Nuno Dias chegou aos 200 jogos no comando técnico do Sporting com a marca incrível de 169 vitórias, 48 jogos sem sofrer golos, 1011 tentos marcados e 321 sofridos. Assim, parece fácil perceber como é que desde 2012/2013 já alcançou também 11 títulos para o Museu verde e branco.

Aos 44 anos, está há 23 ligado ao futsal e é treinador há dez. Vive da e para a modalidade e adora o treino. Em 2015 apresentou a tese de mestrado na Universidade da Beira Interior sobre a ‘Representatividade dos Exercícios de Treino em Relação ao Jogo no Futsal’ e concluiu-a com 17 valores.

É um dos treinadores de futsal com mais títulos em Portugal – todos no Sporting – e está nomeado para o troféu de melhor treinador do mundo de 2016. Soma já três nomeações, mas nunca venceu. Será desta?

Em entrevista ao Maisfutebol, o fervoroso, mas nunca expulso, Nuno Dias falou da paixão que tem pela modalidade e do percurso no futsal, abordando também os temas da atualidade e falando dos rivais Benfica e até FC Porto, sim. O clube azul e branco não tem futsal, mas o treinador do Sporting gostava que tivesse.

Está nomeado, pela terceira vez, para melhor treinador do mundo de 2016. É desta que conquista o título?
Não, não acredito nisso. Já ganhei com o facto de estar nomeado num universo tão grande de treinadores e de tantas ligas competitivas. Para mim, estar entre esses dez já é uma vitória. É sempre difícil ganhar um prémio desses, mais ainda quando sei que há portugueses que não votam em mim. Isto não é como na Eurovisão em que os países votam nos países ‘amigos’. Já fui a votos noutras ocasiões e sei quem votou em mim e quem não o fez.

O Marcão e o Leo, por exemplo, dois dos «mais vividos» do plantel do Sporting, e que já passaram por muitas e boas mãos dizem que o melhor é o Nuno Dias. Como é que vê isso? Estão a ser sinceros ou…
…estão a dar-me graxa (risos). É isso que estão a fazer! Felizmente já ouvi isso de mais jogadores e não só deles. É bom ouvir isso de jogadores experientes e que já estiveram noutras ligas, que trabalharam com outros treinadores. São eles que de facto me podem avaliar, ainda que possam também dizer isso consoante o estarem a jogar mais ou menos.

Sendo o melhor ou não, como é que se é… Nuno Dias?
(risos) É-se com muito trabalho e dedicação, para também atrair a sorte. E tenho tido a sorte de estar bem rodeado. Ninguém ganha sozinho. Sempre o disse e nunca vou deixar de o dizer. Estas distinções tem a ver com as conquistas coletivas e ninguém as ganha sozinho. Toda a gente que trabalha comigo tem uma quota-parte de responsabilidade.

Sim, mas com os números apresentados, nota-se que há muito trabalho do Nuno. O que tem de especial?
(risos) Não sei. Tento ser especial em algumas coisas, nomeadamente em ser coerente nas escolhas e nas decisões. Acho que isso é importante. Faço sempre aquilo que acho que é o melhor para a equipa e não favoreço A ou B. Não gostava disso quando era jogador e agora tenho muita atenção a isso. E depois ao nível da organização e da metodologia de treino também tento ser diferente.

Então ter sido jogador foi muito importante para aquilo que é enquanto treinador?
Claro. Não é um fator determinante, mas é importante. É sempre uma mais-valia conhecermos o balneário, sabermos o que os jogadores gostam ou não de ouvir, a maneira como gostam ou não de ser tratos e também, claro, conhecer o jogo lá dentro.

Está a ser melhor treinador do que foi jogador?
Não acho. Estou a ganhar mais títulos como treinador, isso sim. Mas, provavelmente, aquilo que atingi enquanto jogador custou mais do que aquilo que estou a conquistar enquanto treinador. É mais fácil ganhar no Sporting, onde estou munido de tudo do melhor, do que na equipa na qual jogava. Já havia equipas profissionais e semiprofissionais e eu jogava no Instituto que era amadora. Mesmo assim cheguei à seleção, estive lá dois anos e fui importante. Também ganhei alguns troféus pelo clube, como a Taça de Portugal e a Supertaça. Foi difícil. Só não fui campeão porque isso só está ao alcance das grandes equipas.

Está satisfeito com o rumo da sua carreira?
Sim, muito. Orgulho-me muito de todas as etapas. Fiz o curso de treinador ainda enquanto jogador, fui professor e treinador de iniciados, juvenis e juniores. Só comecei a jogar aos 22 anos, mas depois passei por todos os escalões enquanto treinador.

