Vale a pena atentar na resposta de Frederico Varandas, diretor clínico do Sporting Clube de Portugal, às declarações de Sandro “Eu Sou Muita Bom Mas Não Jogo”, ao The Sun. (também gostei muito de ouvir o Dani questionar o compromisso do Campbell com as equipas por onde passa. O Dani. A falar de compromisso.)

RECORD – Antes de irmos ao caso Sandro, e para contextualizar a questão dos exames médicos, qual é o protocolo seguido pelos jogadores candidatos a reforçar o Sporting?
FREDERICO VARANDAS – O treinador e o presidente escolhem o jogador. Eu sou informado quando as negociações já estão avançadas. Só eu, o treinador e o presidente sabemos de que jogador estamos a falar. Enquanto decorre essa fase final, tento saber todo o histórico do atleta, através da minha rede de contactos profissionais. O meu objetivo é reduzir todos os fatores de risco. Um aspeto importante é a presença de minutos. Tento ser o mais apertado possível nesse critério, obter o máximo de informação e já tenho um trabalho de casa feito. Na observação gosto, em primeiro lugar, de entrevistar o jogador, perceber porque não jogou durante ‘x’ meses ou semanas. Se algo não bater certo com a história que recolhi, estranho. Se não, tranquilo. Depois temos o exame geral propriamente dito e, se necessário, um complementar. Fazemos uma avaliação exaustiva cardiológica, observação músculo-esquelética e avaliação das análises. No final vem sempre a decisão mais complicada.

R – E essa decisão é só sua?
FV – É minha. Graças a Deus, a Deus e à nossa competência, o departamento clínico do Sporting está muito bem referenciado, por vários clubes europeus . Um dilema para os médicos, e que muitas vezes as pessoas não se apercebem, é que os exames eram encarados como um pró-forma, antes da assinatura, quase uma consulta administrativa. As coisas já vêm todas fechadas e é só como ir ali escolher o número da camisola. No Sporting não funciona assim.

R – Não conhecendo esse contexto, o ónus de uma contratação falhada pode recair sobre o departamento clínico.
FV – Não me preocupo com o que dizem ou deixam de dizer. Ninguém, mais do que eu, quer ter bons jogadores no Sporting. Mas essa decisão tem de ser puramente técnica e racional. Não emotiva.

R – Entrando então na situação particular do Sandro, uma das alegações do jogador brasileiro, na entrevista ao ‘The Sun’, é a de que o Sporting só terá observado o seu joelho direito nos exames médicos realizados em junho. O que aconteceu de facto?
FV – Mesmo tendo lido muitas coisas que não são verdade, vou defender o jogador. Primeiro ponto, compreendo inteiramente a frustração dele. Nunca conheci nenhum jogador que chegasse a um exame médico e achasse que não estava em condições de jogar. Segundo ponto importante, eu não dei o Sandro como inapto. Tenho critérios de exigência definidos por mim no departamento clínico. Considero que o jogador pode estar apto, inapto ou com reservas. O Sandro não era um caso de inaptidão, pode jogar futebol. Se preenche os requisitos que eu determino para o Sporting Clube de Portugal, não. Decisão minha.

R – Era portanto um caso que lhe apresentava reservas?
FV – É um caso em que o jogador estava apto mas para mim não preenche os requisitos. Vou dar um exemplo. Eu sou médico militar. Aos 18 anos candidatei-me ao curso. Fui fazer exames médicos – eu e milhares de candidatos. Inúmeros chumbaram. Têm problemas físicos? Doenças? Não. Não preenchiam os requisitos para entrar na academia militar. O departamento médico do Sporting é igual. Eu nunca disse que o Sandro estava inapto. Nunca houve nenhuma informação dada pelo Sporting Clube de Portugal. Nenhuma. O jogador quis expor-se. Eu, se for obrigado em local certo, direi porque é que o jogador não preenche os requisitos do departamento médico. Não vou dizer publicamente.

R – Diz ‘obrigado em local certo’ na eventualidade de o jogador avançar com algum tipo de ação?
FV – Certo, certo. Mas o jogador… Vou falar do que é público, que é fácil. O Sandro teve uma lesão grave no joelho direito e foi operado. Pode jogar? Pode. Mas no quadro das minhas exigências tenho reservas. Obviamente, observámos o joelho esquerdo, o direito, fizemos observação total, exames cardíacos. E a seguir pedi exames mais específicos só para aquele problema. Isso é verdade.

R – Aí as versões divergem.
FV – Eu tenho os exames. Guardo tudo. Estão registados na CUF Infante Santo. Desde ecocardiograma, ECG, ressonância… Sou pago para defender os interesses do Sporting Clube de Portugal. E tenho esses parâmetros de exigência perante um jogador contratado no Campeonato Nacional de Seniores ou perante um Sandro. Para mim é igual. Ele acabou os exames médicos e a primeira coisa que fiz foi telefonar ao presidente. Transmiti-lhe as minhas reservas. E atenção que era um jogador que o presidente e o treinador queriam. A partir daí, passo a bola. De cada vez que um jogador está parado é só fazer contas, a quanto custou e a quanto recebe. E o que procuro é que possam jogar 90 minutos consecutivamente, com a exigência do nosso treinador.

