A crise e a troika obrigaram os bancos portugueses a limpar as contas.Para todos termos noção, só entre 2011 e 2013, os quatro maiores bancos portugueses – Caixa Geral de Depósitos, Millennium BCP, BES e BPI – somaram prejuízos no valor global de 5116 milhões de euros. O período de permanência da troika em Portugal coincidiu com a criação da União Bancária, que alterou decisivamente os pilares do sistema financeiro português.

A partir de 2014, período pós-negociação do Sporting, a supervisão passou a ser feita pelo Banco Central Europeu. A intenção foi de que os grandes bancos europeus estejam sujeitos a novos processos de avaliação mais completos, destinados nomeadamente a aferir a qualidade dos seus ativos e a não permitir a muita promiscuidade que havia entre eles e grandes instituições e “empresários” considerados de vulto.
Os bancos passaram a ter de apresentar balanços mais limpos e indicadores mais fortes. Isto significa menos imparidades, menos ativos tóxicos, menor grau de endividamento e capitais mais sólidos. Um bom sinal para os clientes e para os contribuintes, dado que o risco de colapso perante adversidades inesperadas é agora menor.

Em resumo, em termos de regulação e supervisão do setor financeiro alguns dos objetivos foram preservar a estabilidade do setor financeiro, manter a liquidez e apoiar uma desalavancagem equilibrada e ordenada do setor bancário; reforçar a regulação e a supervisão bancária e reforçar o enquadramento legal de insolvência de empresas e particulares.

A austeridade forçada para conter o histórico défice orçamental do Estado e a dívida pública acabou por atingir os clubes. Afinal, os chamados “grandes” eram, a par de algumas grandes empresas, sobretudo de construção, dos maiores devedores à banca.

Além da consequência de as decisões bancárias deixarem de estar contaminadas pela “clubite” dos seus administradores ou pelo medo e pressão de ir “contra” os clubes, visto a troika e o BCE só os verem como números de dívida, os clubes ainda perderam o apoio das câmaras, de muitos patrocinadores e viram as suas receitas de quotização e bilheteira diminuir.

Tempos houve em que para alguns bastava uma reunião no escritório de presidentes ou altos administradores de bancos para que compras milionárias de jogadores fossem feitas em total desrespeito pelos interesses dos clientes em geral e da solidez financeira dos bancos em particular.
Esse desnorte bancário levou a que milhares de famílias de um dia para o outro ficassem sem o que pouparam com o trabalho de uma vida. Maus hábitos a que a troika e o BCE vieram pôr fim. E que bom que isso foi para todos, pois terminou essa infeliz prática comum e agora o tempo das “vacas gordas” para alguns clubes acabou.

Com toda esta situação que se estava a viver, crise e austeridade, era necessário entender as novas diretrizes e antecipar as alterações que iriam acontecer. E os clubes tinham de ter grandes gestores, que conseguissem perceber e conciliar as questões financeiras terríveis a que chegaram com as suas ambições desportivas. Todos sofremos e muito, mas sofreu mais quem não antecipou estas alterações e continuou a viver de ilusão e arrogância. O tempo era de pragmatismo e profissionalismo e não de continuar a viver de “nomes” e “influências”. O Sporting Clube de Portugal, com esta direção, soube anular os princípios de uma suposta reestruturação que estaria a ser negociada, iniciando um novo processo em que se antecipava o que iria acontecer e se negociou, passo a passo, nos timings certos, com conhecimento, inteligência e perspicácia.

A exigência feita por esta direção de a negociação envolver todo o universo Sporting – SAD, empresas e clube – veio a revelar-se totalmente acertada, mesmo tendo sido a principal razão para que esta fosse tão dura e morosa. Foi cerca um ano, de março de 2013 a meados de 2014, aproveitando o facto de ainda não se estar sob supervisão do BCE, de árduas reuniões, muito trabalho e muita argúcia que culminaram na situação estável e de crescimento que agora vivemos.

O cumprimento dos compromissos financeiros passou a ser uma realidade, ultrapassando já as verbas previstas no programa acordado, e desportivamente os resultados surgiram logo na primeira época desta direção. Ao mesmo tempo que reduzimos quase a metade os nossos custos com o plantel vimos, num momento de crise e de austeridade sem paralelo, as receitas globais aumentar significativamente (mesmo vindo do pior resultado de sempre – 7.º lugar – e de não participarmos, pela 2.ª vez na história, nas competições europeias) e a equipa de futebol terminar no 2.º lugar, com acesso direto à Liga dos Campeões, facto que já não acontecia há muitos anos. Em total contraciclo, fizemos aumentos de receitas comerciais e direitos de TV, passámos de uma média de cerca de 25 mil espectadores para mais de 40 mil e passámos de cerca de 100 mil sócios para cerca de 150 mil, enquanto outros desceram de cerca de 300 mil para cerca de 160 mil.
Quem foi ultrapassado pelos acontecimentos e não teve nem arte nem engenho para contornar as suas dificuldades prefere fazer comparações geográficas tentando confundir os menos conhecedores e mais desatentos.