Como é que tudo começou?
Foi com um grupo de amigos na faculdade e depois recebi um convite da Académica. Fui e a Académica subiu logo à I Divisão, depois disso fui chamado à seleção universitária, saí para o Instituto onde fui jogador e treinador. Passei pelo CSKA Moscovo e agora estou aqui. Fiz tudo isto sem pseudo-ajudas. Nunca tive nem precisei, é tudo fruto de muito trabalho.

Como é que vê o futsal, o jogo em si. Como se deve atacar, como se deve defender, que esquema utilizar, quando utilizar o cinco para quatro…?
É o que digo sempre nos cursos de treinadores: não há um sistema tático que resulte melhor do que outro, não há um método defensivo melhor do que outro. Todos eles têm vantagens e desvantagens. O nosso papel é escolher, consoante aquilo que é a nossa equipa e os nossos jogadores, aquilo que melhor se adapta. Não há sistemas perfeitos, mas sim ideias de jogo e metodologias que devem ser aplicadas consoante as características dos jogadores que temos.

Mas, como amante do futsal, que tipo de jogo gosta de ver?
O do Sporting. A minha equipa, felizmente, joga bem e como eu gosto. Gosto de ver o jogo com ritmo, com movimentação constante, com jogadas bonitas em que o jogo não para e em que há golos de estratégia fabulosos, em que há alternância de sistema, em que tanto se joga com um pivot ou sem, em que se joga com um guarda-redes avançado ou não. Acho que a beleza do jogo tem a ver com esta alternância e dinâmica.

Como é que prepara os jogos, o que faz e com quanto tempo de antecedência?
Vejo os adversários com os cortes em vídeo que o Miguel Ferreira me faz e a partir daí analiso. Todos os domingos tenho as imagens da equipa que se segue e preparo o treino para a semana consoante o que analiso. Na UEFA tenho a preocupação de ver o jogo todo e vejo mais do que uma vez, mas no campeonato não. Não vejo o jogo todo, por norma é só os cortes e isso chega-me. Analiso o que cada jogador faz e como é que a equipa joga. Tento perceber o que é que as equipas fazem em todos os momentos do jogo e perante todas as situações. E depois, em função daquilo que eu percebo das equipas, tento tirar partido daquilo que é a nossa ideia de jogo, explorar a melhor forma de atacar e, mais importante, pegar nessa analise e criar tarefas de treino.

200 jogos no comando técnico do Sporting e os números que já apresentámos. Como é que se chega a esta marca?
Com bons atletas e com uma equipa técnica que trabalha muito bem. Acho que tem tudo a ver com o coletivo e com um grupo muito grande de pessoas que trabalha bem e tem qualidade.

Sendo assim, parece fácil…
(risos) Não, não é fácil. Dá trabalho. Sai-nos do corpo este trabalho todo, mas se fosse feito para atletas sem qualidade não íamos ter sucesso nenhum. Isto é tudo resultado do nosso trabalho, do nosso empenho, da nossa metodologia, da qualidade dos jogadores, das condições que nós temos e dos adeptos que nos ajudam em momentos difíceis. Acho que tem a ver com tudo e tudo isso tem quota de importância.

E como é que se mantém este nível?
Acho que um dos aspetos é a proposta de objetivos internos, bem definidos e que todos entendem. Objetivos difíceis de alcançar, mas possíveis de alcançar com muito trabalho. Acho que tem a ver com isso, objetivos pontuais e internos que vamos delineamento. E depois tentar que todos os aceitem e que trabalhem em função disso.

Tem contrato com o Sporting até 2019, mas já esteve na Rússia, num campeonato muito competitivo. Quer voltar a sair ou está para ficar no Sporting?
Espero estar no Sporting para ficar, mas o contrato vai terminar nessa altura. A minha vontade é fazer mais duzentos jogos. Para mudar teria de ser para melhor. Estou tão bem e o Sporting é tão grande, que olho para o panorama internacional e, tirando o Barcelona, não há nenhum com esta grandeza. Por isso não me vejo a ir para o estrangeiro, a menos que haja aspetos financeiros que mudem isso. Por mim, fico no Sporting até quando o Sporting me quiser.

Os títulos que tem conquistado ajudam a que assim seja?
É sempre melhor trabalhar assim, mas essas coisas ajudam mais a quem lidera o clube. Se ganhamos, não é preciso mudar. Ainda assim, no desporto, muitas vezes olha-se só para os resultados. É injusto. Muitas das vezes não se vê o trabalho que foi feito até à bola bater no poste. No entanto, felizmente a bola tem batido no poste e entrado mais vezes. Isso vai-me mantendo cá. Nós vivemos de resultados e nem sempre aquilo que fazemos tem repercussões nos resultados. Mas se forem bons, claro que me querem cá.

