A semana passada um sportinguista amigo (passe a redundância) chamou-me à atenção da surreal campanha de calimerice que corre pelos “meios” do Portismo. A nota foi feita, mas para mim, a vontade de ir indagar essa ocorrência foi nula. Estamos todos habituados a que raramente uma equipa de futebol profissional seja capaz de fazer mea culpa quando os resultados desportivos estão muito abaixo do que é prometido pelos seus responsáveis. Culpar os árbitros cumpre sempre uma função 2 em 1: desvia o foco da responsabilidade pelo fracasso e estimula os árbitros a, conscientemente ou não, ter um grau de atenção extra em lances decisivos que envolvam essa equipa. Nada de novo e, pensei eu, nada que me fizesse ir aos Dragões Diários, ler blogs, encontrar a versão digital do O’Jogo ou ver o Porto Canal.

Avancemos no tempo. Sábado, dez e qualquer coisa da noite. À procura de um video para mostrar a amigos, tropeço no resultado final do jogo em Belém e, não ficando surpreendido…fiquei agradado. Com o mal dos outros, podemos todos…e há primeiros e segundos lugares para decidir. Os amigos foram, as horas decentes também e dei por mim a entrar em flashback e a lembrar o tal sportinguista amigo “…epá…é surreal, tens de ver o que os tipos inventam…”. Ok. Why not, é demasiado tarde para ver um qualquer coisa de relevante e naqueles 20 minutos de “overtime” coloquei a box a retransmitir o “After-match” do Porto Canal. Devo confessar que os 20 minutos transformaram-se em quase uma hora de pura vergonha alheia. Tal qual um “guilty pleasure”, consumi aqueles minutos de tv, como quem chafurda em tabletes de chocolate ou enfarda um pacote de batatas fritas king size.

Para vocês que são pessoas de mente sã e equilibradas, vai ser difícil explicar-vos o que foi aquela experiência. Mas vou tentar. 3 pessoas num estúdio, um moderador imoderado, 2 comentadores transtornados a debitar palermices atrás de palermices, seguindo um guião predeterminado com 3 temas: 5 minutos para falar do jogo, 40 minutos para enxovalhar o árbitro e 10 minutos para desenhar a tal teoria dos 289 penaltis e cenas que “lhes roubaram”. Para mim que não tinha visto o jogo, parecia que o Belenenses-FcPorto tinha sido apitado por uma reencarnação de Calabote e que de facto, a distorção do juiz tinha retirado 2 merecidos pontos ao pessoal da Invicta. Não sou inocente e desconfiei, mas só no Domingo deu para investigar um pouco melhor este caso. Vi um resumo alargado do jogo e se há coisa que podemos confiar neste país é que só o Sporting é obrigado a ganhar jogos jogando melhor que o adversário. O Porto e o Benfica só precisam de ganhar, nem que seja com um pênalti inventado no último segundo (que os houve tantos). A narração do resumo porém era clara, a equipa azul e branca fez um mau jogo, uma partida sem ideias e com resultado bastante merecido por parte do Belenenses.

A resenha de fel alucinado e delírio arbitral que tinha visto na noite anterior comprovava-se ser, antes de mais nada, o resumo de uma incapacidade crónica de assumir a realidade, o reflexo de um estado de negação total. Resolvi ir um pouco mais fundo na questão e “ouvir” os adeptos. Li 5 ou 6 textos em blogs portistas e retirei uma conclusão: a lamechice dos árbitros estava lá, mas o que abundava em rolos de adjectivos era uma insatisfação total com a prestação dos jogadores e treinador, aqui e ali pontuados com o apontar do dedo acusador a Pinto da Costa. Os adeptos narravam mais “realidade” em 2 linhas de texto do que 3 comentadores em 1 hora de debate em televisão. Isto fez-me pensar. Sobretudo no papel dos media dos próprios clubes. Ter um jornal, um canal de tv, uma página de internet, facebook, twitter serve para quê a um clube? Para informar os seus adeptos ou para instrumentalizá-los? Para lhes dar verdade ou para lhes mentir à cara podre? Serve para defender o clube ou a direcção que ocasionalmente o governa? Serve para criar identidade ou para destruí-la?

