JORNAL SPORTING — Estava afastado do futebol feminino desde 2012/2013, o que o fez aceitar o convite do Sporting, que voltou a apostar na modalidade 21 anos depois?
NUNO CRISTÓVÃO — Trata-se de um projecto que traz uma perspectiva muito interessante ao futebol feminino. Em Portugal, o desporto está bastante ligado aos três grandes. O facto de o Sporting, que é um Clube de dimensão europeia, querer criar equipas femininas vai ao encontro daquilo que se passa por essa Europa fora… Os maiores emblemas estão a elaborar as suas formações femininas e acho que esta iniciativa tem tudo para se tornar num grande avanço para o futebol das mulheres e das raparigas e vai trazer também grandes vantagens ao Sporting. O director Virgílio Lopes foi a primeira pessoa a perguntar-me se estaria disponível para fazer parte do planeamento. Foi fácil chegar a um consenso porque fui claro em relação aos meus propósitos.

Pode então dizer-se que as suas ideias foram compatíveis com a visão do Sporting para o ano zero do futebol feminino?
NUNO CRISTÓVÃO: Sem dúvida. Quando o Sporting decidiu iniciar a preparação para o regresso da modalidade, fez as coisas com cabeça, tronco e membros. O Clube já tinha compromissos assumidos com 18 jogadoras no dia em que me vinculei. Posso fundamentar o que estou a dizer dando vários exemplos. Há uma gestora das equipas femininas, Raquel Sampaio, existe o diretor Virgílio Lopes, que já referi e é o responsável por toda a secção. Ao nível das condições de trabalho, o Sporting inseriu a equipa feminina no futebol, não a empurrando para as modalidades de alta competição e funcionaremos na Academia. As jogadoras irão ter condições que nunca na vida alguém teve em Portugal. Nem eu, quando fui seleccionador nacional entre 2000 e 2004, tive os privilégios que terei no Sporting. Acredito que tudo isto, a médio prazo, faça a diferença. Logo no primeiro dia percebi o compromisso sério do Sporting em desenvolver uma estrutura que se quer ganhadora.

E o seu fascínio pelo futebol no género feminino, como é que se desenvolveu?
NUNO CRISTÓVÃO: A minha paixão é pelo futebol. Vou começar a 36.’ Época como treinador, mas só fiz dez temporadas à frente de equipas femininas. Quero até partilhar aqui uma inconfidência: a primeira vez que fui contactado para me associar ao futebol das mulheres e das raparigas, o meu comentário foi: “Elas não lhe acertam nem de bico’: Costuma dizer-se que pela boca morre o peixe. Fui vê-las jogar no fim de semana seguinte, no Grupo Desportivo de Carcavelos, e fiquei impressionado com o nível técnico-tático das jogadoras. A verdade é que as minhas referências tinham sido as minhas colegas de faculdade e essas, de facto, não lhe acertavam, nem de bico [Risos]. A partir daquele momento, senti que aquela era a área do futebol que mais podia crescer em Portugal. Continuo a sentir o mesmo. Sou professor do ensino secundário, mas comecei pelo ensino básico e vejo que, nas escolas, há cada vez mais raparigas a quererem jogar. Até há bem pouco tempo, em termos de número de praticantes, o nosso País não ultrapassava a barreira das 2.500 atletas.

Segundo parece, nos dados da última época, já conseguimos chegar às 3.000. Procura deixar o seu cunho pessoal no crescimento da modalidade no nosso País?
NUNO CRISTÓVÃO : Claro. Uma das razões que me levou a deixar a Federação Portuguesa de Futebol foi o facto de sentir que não havia, da parte de quem dirigia, vontade de dar o salto. Neste momento, como principal responsável de uma estrutura técnica que irá liderar um processo num Clube com a grandiosidade do Sporting, tenho essa responsabilidade nos meus ombros, um peso que não teria noutro local, por mais respeito que tenha pelos outros. Até porque se é verdade que cheguei a este patamar, também é verdade que houve alturas em que tive duas bolas para treinar e 14 ou 15 jogadores rapazes e era eu quem lavava os equipamentos em minha casa.

Nesses períodos, perdeu um pouco a esperança de que um dia pudesse chegar onde está agora?
[Silêncio] Não. Nunca mais me esqueço de uma frase que ouvi, vinda de um dos meus professores de faculdade: “Temos de procurar ser o melhor em tudo o que fazemos’: Para mim, isso faz sentido, porque se tentarmos ser o melhor, de certeza que seremos um dos dez melhores. E se formos um dos dez melhores, estaremos mais perto do sucesso. Não nego que, depois de uma determinada idade, vemos os objectivos mais longe, porque também acredito que, actualmente, a tendência recai na busca dos treinadores mais novos. Dizia-me há uns tempos um empresário que “está na moda o treinador português’:

Como treinador português, quais as expectativas para este novo desafio?
NUNO CRISTÓVÃO: Face às condições que nos estão a dar podemos fazer um trabalho de grande qualidade. Quando me perguntaram qual era o número mínimo de treinos que eu achava que as jogadoras deveriam ter, respondi “todos os dias’: É evidente que isso não poderá acontecer, pois as atletas têm competição, mas é dessa exigência de que gosto. Do ponto de vista desportivo, não faria sentido não jogar para ganhar tudo. Não será fácil. Temos adversários muito fortes a competir connosco. Numa fase inicial, há que construir uma equipa para que seja campeã nacional e, claro está, depois poderemos olhar para os outros patamares.

Apesar de 18 das 20 jogadoras já estarem ligadas ao Clube quando assinou contrato, este é um plantel que considera forte?
NUNO CRISTÓVÃO: Tem atletas de enorme talento, algumas com um potencial brutal para o futuro. Não fui eu que formei o plantel e muitos colegas perguntaram-me se não tive problemas em aceitar essa circunstância. Aceito com naturalidade, porque o futebol é assim mesmo. O ano passado, quando tive as primeiras conversações com os dirigentes do Sporting, deixei uma lista com o nome de 16 meninas. A esmagadora maioria estão no plantel. Houve muitos cuidados, da parte do Clube, em não inflacionar a equipa nos vários sectores. Só posso estar satisfeito.

Qual é o estado de espírito das raparigas antes dos primeiros toques na bola de leão ao peito?
NUNO CRISTÓVÃO :É normal que haja ansiedade. No entanto, penso que as raparigas ainda não perceberam bem o que vão encontrar. Quando eu lhes dizia que a equipa técnica iria ter um determinado número de elementos, não queriam acreditar [Risos]. Ainda não há a total noção da realidade.

Ao longo da entrevista, foi referindo algumas frases que, ditas por determinadas pessoas num certo contexto, o marcaram. Espera, no final da época, que sejam as jogadoras a citá-lo a si como bom exemplo?
NUNO CRISTÓVÃO: Isso seria uma enorme satisfação para mim e a prova de que o nosso trabalho tinha sido reconhecido. Sim, porque o esforço vem de todo um conjunto. Tenho a certeza de que me rodeei e de que o Sporting me fez rodear de gente muito competente. No final, o que mais desejo é que as raparigas me digam: “Valeu a pena’.