O não assumir das culpas e retirar mérito a quem o tem é apanágio dos fracos. E quando não se aprende com quem sabe, as lições são mais duras e nascem de erros constantes. E quanto menos conhecimento se tem mais grosseiros são esses erros. Aí, as “manobras de diversão” são a única receita para tentar esconder a incompetência que levaria ao seu afastamento imediato, a bem das instituições que lideram.
Só assim se entende a comparação da situação financeira do Sporting CP com a Grécia.

Já tínhamos percebido que enquanto uns se acham grandes líderes mas que confessam que nada percebem do que deviam liderar, outros consideram-se “gurus” das finanças quando apenas são mestres de “malabarismo” financeiro. Agora, com esta alusão à Grécia, percebemos que afinal existe um dote para além da arte circense, o da filosofia. E se a filosofia na nossa vida pode servir para nos encher a alma ou indicar caminhos, a outros pode apenas servir para facilitar a venda de “banha da cobra”. Eu sou mais apologista do conhecimento e sempre me fascinaram as histórias e os ditados populares. Cada dia é uma aprendizagem, mas a velha fábula da formiga e da cigarra é intemporal e uma lição para toda a vida.

Vamos então fazer um exercício, que confesso tentador, de conciliar finanças, desporto e filosofia, primeiro na visão das “cigarras” e depois na das “formigas”.
Na realidade das “cigarras”, que considero paralela mas que para uns é a que vivem, financeiramente, as vendas de futebol podem resumir-se a negócios em que sai um jogador por 25 milhões mas, do mesmo clube ou agente, tem de entrar outro por 22 milhões. Dentro desta lógica, quem o faz – e se virmos bem fá–lo muitas vezes – consegue sempre dizer que tem grandes vendas, ver os seus ativos crescer, consequentemente melhorar a situação do seu balanço e ver os seus rácios financeiros reforçados. Mas, no final do dia, o resultado é a mera entrada de três milhões. A contabilidade tem esta capacidade criativa quando, na verdade, naquilo que importa, o cash é muito reduzido ou nulo e o passivo em vez de descer aumenta e o desequilíbrio financeiro é alarmante. Aqui, a grande filosofia utilizada é aquela que podemos apelidar de “desencontros”. Uma situação em que a realidade não se cruza com a “ficção” em que vivem. E é por isso que há um clube que afirma ter “uma dimensão sem paralelo em Portugal”. É verdade, a dimensão do seu passivo é maior do que a dos outros todos juntos.

“O sistema é injusto”, dizem. “Quem não tem capacidade é beneficiado”, afirmam.
Vamos então tentar refletir sobre tão profundos pensamentos.
Comecemos pelo chamado negócio da NOS. Alguns gritaram aos sete ventos o seu magnífico acordo e que tinham “secado” o mercado. Afirmando mesmo que queriam ver como é que os seus rivais se “safavam” desta que, para eles, tinha sido mais uma jogada de “mestre”. E esta é uma “imagem” feliz porque insistem em dirigir-se ao mercado com uma arrogância que, como ainda não perceberam, poucos se deixam enganar, sofrem constantes “choques de realidade”. Neste caso específico, a filosofia a usar chama-se “contrapartidas”. E esta merece ser aprofundada. Com uma “pressão filosófica” sem precedentes, tentam encostar a NOS à parede, pois consideram que, filosoficamente, estaria acordado que o deles fosse o melhor negócio, não o tendo sido. Agora ameaçam, no género egocêntrico, “o melhor negócio tem de ser meo!” E, neste caso, para bom entendedor uma boa frase chega. E é por isso que o sistema para eles é injusto. Viessem eles falar da injustiça que é os jogadores da formação terem um valor diminuto em termos de ativos e nós até concordaríamos. Mas isso, aos “gurus”, não interessa discutir porque dava-lhes cabo dos rácios, dos indicadores e das teorias de que não importa o aumento do passivo mas sim o aumento dos ativos.
Mais, “os incapazes são beneficiados”. Vale a pena detalhar também esta filosofia.

Vamos imaginar que, numa entrevista, um presidente de um clube diz que um jogador foi pago a pronto. Que, dias depois, o relatório de contas da SAD que lidera demonstra que essa afirmação é falsa, pois afinal tinha sido um pagamento a prestações. O que deveria acontecer a esse presidente e a quem o acompanha nos temas financeiros? O que deveria fazer a CMVM perante esta mentira quando, por meras especulações da comunicação social, já “congelou” as ações da Sporting SAD e, quase diariamente, exige informações atrás de informações à boleia de capas de jornais? É que a seriedade não é um assunto menor. Com estes exemplos fica claro que os incapazes são, de facto, beneficiados e os mentirosos também.