O que falha ao Porto não é a assunção que são prejudicados pelos árbitros, essa pode ser até exagerada, mas legítima. O que falha nesta direcção e se espelha pela sua comunicação é a fuga à realidade. O Porto não joga um chavo. E escuso-me de aderir à tal linha de pensamento que diz “mas quando ganhavam também não jogavam nada, mas o árbitros ajudavam”. Falso. O Porto dos anos “gloriosos” do café com leite, teve muitas “ajudas” e em momentos decisivos nas épocas foram mesmo levados ao colo, mas sugiro aos defensores dessa argumentação que procurem ver um jogo qualquer das equipas de Mourinho, Jesualdo ou Fernando Santos. Verão que o domínio sobre o adversário, o estilo de jogo, a motivação e garra dos atletas, a classe de alguns deles…não tem qualquer tipo de comparação com o Porto actual. Não. O problema do Porto não são os árbitros, embora compreenda a revolta de quem se habituou a tratamento privilegiado…o problema é desportivo, e isso é tudo o que os responsáveis do clube não querem assumir. O que antes era visto como um modelo exemplar de governação de um clube de futebol, é hoje um monte de dúvidas e inadaptação aos tempos correntes. A minha única dúvida prende-se com a razão da falência do modelo. O Porto perdeu-se ao tentar adaptar-se a uma nova realidade empresarial e mediática ou na verdade nunca o fez, tentando apenas dar a ideia que o regime feudal tinha dado lugar a uma empresa poderosa chamada FCPorto SAD?

Na verdade, não estou interessado na resposta. Não conheço a realidade interna do clube o suficiente, não desejo conhece-la. Interessa-me a evolução do futebol como um todo e onde consigo identificar o Sporting nessa timeline. A realidade de um rival só me atrai como comparação, como forma de distinguir o momento do meu clube em relação à mesma. A noção que os três grandes partilham. nesta altura, o mesmo modelo é suficiente para olhar para o que está a acontecer ao Porto com mais motivação que o normal. Essa noção não é completa e desmente-se no detalhe, mas ainda assim tem algo de racional. De facto, Sporting, Benfica e Porto são governados por um regime presidencial, que agrega na figura do presidente o controlo do clube e da SAD. E que mais? Bom o organograma das “estruturas” é bem semelhante, mas isso fará com que possamos dizer que os modelos são iguais? Não. E explico porquê.

O que identifica uma empresa não é o seu “esqueleto” de cargos e funções. Não é a sua sede, logotipo ou fardas. O que torna uma instituição diferente das demais é a sua “missão” e modo de conduta. Se quiserem, é a forma como vários seres humanos interpretam o que fazem e o que querem fazer todos os dias. Ganhar, crescer, enriquecer…isso todas querem, para que servem essas metas e como pretendem atingi-las…essa é a identidade de um clube, de uma empresa, de qualquer coisa que envolva pessoas. E tudo isto é onde o Sporting perdeu a sua identidade e onde o Porto navega agora completamente à deriva. Nós não nos adaptámos ao futebol dos “sistemas”, das “guerrilhas”, das “polémicas” e assistimos do 3º lugar à escalada de uma luta por um poder que afirmámos não querer, que nos sentíamos orgulhosos ver de longe, vimo-lo tão longe que passámos décadas sem dar sinais que queríamos mesmo vencer.

O Porto não se adaptou à “concorrência”, ao “mercado”, às acções e obrigações, aos compromissos que o mundo empresarial envolve. O Porto não pode gerir patrocinadores como forças de apoio local, não consegue ameaçar a comunicação social, não pode contar com o alto patrocínio do poder autárquico ou regional como outrora, não consegue agregar à sua volta uma rede de interesses com a premissa que ser amigo de Pinto da Costa favorece determinado clube, negócio ou jogador. Porque esse é e sempre foi o verdadeiro modelo do Porto – a lógica de poder silencioso e discreto sobre tudo o que administra o futebol português. A lógica de “cosanostra”, de partilha de influência, de trabalhar em função do sucesso (legítimo ou não) é o único esquema que Pinto da Costa trouxe ao futebol e é no momento em que se suspeita que em nenhuma secção da FPF ou Liga esse poder se mantenha real ou indisputado…que o modelo faliu de vez.

