Ontem na tv, entalado entre uma entrevista a Bashar Al Assad e os problemas com a nomeação da nova administração da CGD, surgiram as imagens do túnel de Alvalade. A peça da RTP era como imagino que tenham sido quase todas, uma mera apresentação de vários planos e ampliações com velocidades diferentes, tudo com o fim de poder ou não distinguir uma cuspidela do Presidente do Sporting ao presidente do Arouca. Confesso que não estava à espera que o Telejornal, às 20h08, fizesse aquele tipo de compêndio de banalidades. A minha surpresa não foi que a temática fosse considerada relevante, pois se formos justos é “o” tema mais debatido nos cafés e redes sociais, nas cantinas e nos bares de faculdade. O que realmente me tira do sério é a incapacidade para focar o que realmente interessa nessas imagens, ou seja, a incapacidade dos dirigentes em ter comportamentos de gente adulta e responsável.

Acho a polémica Cuspo Vs Vapor um exemplo de como nos centramos cada vez mais no acessório, desfocando as problemáticas. Queremos imagens simples e soluções básicas, queremos mastigar e deitar fora, sem pensar. Somos cada vez menos agentes sem opinião, sem critério… e cada vez mais consumidores amorfos que captam realidades sem entender o início e o fim das mesmas. Antes de pensarmos no cuspo ou vapor, porque não tentar entender o que leva o Pai Pinho a dirigir-se a BdC com aquela postura? O que pretendia? Depois há que tentar entender se o que aconteceu naquele túnel é assim tão invulgar no futebol português e se quiserem, tentar perceber o que as entidades (árbitros, delegados ao jogo, FPF, Polícia, que devem criar, facilitar, intermediar e controlar os agentes desportivos) valorizam nestes acontecimentos. Há poucos dias tivemos outra cuspidela, essa sim visível, num dos maiores jogos do ano. Houve polémica? Houve este festival mediático? Haverá consequências? A julgar pelas poucas reacções dos participantes, que até admitiram o sucedido, o caso é desprovido de gravidade e “faz parte do futebol”. Esta atitude de desvalorização de um gesto tão pouco civilizado, é completamente a antítese da histeria mediática vivida no caso do túnel. Serão assim tão diferentes?

Sinceramente acho difícil de provar que o Presidente do Sporting atingiu, de facto, o presidente do Arouca com uma cuspidela. As imagens, aceleradas ou desaceleradas, mais focadas ou desfocadas, não permitem esclarecer cabalmente a opinião pública, e não me venham com conversas de clubite, não nos insultem com essa adjetivação, não são conclusivas e qualquer juiz que venha a herdar este caso, terá de tomar partido por uma das facções em disputa e não pela verdade absoluta. O que já não será tão complicado será entender o padrão comportamental do dirigente máximo do FC Arouca e tirar de letra que foi o instigador de todos os acontecimentos. Se o “futebol português” quer mesmo começar a dar outra imagem, sugiro que comece pelo Sr.Pinho, pois provavelmente não existirá exemplo mais cabal do estilo de dirigente arruaceiro, mal criado, espertalhão e “vale tudo” que se quer banir do modo “corporate” em que se deseja encaixar o futebol.

Existe ainda outra circunstância que interessa analisar em todo este caso. Em muitas conversas que tive com pessoas (sportinguistas ou não) que normalmente não estão muito atentas à temática desportiva, salta à vista o verdadeiro “dano” que se extrai desta semana de polémica. As pessoas reflectiam uma sincera tendência para atribuir a Bruno de Carvalho alguma culpa subjectiva. Escutei frases como “ele põe-se a jeito”, “está sempre a arranjar estes problemas”, “já é habitual andar nestes assados” ou mesmo “não ponho as mãos no fogo por ele”. Isto é a verdadeira matemática que resulta do trabalho minucioso e persistente dos muitos paineleiros afectos ao Benfica e das permanentes inclinações noticiosas dos 3 diários desportivos. O caso do túnel de Alvalade soma-se a muitos outros, onde de forma Trumpesca, se arrebanhou meias verdades, se misturou meias mentiras e muita imaginação conspirativa, e no final atira-se o nome Bruno de Carvalho para o pote. Sem que muitos o entendam, reflectimos na nossa boçal arte de não pensar, de não questionar, nas nossas curtas visões de “realidades” e julgamos o Presidente do Sporting como julgamos um concorrente de um reality show, um político com uma frase infeliz ou uma apresentadora de tv com um saia demasiado curta. Atribuímos culpas de forma arbitrária, construindo julgamentos com “provas” insuficientes, distorcidas pelos media para criar “sensação”, afunilamos a nossa inteligência na soberba arte de comer a papa que um produtor de tv ou um chefe de redação nos “quer” servir.

Enquanto nos sentimos tão sagazes a julgar o que sai da boca do Presidente do Sporting, não pensamos ou reagimos aos 600 milhões de dívidas das empresas de Vieira que vamos todos pagar. É que nem sequer achamos estranho ou nos indignamos que não haja um jornalista que confronte o Presidente do Benfica com essa questão. O nosso adormecimento é total e com mais ou menos cuspo, vamos aceitando o que nos querem vender, bem entalados entre a Síria e a CGD.

600-milhoes

*às quartas, o Leão de Plástico passa-se da marmita e vira do avesso a cozinha da Tasca