manelgelsonAinda te recordas de jogar futebol em Cabo Verde, onde nasceste?
Sim, comecei a jogar lá, na rua, mas recordo-me pouco, era muito novo, tinha aí uns 7 anos… ainda não sabia bem o que era o futebol, jogava aquilo por divertimento. Nessa altura era mais jogar à bola com os amigos ou fintar pedras e vasos…

Então nunca jogaste em equipas lá…
Não. Só futebol na rua mesmo e jogos entre bairros na cidade da Praia, com os amigos e o meu irmão mais velho (Vítor Martins, joga no Fofó) . Depois vim para a Amadora e, aos 12 anos, um amigo levou-me aos treinos de captação do Fofó (Clube Futebol Benfica), que foi o meu primeiro clube.

Falando em fintar pedras e vasos. Tens um enorme reportório de fintas e dribles. Isso é treinado, nasceu contigo? Tentas evoluir nos treinos?
Estamos sempre a evoluir nos treinos, mas as fintas é algo que nasce connosco… aprendemos muitas outras coisas com os treinadores, questões táticas e de gestão de esforço, mas o drible ou a finta nasce connosco, não se ensina nem se aprende.

E quando estás em campo e vês um defesa adversário à tua frente, o que pensas? Eu também podia responder a esta…
O meu pensamento é sempre ajudar a equipa. Por vezes penso recorrer um pouco ao individualismo, mas o pensamento é fazer algo que ajude, um drible, um cruzamento ou uma assistência para um golo de um colega. Desde que ajude a equipa está tudo bem porque isso é sempre mais importante. Sozinhos os jogadores nada conseguem.

Como é que foi essa história de terem tentado desviar-te para o futsal?
Não foi bem quererem desviar-me para o futsal, fui mesmo eu que me quis desviar [risos]. Jogava futebol de onze, tinha aquele futebol de rua e achava que o futsal era melhor e mais importante para mim, mas depois quando quis ir eles não me deixaram. Jogava no Fofó e ia para o futsal no Sporting, só que eles não me deram a carta. Só mais tarde é que me transferi para o Sporting, mas para o futebol de onze… tinha de ser o Sporting!

Escolheste o Sporting porquê? Hoje em dia é normal as crianças escolherem o clube conforme os jogos e os jogadores que veem muitas vezes na televisão. Foi assim contigo?
Sim, mas em Cabo Verde não tinha televisão, não via muitos jogos e passavam mais o campeonato brasileiro. Foi mais quando cheguei a Portugal que comecei a inclinar-me para o Sporting. Eu gostei do clube porque na altura adorava o Ricardo Quaresma e como ele era do Sporting simpatizei mais com o Sporting.

Estavas à espera de jogar tanto esta época ? És o único totalista da equipa…
Tenho orgulho em jogar e sentir a confiança do mister. Se ele confia em mim e me coloca a jogar é porque o meu trabalho vale a pena e eu tento sempre dar o máximo pela equipa. Todos queremos treinar bem e dar resposta às decisões do treinador.

Como é trabalhar com Jorge Jesus? É um treinador muito exigente?
Sim, sim, é exigente e penso que a exigência faz parte. Tem de ser, para os jogadores estarem mais concentrados. Ele é muito exigente, mas isso só nos ajuda a evoluir como atletas e como equipa. O mister Jesus aumentou muito o nível do Sporting, como treinador está no top dos melhores do mundo e tem também uma academia das melhores do mundo.

Antes do jogo com o Real Madrid, o Jorge Jesus disse que podias ser tão grande como foi Luís Figo. O que sentes quando ouves isso?
Claro que me sinto orgulhoso, é especial ouvir isso do nosso treinador. Os elogios são bons, vejo isso como uma motivação para contribuir da melhor forma, sei que tenho de continuar a trabalhar para evoluir e merecer os elogios.

Esta época tem sido marcada por grandes exibições da tua parte. Mas há uma que despertou a atenção da Europa, aquele jogo com o Real Madrid no Santiago Bernabéu em que fizeste a vida negra ao Marcelo. Achas que foi a tua melhor exibição?
Acho que foi a melhor exibição da equipa, não foi só minha. Quando a equipa está toda bem é fácil elogiar a exibição dos jogadores e acho que foi isso que aconteceu. Não olho para o jogo com o Real Madrid como o meu melhor, cada um tem a sua história e o do Santiago Bernabéu podia ter tido uma história mais bonita e justa se tivéssemos ganho.