O tempo de poder tem agora outro dono. O sucessor não é Antero, não é Fernando Gomes, não é Alexandre. É Luis. E preside ao rival Benfica. A força “dissimulada” das ironias de PdC é agora apenas uma memória na idade avançada do “papa” e pó nas movimentações de “interesses” que rodeiam o futebol. Os Bispos da imprensa, as Torres das APAF, os Cavalos dos Partidos Políticos e a Rainha Mendes estão agora do lado vermelho e abandonaram a corte das Antas, o xadrez mudou 180º e os tansos de Lisboa disputam agora qual a visão que dominará o futebol na próxima década. O sistema v2.0 de Vieira ou a revolução de Bruno de Carvalho. As “massas” tendem a favorecer transições tranquilas, mas o modelo que faliu no Porto, pode a qualquer momento falir na Luz, bastando que alguns poderes se “libertem”. Entre todos os factores que podem ajudar à “revolução” proposta por BdC (e para qual o Sporting está a ser preparado de forma quase inconsciente) destaco o poder crescente da “nova imprensa” (redes sociais), os meios tecnológicos para auxiliar a arbitragem, a centralização dos direitos de tv e, muito importante, a sublevação dos “clubes pequenos”. Estes pequenos movimentos, estas mudanças ligeiras, causam todas as épocas suaves alterações, que retiram ao Sistema 2.0 de Vieira a capacidade de ser discricionário, de poder ser inclinado, de poder passar impunemente pela opinião pública e de até, assegurar plena legitimidade interna.

Quer muitos queiram, quer não, vivemos já na “Era da Informação” e a circulação de dados, opiniões, ideias e actos é constante, massiva até. Tudo é discutido, tudo é suposto integrar a opção de interacção, tudo o que é opaco está agora pintado de rosa fluorescente com uma seta que diz “Oh…um segredo! Descobre-me!”. A outrora massa de anónimos e passivos consumidores de futebol, tem opinião, partilha-a e espalha-se. As imagens de um pênalti mal assinalado correm todo o mundo em 2 ou 3 segundos, um adepto magoado com essa decisão demora os mesmos 2 ou 3 segundos a ser ouvido ou lido pela mesma audiência. Os feudos de poder obscuro no futebol português estão a transformar-se em fábricas de comunicação, se não se pode sonegar a informação, distorcem-na, oxalá o meu clube veja o futuro de forma diferente. Oxalá o Sporting Clube de Portugal acorde para os novos tempos do Mundo, para a era dos adeptos, da informação livre, do mercado global e sobretudo do equilíbrio como forma de excelência.

Gosto de pensar que o modelo de Pinto da Costa ou a actualização do mesmo feita por Vieira não se encontra gravada na vontade, na missão ou discurso de Bruno de Carvalho. Gosto de pensar que lutar pelo poder, não significa corrompe-lo e que sobretudo estamos todos a chegar a uma consciência partilhada de que o futebol não é uma horticultura de negociatas, de dirigentes a “sacar” milhões enquanto nós adeptos consumimos o que quer que saia das SADs sem “saber ler nem escrever”.

Gosto de pensar que o Sporting tem uma proposta diferente dos seus rivais e que se adaptará melhor ao critério de um futebol, que ou se atualiza e “limpa” ou morre. É que tenho sinceras dúvidas que a próxima geração de adeptos seja tão fiel ao “desporto-rei” e ao mau dirigismo como foi a do meu pai e a minha.

*às quartas, o Leão de Plástico passa-se da marmita e vira do avesso a cozinha da Tasca