Talvez já se tenha esbatido a memória, mas a verdade é que uma das batalhas que melhor assentou na expressão Fight & Resist foi a que se travou com os empresários. Zahavi, Mendes e outros tantos, de um momento para o outro confrontados com uma gestão sem borlas, sem favores, sem fundos que nos colocavam cada vez mais perto de um fundo asfixiante.

Ora, num momento em que andamos ansiosos face ao que as duas últimas semanas de mercado nos podem oferecer, penso ser fundamental não nos esquecermos de duas coisas: primeiro, essa batalha está longe de estar terminada; segundo, seria preciso sermos muito anjinhos para acreditarmos que em modo Fight & Resist chegaríamos ao mercado e encontraríamos mais portas abertas do que fechadas.

Não vou armar-me em mais do que qualquer um de vós. Como comum adepto, Sportinguista doente, enerva-me esta passar dos dias em ritmo morno, irrita-me a não chegada de reforços para a frente de ataque, irrita-me o risco de ver partir uma das jóias da coroa em vésperas do mercado fechar, irrita-me esta sensação de que avançamos para a nova época mais enfraquecidos na zona goleadora em relação à temporada passada. E apetece-me gritar tudo isto.

Depois, há os momentos em que me afasto e respiro, tentando ver o cenário na sua plenitude. E, nesses momentos, dou por mim a pensar que tudo isto é natural face ao caminho que decidimos trilhar.

Vejamos o caso de João Mário. Já não é segredo para ninguém que, a fazer-se, o negócio será com o Inter de Milão. Também não será segredo para ninguém que, com outro presidente, o Mago já estaria em Itália, que seriam anunciados milhões que até podiam nem bater certo e que chegaria um avançado mais caro que o Florent Sinama. O povo ficava feliz. Os empresários ficavam felizes. Os fundos ficavam felizes. E o Sporting?

É, precisamente, esta pergunta a que eu me agarro quando me coloco na pele de Bruno de Carvalho, até porque decidiu ser ele pegar pelos colarinhos todo e qualquer negócio. E é essa pergunta que eu acredito que ele faz, várias vezes ao dia, quando se sente uma espécie de bola em mesa de flippers, embatendo nos seguintes pormenores:
– quer fazer o negócio financeiramente mais vantajoso para o Sporting, contornando, inclusivamente, as percentagens que nesse negócio irão parar às mãos de Jorge Mendes através do fundo Quality Football Ireland Limited (QFIL), a quem Godinho Lopes ofereceu por 400 mil euros 25% do passe de João Mário (ou seja, se o vendermos pela cláusula, 60 milhões, 15 milhões vão de mão beijada para o Mendes)
– tentar contornar uma negociata onde está envolvido o Mendes (e o Peter Kenyon, antigo dirigente do Chelsea e amigo do Zahavi) é comprar uma guerra extra. E sendo o Mendes amigo do Kia, pior
– não admira, por isso, que apenas o pai do João Mário, mais preocupado com guito do que com o filho, tenha aflorado a existência de propostas de outros clubes que não do Inter. Porquê? Porque como bom financiador dos pasquins cá do burgo, o Mendes ajuda a silenciar essas propostas e o Kia remete as negociações para onde lhe interessa: Itália. É a resposta à nossa afronta, impedindo-nos de negociar com outros clubes e de conseguir o maior encaixe possível que podia, inclusivamente, incluir o empréstimo de bons jogadores

Face a este braço de ferro, levanta-se outra questão: na ausência de um bom encaixe financeiro e mesmo tendo em conta a almofada criada ao libertarmo-nos dos ordenados de Teo e de Barcos (não dá para ir buscar o Montero por empréstimo e mandar o Labyad para a China?), torna-se muito complicado ao Sporting atacar o mercado. E o que acontece? Levamos com nomes sonantes nos jornais. Gomez, Podolski, Bas Dost, Van Persie. Os adeptos ficam em ponta e sonham com esses reforços, deixando de haver margem de tolerância para o anúncio de um qualquer André desta vida.

O que não podemos esquecer-nos de questionar é: quanto aufere um destes craques por ano? Consta que o Van Persie, por exemplo, saca cerca de 4 milhões na Turquia. Giro. Agora, imaginemos que ele até gostava da ideia de vir para Alvalade (é fácil gostar dessa ideia, foda-se) e que, simpaticamente, nos pedia 2,5 milhões/época. O povo ficava feliz. Os empresários ficavam felizes. Os fundos ficavam felizes. E o Sporting? Como é que se explica a um Rui ou a um Adrien, que também têm recebido propostas financeiramente vantajosas, que se vai buscar um gajo a peso de ouro e deixam de ser eles, parte da alma e do coração de uma equipa, os mais bem pagos do plantel (algo conquistado por inteiro mérito)? Valerá mais encher o cu de dinheiro a um gajo ou melhorar as condições dos gajos que queremos e devemos manter (Rui, William, Adrien, João Mário, Slim) e que, é bom recordar, foram um dos “pedidos” de Jorge Jesus aquando da renovação de contrato?

E como se tudo isto não chegasse, andamos, estilo trapezista, à espera de chegar ao outro lado do arame em relação ao Slimani. É verdade que, neste momento, a cláusula dele deixou de ter validade, mas como é que tu dizes a um gajo que não sai face a uma proposta que bateria essa clausula e, ao mesmo tempo, lhe negas um aumento de vencimento (e, atenção, o homem tem feito por merecer o que ganha, pondo de lado aquela ideia de que os futebolistas não merecem o que ganham e cuja discussão não é para aqui chamada)?

Isto seria uma maravilha se vendêssemos tudo a 15 milhões e se continuássemos a alimentar fundos e empresários, mas ao tomarmos uma estrada diferente, da qual devemos orgulhar-nos, não sei, sinceramente, o que vai passar-se até ao fecho do mercado. Mas sei que não podemos, de um momento para o outro e só porque sentimos as mãos a transpirar, criticar aquilo em que dissemos acreditar: defender o Sporting e afrontar os poderes instituídos. Sim, outro lado do Fight & Resist é duro, muito duro, mas foi esse o caminho que escolhemos.