R – Sandro diz que o Sporting fez a Lucas Silva o mesmo que lhe terá feito a ele…
FV – Lucas Silva. Vou falar do que é tornado público pela entidade patronal e pelo próprio jogador. O Real Madrid e o Lucas Silva já comunicaram que, durante os exames médicos do Sporting, detetámos um problema. Entrei em contacto com o diretor clínico do Real Madrid, que entregou o jogador nas nossas mãos. Ele ficou dois dias connosco. Recentemente, o Real informou-me que ele está num programa de reabilitação e parado até outubro/novembro. Não tenho dúvidas nenhumas de que o Lucas Silva voltará a jogar futebol. Simplesmente, era impossível para o Sporting agora. O Sandro diz na entrevista que ele chegou ao Real Madrid e estava tudo bem. Não está. Ele não pode treinar.

R – Nas declarações ao ‘The Sun’, Sandro deixa a ideia de que o Sporting nunca lhe quis fazer os exames completos e que usou isso para lhe tentar baixar o salário…
FV – Ele sabe que isso não é verdade. Tínhamos dúvidas. Pedimos uma ressonância, que foi feita. A seguir falamos com ele. Ele sabe porque é que não entra nos pré-requisitos do Sporting.

R – O chumbo de Kevin-Prince Boateng foi semelhante ao de Sandro?
FV – Como outros, são jogadores que não preenchiam os pré-requisitos que eu entendia. Não se toma uma decisão destas de ânimo leve. Fico contente por ver que, segundo os meus parâmetros, até hoje acertei em todos os casos.

R – O Sporting brincou com Sandro, como ele afirma?
FV – Claro que não. Ninguém brincou com o Sandro. Ele sabe os exames que fez. A decisão final não foi inaptidão. Simplesmente disse ao presidente: ‘Tenho reservas e não recomendo’. Existe uma gestão da minha informação. E o presidente pode dizer que, mesmo tendo reservas, até aceita o jogador, com baixo risco. Se calhar é disso que ele está a falar. Mas não faço ideia. O Sporting hoje tem um departamento médico altamente profissional, reconhecido por grandes clubes e pela UEFA. Já não é da minha área mas sei que o departamento jurídico do Sporting não vai ficar de braços cruzados depois dessas declarações. Fico contente que o Sandro tenha a ideia de que os outros clubes seguem o que eu digo. Eu nunca dispensei um jogador por informação de outros médicos.

R – Voltou a falar com o Sandro ?
FV – Não. Eu não transmito a minha decisão a jogadores nem agentes. Só ao presidente e ao treinador. Como a informação é dada ao jogador não é da minha competência.

R – Tem 36 anos (faz 37 a 19 de setembro) e é diretor clínico do Sporting desde 2011. Como surgiu a oportunidade?
FV – Comigo, aconteceu tudo muito cedo, mas porque fiz com que as coisas acontecessem. No V. Setúbal as pessoas disseram que eu ia aguentar seis meses. Fiquei lá quatro anos e passados dois era diretor clínico. O Sporting convidou-me por intermédio do doutor Gomes Pereira, meu antecessor. Depois, por opção da equipa técnica e da direção, fui convidado para diretor clínico. Passei pelo segundo ‘round’ de dúvidas. Nunca me preocupo com o que me dizem. Acredito que serei sempre julgado pela minha competência e pelos meus atos. Não vou mentir: sempre tive este sonho. Não me contento com o que tenho, com o que sou. Tento sempre ser melhor e não escondo que é gratificante ver que o meu trabalho é reconhecido até lá fora, noutros clubes.

R – Qual foi o momento mais difícil por que passou nesta experiência?
FV – Eu não sou um médico que trabalha na minha quinta. Ou seja, não fico contente de ter uma época de zero lesões e chegar ao fim e não ganhar. Não me interessa isso. Eu quero ganhar. Eu sofro pelo Sporting. Dou muito de mim. Se o Sporting ganha, nas folgas faço o que gosto, como surfar. Se não ganha, fico fechado e não falo com ninguém. O que me custou mais até hoje foi o ano passado não termos sido campeões. Já aconteceu nos outros anos mas neste custou-me, doeu-me. Porque fizemos trabalho e merecíamos.

R – Salvo a lesão do Teo Gutiérrez, foi uma época tranquila em termos clínicos.
FV – Temos muitos problemas que não se sabem. Para ganhar tem de se andar no limite. E nós trabalhamos no limite. Tenho de tomar ‘ene’ decisões durante a semana. Não existe uma semana em que eu não tenha de tomar uma decisão de risco. É preciso conhecer o jogador, os seus limites, incutir capacidade de sacrifício e isso leva a desgaste, stress. Nós andamos no limite. E andar no limite, como costumo dizer no ‘red line’, tem riscos. Se andar abaixo, defendo-me. Para a minha quinta é ótimo. Mas para a equipa, para o treinador, não.

R – Como tem sido a organização das Jornadas Internacionais de Medicina Desportiva no Sporting?
FV – Já houve três edições. No futebol existe sempre uma coisa que é o segredo. Na área clínica eu acho que não podemos ter isso. O futebol tornar-se-á um desporto mais competitivo, melhor, quanto melhores forem os departamentos clínicos. Entendi que no Sporting temos competência e qualidade. Pensei nos mais novos, em jovens médicos como eu. Lembro-me de começar há 10 anos no V. Setúbal e tive de fazer o meu caminho. Nestes congressos, consigo reunir do ponto de vista científico do melhor que há, não só a nível nacional mas europeu. As jornadas médicas do Sporting já são uma referência na medicina desportiva portuguesa.