A teoria financeira do Sporting Clube de Portugal é de fácil compreensão: ter um ponto de partida sério, sólido e que permita trabalhar com profissionalismo e empenho. E depois ter sempre um rumo e objetivos bem definidos, de forma a que se combinem saúde financeira e performance desportiva. Outros preferem, com muito show off como biombo, “navegar à vista”. O que não deixa de ser curioso, pois foram os portugueses que inventaram a balestilha, instrumento de navegação que complementava o astrolábio e o quadrante.
Após uma reestruturação que todos reconhecem, um crescimento desportivo notável em todas as modalidades, fazer das maiores vendas do futebol português, aumentar os ativos mesmo que a regra dite que os jogadores da formação não têm valor no balanço, fazer a expansão das academias por todo o mundo e avançar com a construção do maior e melhor pavilhão de clubes, como fez o Sporting, existem aqueles que, por serem incompetentes, andam há anos a falar da reestruturação feita por nós para ver se alguém lhes dá uma mãozinha.

Jogam com a tradicional falta de memória coletiva, mas eu não me importo de a reavivar com alguns episódios que marcam a realidade de alguns clubes:
1. Quem já se esqueceu da célebre história do pagamento de um clube às Finanças com “ações” que não valiam quase nada, ou melhor, essas ações serviram de garantia para pagamento futuro? Relembro a todos que, na altura, o deputado do PCP Lino de Carvalho acusou o governo de ter “tido um tratamento desigual e de favor” em relação a esse contribuinte.
2. Ou as formas de empréstimos do BES a esse mesmo clube, com alguns desses empréstimos já com o BES na “falência”? E isto sem se saber bem se parte dessas dívidas estão no “banco mau” ou no “banco bom” e, consequentemente, o que lhes vai acontecer. E para que nada fique no ar, recordo aquilo que foi escrito pelo Jornal de Negócios a 30 de abril de 2016: “O Sport Lisboa e Benfica e a empresa de Luís Filipe Vieira têm juntos no Novo Banco uma dívida de 656 milhões de euros.”
3. Falam de VMOCS e que isso seria um perdão de dívida. Vamos relembrar que VMOCS significa Valores Mobiliários Obrigatoriamente Convertíveis em Ações. Isto significa que é um instrumento financeiro que, no prazo de maturidade, transformar-se-á em ações.

E por falar em ações/obrigações, eis o que escreveu o Diário Económico a 22 de julho de 2014:
“O Espírito Santo Liquidez é um dos maiores credores da Benfica SAD. Este fundo, que gere 1,05 mil milhões de euros, tem 67,7 milhões de euros aplicados em duas linhas de obrigações da Benfica SAD, que atingem a maturidade em outubro e dezembro deste ano. Na linha que vence daqui a três meses, o fundo tem uma posição de 17,7 milhões. Na obrigação que vence no final do ano, a posição é de 50 milhões de euros, segundos dados disponibilizados pela CMVM referentes a final de junho”.

Ou o que foi revelado pelo Jornal de Negócios a 11 de novembro de 2014:
“A participação qualificada na Sport Lisboa e Benfica Futebol SAD anteriormente detida ou imputável ao Banco Espírito Santo passou a ser detida ou imputável ao Novo Banco, segundo comunicado do clube desportivo divulgado esta terça-feira, 11 de novembro. (…) O Novo Banco passa assim a deter 1,832 milhões de ações da SAD benfiquista, o equivalente a 7,97% dos direitos de voto do capital social do clube da Luz.”
Assim, e usando a mesma teoria destes “gurus”, isto é ou não é perdão de dívida?

4. E todos estes negócios que têm vindo a público, desde o Paraguai até ao Brasa, que até levaram a eurodeputada Ana Gomes a pedir a investigação da PGR?
5. E o cumprimento das regras? Uns insistem em não as cumprir, não apresentando as suas contas consolidadas. Querem confundir os menos atentos entre consolidação das contas e o consolidar as contas de apenas algumas empresas, por exemplo a SAD, e empresas detentoras da sua TV, até porque, para além da confusão de terminologias, ainda se consegue que não se perceba bem o que vem de onde.

Um dia a “fatura” de todo este “desatino” financeiro tinha de vir a público e agora é tempo de a pagar.
Os clubes têm uma responsabilidade muito grande na vida de milhões de sócios e adeptos. Temos para com eles a responsabilidade de ser um exemplo, de transmitir valores e ideais, de passar ensinamentos e de podermos fazer parte da sua vida como uma influência positiva que os ajuda no seu dia-a-dia.
O Sporting CP já viveu os seus dias de agonia e resolveu-os com muito trabalho e dedicação. Outros estão agora a viver os seus e não estavam habituados. Tudo o que queriam era-lhes servido em bandeja de ouro e sem trabalho. Mas esse tempo acabou.

Agora, para estes, é tempo de arranjar quem perceba de facto dos assuntos e de essas pessoas arregaçarem as mangas falando menos e trabalhando mais. Isto é, e parafraseando um político reformado, é tempo de a má moeda ser substituída pela boa moeda.
Quando o mundo desaba sob os nossos pés, só os melhores sobrevivem. Este Sporting CP é a prova disso!”

Bruno de Carvalho, Presidente do Sporting Clube de Portugal
In DN