«Fogo, pai! Estás só a dizer isso!»
O pai sou eu e isso, ou aquilo, que eu dizia ao ritmo de um vinil riscado era «que grande passe… que grande golo…». William e Bas Dost, com participação activa de André, tinham-me oferecido uma balada (lá está, André) feita com a beleza de um laivo de contrabaixo numa orquestra afinada, finalizada com um riff de guitarra que trouxe Angus Young para Alvalade. A combinação pode parecer estranha, mas o passe de William Carvalho entra para o leque de momentos de antologia e a finalização de Dost é coisa para estancar o ranho de quem chora à semanas pela partida de Slimani.

Esse foi o momento alto de um jogo com uma primeira parte dominadora, mas mastigada, e uma segunda parte com um ritmo que só não fez o Estoril sair vergado de Alvalade com cinco ou seis batatas no bucho porque falhámos golos cantados e porque nos últimos dez minutos tivemos pessoal menos concentrado do que aquele pessoal que joga na praia e que, mesmo sendo na praia, me enerva pela falta de atitude.

Mas mesmo nessa primeira parte mastigada, houve tempo para nota artística. Bryan Ruiz inventou uma forma de colocar a bola em Gelson Maravilha e o puto fez aquilo que faz não sei quantas vezes durante um jogo: ofereceu uma bola de golo. Dost não se fez rogado e voou para um belíssimo cabeceamento certeiro. O mais difícil estava feito de forma mais fácil do que a outra forma que Alan Ruiz tentou para abrir o marcador. O argentino tem um canhão na canhota, mas é capaz de ser demasiado tentar marcar golos quando o círculo de meio-campo ainda lhe faz sombra nos calcanhares. Talvez tenha a ver com o facto de Alan ainda não perceber muito bem onde deve jogar ou de não gostar de jogar demasiado metido na área ou, em última instância, talvez sinta vontade de fazer visitas a Patrício neste jogos em que o Sporting podia jogar com guarda redes avançado (aquele momento, na segunda parte, em que o Rui vem receber a bola fora da área para fazer parte do carrossel que levou a bola do lado direito para o lado esquerdo da defesa, foi claramente um conselho do Dr. Varandas para a circulação sanguínea).

Já estamos na segunda parte? Ok, é melhor. Bem, Gelson Maravilha conseguiu ser ainda mais rápido do que na primeira parte e conseguiu ultrapassar a defesa ainda mais vezes do que na primeira parte (o puto está a jogar tanto que João Pereira se transforma). William Carvalho continuou a fazer uma barbaridade de recuperações (diz que tinha 39 recuperações em 5 jogos nesta Liga e que, ontem, só na primeira parte fez mais 10!). Jefferson continuou a tentar fazer cruzamentos e a não conseguir acertar um (alguém lhe diga que o Slim está em Inglaterra e para ele apontar o radar ao holandês). E Colossus Coates ficou muito sentido quando Moreira se atirou contra ele e foi fazer queixinhas ao árbitro; tão sentido que quase nem festejou o golo de cabeça que arrumou com o jogo.

Com a partida resolvida, o Leão deixou de ter vontade de coçar as feridas a cicatrizar e atirou-se aos canarinhos para encher a barriga. Bastaram três minutos para acontecer aquela obra prima de que já vos falei e que só não repito para vocês não me dizerem o mesmo que a minha filha me disse. Mas digo-vos que o André Filipe (nos anos 80 toda a gente tinha dois nomes próprios e quando nos chamavam  pelos dois nomes próprios ou estávamos na chamada da escola ou tínhamos feito cagada da grossa e os olhos dos nossos pais estavam maiores do que o habitual) já estava em campo desde o intervalo e é bem capaz de ter ganho o lugar como principal companhia do Bas Dost, o tal avançado que alguém ousou questionar e que já vai à frente da lista dos melhores marcadores.

Pouco depois o holandês saiu para descansar e Markovic entrou para acelerar. O problema é que, para já, o sérvio só acelera para a frente… mas, vá, sejamos capazes de aplaudir o lado bom e a bela assistência para o golo de André que não foi golo porque aquele central marreco com nome de cerveja alemã fez um dos cortes mais fantásticos da sua vida (a propósito de cortes fantásticos, que beleza de desarme fez Ruben Semedo, dentro da área, sobre aquele Paulo Henrique que já foi um goleador antes de ter ido para a China entrar em combates ilegais de wrestling).

Logo a seguir, Jesus deu descanso a Adrien e lançou Elias. William ficou preocupado e, um minuto volvido, tentou mostrar ao regressado que o ritmo de cá não é o do brasileirão: recebeu um passe de Coates à saída da área do Sporting, fez aquela dança em que rodopia sobre si mesmo e cria uma força de ar capaz de afastar todos os adversários e arrancou por ali fora a correr naquele seu estilo em que parece não ir a correr, mas que quando se dá por ele já desmarcou o Marko na direita e está dentro da área a finalizar por cima da barra um golo que ele merecia por tudo e por mais alguma coisa. Pelo meio, Bryan Ruiz percebeu que necessita, urgentemente, de uma sequência de banhos de sal que o limpem do mau olhado que o impede de marcar golos, mesmo quando os quase 42 mil adeptos presentes em Alvalade já estão a gritar golo.

E com tanto golo falhado e 3-0 no marcador, o ritmo baixou. O Estoril foi lá abaixo e, no primeiro remate à baliza, marcou. Depois voltaria a marcar, no segundo remate à baliza. Uma pessoa fica irritada, mesmo que pelo meio William voltasse a ir por ali fora, metesse em Bryan Ruiz e este cruzasse para André desviar à ponta-de-lança. É que um gajo gosta de goleadas, não de meias goleadas. Mesmo que estas cheguem e sobrem para ganhar e preparar descansadamente o próximo jogo da Champions.