“A sede de conquista dos homens impulsiona a criatividade a níveis tão supremos que as desvantagens se transformam em trunfos. Essa é a escada do nosso apogeu e o escorrega do nosso declínio”.

A frase não é de nenhum flósofo de tablóide, não pertence a nenhum comissário de república das bananas e muito menos foi escrita por algum romancista de cordel. Podia, mas não foi.  É minha e só prova que sou, além de muito arrogante, capaz de produzir conteúdos que fariam corar o Gustavo Santos. A ideia expressa é, ainda assim, algo que quaquer amante de desporto em Portugal devia tirar uns segundos, entre duas “mines”, para pensar.

Nestas últimas semanas, já todos ouvimos falar ou vimos escrito em algum lado, expressões como “árbitros de aviário”, “adeptos-árbitro”, “os meninos do Vitor”, “árbitros Made in Seixal” ou “os primos”. Muitos de vocês terão uma ideia clara do contexto, outros terão ficado longe de reconhecer o sujeito e ainda mais distantes do predicado. O post, alegrem-se, é para ambos. “Without further ado”, como se diz agora por outras tascas mal frequentadas, passo a explicar a mona desta prosa lisa.

Algures no começo do primeiro mandato de um grande estadista e perante a agitação nas ruas, o “delfim” resolveria juntar os sábios mais sábios num verdadeiro conselho de “ansiosos”. A missão era clara: o povo definhava de fome e o Estado não tinha pão. Ao início deste comité de crise não havia sequer ideia de como resolver o problema e até havia discórdia se o problema era a fome do povo ou a vergonha do estadista em admitir a sua incapacidade para ser o tal “grande salvador” que restituiria os dias de glória daquele país em ruínas. Os silêncios ameaçaram acabar a reunião antes mesmo dela começar, até que, do fundo da sala saiu uma frase que iluminaria o firmamento do imaginário do “querido” líder durante meses.

“Para dar pão ao povo, teremos de o produzir. Não temos como. Mas podemos roubá-lo”. Os sábios riram-se, mas o “delfim” reflectiu e dirigiu-se ao fundo da sala onde encontrou o autor da proposta. Perguntou-lhe “como iria isso matar a fome das pessoas e quem roubariam?” . A resposta foi clara e fria “meu caro Presidente, a cabeça engana-se facilmente quando a barriga está vazia e se não temos pão para dar, encontraremos forma de o roubar ao próprio povo, acusando uns e espicaçando outros”. Os restantes sábios indingnaram-se, protestaram, acusaram o plano de ser tirânico e de ser ainda mais prejudicial que o problema inicial. Em vão. O “estadista” estava convencido e a sua mente divagava já nos detalhes operacionais da coisa.

A parábola pode parecer absurda, mas garanto-vos falharei por centímetros a realidade. A reunião pode ter sido diferente, os sábios podem ter sido muito menos sábios e a ideia pode ter sido aceite com muito menos reservas, mas quando olhamos as coincidências de vários destinos, só poderemos resolver olhar para o problema de frente, sem enfiar a cabeça em baldes de merda, ainda mais do que já fazemos pelo menos. Há uma nova geração de árbitros, essa geração tem pouca qualidade e o que não lhe sobra em talento, brota em cataratas de clubismo. Alguns disfarçam melhor,  outros “atrevem-se” a deixar pistas óbvias, mas muitos dos que semanalmente apitam os jogos da I e II Liga foram formados, dentro das estruturas das Associações Distritais, mas escolhidos a dedo por uma hábil e concertada operação liderada pela ideia peregrina de “fabricar” árbitros imunes à primeira condição de um qualquer juiz: ser apartidário entre as partes em disputa.

As narrativas que têm chegado às portas dos fundos do nosso futebol já são coincidentes demais para que classifiquemos a “história” dos árbitros “made in Seixal” como apenas mais uma teoria, uma reciclagem cabalística sem eira nem beira. Há factos, há ocorrências, há testemunhas e a principal prova não pode desmentida por ninguém: o “colinho”, o “manto protector”, a absurda sorte de não ter um jogo de prejuízo declarado, há anos, só tem um clube freguês e esse chama-se Benfica. Épocas quase inteiras sem uma expulsão, sem um penalti inoportuno, vitórias sofríveis salvas por um apito generoso, recordes de pontos ganhos que desafiam a lógica, banhados a ouro por exibições pouco convincentes. Um amigo meu andaluz dir-me-ia, ao ver o jogo do último derbie ao meu lado, que lhe parecia o estilo de jogo dos encarnados como que “preguiçoso” e demasiado confiante no jogo para quem ameaçava sofrer um golo desde o primeiro minuto. Uma confiança que desafia as regras da psicologia e que pode ser verificável em qualquer equipa do mundo, menos no Benfica. Uma confiança e uma tranquilidade que, no caso desse jogo, ajudou tanto como vários lances mal ajuizados pelo árbitro. Estarão ligadas? Não sei.

