deu-me vontade de ir. Mas não posso. Tenho de ter cuidado, e sei que tenho a família para me ajudar: sem querer podia aleijar-me e isso era mau para mim.

O que é o futebol de rua tem de especial?
Tem algo que só o futebol de rua tem. Tem os dribles, os cortes, tudo, há coisas que só se vivem no futebol de rua. É um futebol mais puro.

Isso quer dizer que é um apaixonado…
Adoro jogar futebol. É o que mais gosto de fazer. Nunca pratiquei mais nada: a minha vida sempre foi a escola e o futebol.

O que faltou ao Sporting para ser campeão?
Faltou uma pontinha de sorte. Fomos superiores em quase todos os jogos, mesmo quando empatámos ou perdemos, que foi muito poucas vezes, fomos melhores. Mas a sorte não esteve do nosso lado.

Acreditaram até ao fim que o Benfica ia falhar?
Acreditámos, porque quase todas as semanas ganhavam em esforço, ou com um golo no fim. Isso era como se fosse um sinal. Por outro lado nós estávamos bem, estávamos fortes, por isso acreditámos até ao fim.

Houve lágrimas em Braga?
Muitas lágrimas, sim. Dói muito ser o melhor, e não ganhar.

Qual foi o pior momento da época? Foi esse?
O pior momento foram sem dúvida os últimos dez minutos do jogo em Braga. Sentimos o apoio do nosso público, mas também sentimos pelas reações do público do Sp. Braga que o Benfica estava a ganhar e que dificilmente ia perder. Foi o momento mais difícil.

Vocês nunca souberam o resultado do jogo do Benfica?
Não. Primeiro estávamos preocupados com o nosso jogo, depois quando o resultado se avolumou tentámos saber com as pessoas do banco, mas não nos deram essa informação. Nessa altura sentimos que já tínhamos o campeonato perdido.

E qual foi o momento mais feliz que já viveu desportivamente?
Felizmente são muitos… Mas penso que foi o jogo que fizemos em casa com o V. Setúbal. Toda a equipa esteve bem, mas sinto que fiz realmente uma boa exibição. Foi um jogo especial por isso e porque conseguimos um excelente resultado [5-0].

Pensei que fosse dizer o jogo com a Fiorentina…
Sim, esse também, sem dúvida. Foi o jogo em que apareci e defrontei jogadores que via na televisão e que só tinha defrontado na playstation. Esse foi o momento que mais me marcou na minha vida desportiva: foi o momento em que senti que podia jogar àquele nível, embora naquela altura não estivesse preparado para dar esse salto.

Falta-me uma pergunta que é sobre o Gelson…
(risos)

Porquê esses sorrisos?
(risos) Imaginava que sim, imaginava que sim…

Como é que viu a afirmação dele?
Não me surpreendeu, porque já o conheço há muitos anos: já jogávamos juntos no Fofó. Mas ele esteve muito bem, com os conhecimentos que o mister lhe transmitiu fez com que o trabalho dele fosse mais fácil, e ele respondeu muito bem.

Andam juntos desde o Fofó, acredita que vão chegar ambos ao topo?
A única dúvida é quem vai chegar primeiro (risos).

Alimentou a esperança de ser chamado ao Euro 2016?
(risos) Sim, não posso dizer que não, porque estaria a mentir. É bom sonhar e alimentei sempre a esperança de ser chamado. Quem joga num clube como o Sporting, tem que sonhar chegar à seleção e eu fiquei até à última à espera de ouvir o meu nome.

Agora vêm aí os Jogos Olímpicos: espera ser chamado?
Estou um pouco dividido. Os Jogos Olímpicos vêm no início da época e ninguém quer falhar essa fase. O objetivo do Sporting é ser campeão e para isso temos que trabalhar bem desde o início. Por isso por um lado gostava de estar, porque sou português, porque a seleção é um sonho e porque seria uma felicidade estar nos Jogos Olímpicos, mas por outro lado não queria perder o comboio do Sporting. Vamos ver. Deixo essa decisão ao critério das direções do Sporting e da Federação, eles saberão o que é melhor.

O Jorge Jesus e o Quim Machado disseram, em momentos diferentes, que o Ruben era o futuro titular da seleção. É assim que se vê?
Trabalho para chegar à seleção nacional. É um objetivo meu. Ouvindo o que os treinadores disseram, é um alento muito especial, é o reconhecimento do que tenho feito. Vou trabalhar para ajudar o Sporting, porque um dia essa oportunidade vai chegar.

Qual é a sua opinião sobre Coates?
Para mim é o melhor central de Portugal.

E sobre o Paulo Oliveira?
Um grande central, muito inteligente.

O Ewerton?
Muita qualidade.

E por fim o Naldo?
Muito forte no jogo de cabeça.

Com quem aprendeu mais?
Com o Paulo Oliveira, no início, e agora no final do campeonato muito com o Coates. Mas gosto muito do Paulo Oliveira e nos treinos observo-o muito, para aprender. É um central muito inteligente e que se posiciona muito bem.

Fala muito com ele?
Sim, admiro-o muito e tento sempre aprender com ele.