Depois desse jogo falou-se do interesse do Real Madrid, Barcelona, etc. Como é que um jogador jovem como tu lida com as notícias do interesse de grandes clubes?
Lido bem, de forma normal. Não olho muito a isso, mas é sempre um orgulho ver o meu nome associado a grandes clubes e ver o meu trabalho reconhecido. Estou focado no Sporting e é aqui que eu quero continuar. Tenho contrato até 2021. Só penso no Sporting.

Tens algum clube de referência em que sonhes jogar? O Sporting…
Não tenho um em especial…

Tens alguma referência, algum ídolo como jogador? Eu adorava o Johan Cruijff…
O Robinho, já desde miúdo. Quando era jovem via os jogos dele e imitava as fintas.

Era por isso que no Fofó te chamavam o “Robinho da Amadora”?
Sim. Porque eu sempre gostei do Robinho. Via-o na televisão e tentava imitar cada gesto, cada toque. Eu era rápido como ele. Fintava os outros rapazes todos na rua e por isso o desafio era fazer como os que já eram profissionais e o Robinho era um deles.

E como é jogar no Sporting com o teu melhor amigo, o Rúben Semedo…
Já jogávamos juntos no Fofó. Foi aí que nasceu a amizade. É especial para mim porque fizemos o mesmo caminho, ele veio para o Sporting primeiro, depois cheguei eu para a formação, depois ele subiu à equipa principal e eu logo a seguir. Identifico-me com o Rúben, é das melhores pessoas que conheço e com quem me dou no futebol e fora dos relvados.

Qual foi o treinador que mais te marcou e porquê?
O Jorge Jesus, porque me fez um jogador. Num curto espaço de tempo evoluí imenso, e com muito mérito dele também, foi sem dúvida o treinador que mais me marcou.

Já alguma vez sonhaste estar entre os nomeados para melhor jogador do mundo? Ou até vencer o troféu?
Ainda não penso nisso. Trabalho para conquistar objetivos. E pouco a pouco, o que vier… estou preparado. A minha ambição é chegar ao mais alto nível do futebol, chegar ao topo dos topos.

Falando nisso… Lionel Messi ou Cristiano Ronaldo, quem preferes?
O Ronaldo, porque é o melhor do mundo e é português.

Qual foi a maior alegria e a maior deceção que o futebol te deu?
A maior alegria foi o meu primeiro jogo pela equipa principal do Sporting. Foi com o Tondela, a 14 de agosto de 2015, e vencemos por 2-1. Mas o momento mais marcante foi o golo ao FC Porto, que nos ajudou a vencer (2-1) este ano. Eu não costumo festejar e até tirei a camisola. A maior tristeza foi vivida o ano passado, por não conquistarmos aquele campeonato que tanto merecíamos.

É difícil para um jovem da tua idade ver-se privado de algumas coisas devido ao facto de seres profissional de futebol?
É a profissão que eu escolhi, por isso é maravilhoso, é a melhor profissão do mundo, o resto faz parte…Tenho 21 anos e quero continuar a trabalhar e a crescer, por isso tenho de continuar a trabalhar com humildade. É muito motivador saber que posso fazer carreira no futebol, tenho de aproveitar da melhor forma e trabalhar para isso.

Tens 21 anos e já és internacional A. Como foi ser chamado por Fernando Santos logo após Portugal ter sido campeão europeu?
Foi muito especial. A minha família também ficou muito contente. Só tenho de agradecer a quem depositou confiança em mim…Fiquei muito orgulhoso de representar a seleção, ainda mais a equipa campeã da Europa. Chegar lá era um objetivo, mas sabia que, primeiro, tinha de jogar a um grande nível no Sporting, para depois poder representar o meu país. Era um sonho desde miúdo e já estava na seleção desde os sub-18 , por isso era um objetivo ser chamado.

Foste praxado?
Não, não, fui muito bem recebido pelos meus colegas de seleção. O Ronaldo, como toda a equipa, deu-me os parabéns pela estreia.

E se tivesses sido chamado por Cabo Verde?
Eu representei a seleção de Portugal desde pequeno, por isso seria mais lógico optar pela seleção nacional portuguesa.

Quais são os teus maiores desejos para 2017?
Ser campeão pelo Sporting, obviamente.

in Diário de Notícias