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O que sei mesmo é que nunca como hoje vemos rastos públicos de manifestações de muitos jovens árbitros de apoio ao Benfica. Vemos em igual medida essa assunção por mais algum clube português? A resposta é óbvia, não. Tempo houve em que todos os árbitros eram da Académica, Barreirense, Sporting, Belenenses ou Oriental. Nenhum era do Benfica ou do Porto. Hoje sabemos o quão falso era o preenchimento desse registo na FPF, hoje mostram tão claramente as suas preferências, como Vitor Pereira mostrou as suas. O problema porém não é a admissão de preferência clubística, pois essa é natural e pacífica, mas sim a quantidade e sobretudo a qualidade que representam todos estes “pré-fabricados” juntos. De repente, passámos do problema de ter ovelhas negras no rebanho para ter rebanhos ranhosos pretos pontuados com algumas fofuras brancas. Coisas fofas como Marco Ferreira, tão frágeis como dispensáveis. As recentes 11 medidas propostas por Bruno de Carvalho são uma reacção a este quadro e se fossem adoptadas muito resolveriam, mas todos sabemos para que gaveta vão ser arrumadas. Infelizmente a arbitragem portuguesa vive para além das medidas que a poderão salvar, simplesmente porque não tem independência, nem a tenta conquistar, preferindo comer as migalhas da mão de quem se auto-intitula seu protector e que lhe dá as pancadinhas nas costas depois de serem ameaçados de morte ou levarem cabeçadas em campo.

Infelizmente o status dos árbitros só irá piorar nos próximos tempos. Primeiro, porque são (na sua grande maioria) muito maus e isso melhorará pouco com mais experiência. Segundo, porque dificilmente servirão para mais do que o que foram programados de origem e depois de lhe ser “tirada a pinta”, poucos serão capazes de inverter a natural tendência de favorecer os mesmos de sempre em prejuízo dos mesmo de sempre. Os adeptos ferrenhos que se tornam árbitros são um fenómeno recente de que não temos ainda noção de dimensão, mas eu arrisco a dizer que ou tem um travão claro ou pode, escrevam aí num papel qualquer e guardem, ser o curto-circuito que irá queimar todo o quadro do nosso futebol. E no quadro principal estará a História e a Memória. Nessa, começamos a ver de que cores será pintado Pinto da Costa e todos os seus recordes e títulos. Num futuro, os seus sucessores, graças a estas e outras “fábricas” terão tratamento igual. Salas de troféus repletas, números bonitos de títulos, museus interactivos…zero de glória e um sabor a corrupção, um intenso rasto de desonestidade e crimes à escolha. Quiseram e querem ser os melhores e no entanto escolheram a via mais fácil, a mais pequena e mesquinha de lá chegar. Os seus grandes clubes não serão maiores dessa forma e o pior é que eles sabem-no. Sempre souberam. Mas é quem eles são e não o que preferiram fazer ao comando dos clubes. A capacidade destes grandes “estadistas” em subverter as regras para que tenham vantagem, dar-lhes-á o proveito, as festas, as capas de belas fotos a mirar o horizonte, mas não lhes dará a fama para o qual tanto “pão” amassaram. No final das contas todas as suas conquistas e especialmente como as tentaram conseguir serão a “escada do seu apogeu e o escorrega do seu declínio”.

Pode parecer pouco. Pode ate parecer frágil a “incriminação” da memória comparando com as festas no Marquês ou Aliados, com os 33’s e os 34’s, com as capas de jornais e os elogios na tv. Mas se olharem bem, a história e as “histórias” são tudo o que fica, são tudo o que deixamos na nossa curta passagem por esta coisa que chamamos vida. Somos como adeptos o que somos noutros papéis da vida e a luta não se ganha só usando as mesmas armas de um inimigo, mas sim usando melhores. O imenso “Dark Side of the Force” em que se tornou o futebol português não tem pão para nos dar. Rouba-nos o pouco que temos para comer. Já beberam as “mines”?

*às quartas, o Leão de Plástico passa-se da marmita e vira do avesso a cozinha da Tasca