Os adeptos também parecem gostar e querer, pelo menos no final dos jogos costumam cantar o seu nome…
Sim, às vezes acontece. Acho que reconhecem que aquilo que se faz é bem feito e que admiram a equipa, a forma como joga e eles próprios se envolvem no jogo. Eles conseguem ver que a equipa pode não ganhar, mas faz de tudo para o conseguir. O cantarem por mim acho que é por acreditarem naquilo que estamos a fazer. Sinto-me bem como é lógico. É sinal que gostam do que faço e que reconhecem. Sou bem tratado e sinto-me importante para o clube.

Chegou ao Sporting em 2012/2013 e foi campeão com recorde de pontos (75), no ano seguinte também ganhou o título. E, no terceiro ano, falou-se que os adversários já conheciam a maneira de jogar do Sporting. Já não havia o fator surpresa. Foi isso que fez com que falhassem o tricampeonato?
Não, acho que não. Por essa ordem de ideias, este ano, ao fim de cinco, os resultados não seriam bons. No primeiro ano talvez tenha havido essa surpresa, sobretudo na primeira volta do campeonato, mas depois ao fim de meia dúzia de jogos isso já não acontece.

Então porque é que o título nacional lhes ‘escapou’?
Por várias razões: saíram jogadores super importantes – o Divanei e o Deo – e os jogadores que chegaram não estavam habituados a este nível; o João Benedito lesionou-se com gravidade, tal como o Paulinho e o Marcelinho, o Alex estava com 34 anos e depois de épocas belíssimas; o Benfica apostou e fez um investimento grande no plantel – Juanjo, Chaguinha e Patias – com jogadores de muita qualidade que entraram para um clube que andava a perder. Tudo junto fez com que a época não fosse a melhor. Ainda assim, não fomos campeões, mas ganhámos a Supertaça e fomos terceiros na UEFA Futsal Cup. Na final do campeonato, perdemos um jogo nas grandes penalidades e de resto foram jogos muito equilibrados. Não acho que tenha sido uma época desastrosa, os títulos e a forma como fizemos o campeonato foi boa, mas ninguém ganha sempre.

De há dois anos para cá a equipa mudou muito. Hoje tem o plantel que quer?
Tenho, mas infelizmente com a regra dos formados localmente não posso utilizá-lo na plenitude todos os fins de semana. Tenho sempre de deixar de fora três jogadores não-formados localmente. Ao contrário do que acontece na UEFA. Aqui só posso utilizar cinco e eu tenho oito. É a mesma coisa que ter um Ferrari em que consigo andar com ele a 200 km/hora, mas que me limitaram o motor para andar só até 80.

Mas, neste momento, é o melhor plantel de futsal em Portugal?
Eu acho que sim e não tenho a menor dúvida sobre isso, mas infelizmente, como já disse, não o posso utilizar todo.

E é o seu melhor de sempre?
Sim, talvez. Mas o do meu primeiro ano também era fortíssimo. No entanto, este ano, ao nível das soluções que o plantel tem, parece-me o melhor de sempre do Sporting.

Ainda assim, começou a época a perder a Supertaça para o Benfica… é o adversário mais difícil?
É, é o adversário que, juntamente connosco, tem o melhor leque de jogadores e é mais equilibrado.

O que é que o Benfica tem de melhor?
Tem uma equipa muito boa também. Nos últimos dois anos reforçou-se bem e manteve principais figuras do último título. No entanto, a meu ver, o que eles têm de melhor, e que nós precisamos, é o facto de se superarem nos dérbies. A forma como encaram os jogos contra nós parece-me diferente da forma como encaram os outros. Acho que nos últimos dois jogos com o Benfica baixámos o nosso nível e o Benfica elevou-o. Se calhar temos de trabalhar esse aspeto quando jogamos contra eles.

Supera-se porque se sente ‘inferior’, dado as últimas épocas do Sporting?
Não sei, isso é pergunta para se fazer a eles e não a mim. Eu acho que o Sporting é o melhor e por isso é que está em primeiro e tem cinco pontos de vantagem, mas a realidade é que o Sporting perdeu a Supertaça para o Benfica. O certo é que como disse, a atitude mental deles é mais forte frente a nós do que noutros jogos, isso é.

Por falar em rivais, em Portugal há ainda o FC Porto. Seria interessante tê-lo no futsal?
Seria, claro que sim! Quanto mais equipas de nome, de camisola e com massas adeptas numerosas estiverem na modalidade, mais mediática ela se torna. Isso implicaria também mais receitas, mais patrocinadores, transmissões e mais tudo. Mais competitiva também e isso obrigar-nos-ia a ser ainda melhores do que aquilo que somos. Quanto mais equipas de qualidade existirem, melhor para a liga e melhor para todos.

Na Liga lidera, mas esta fase só decide quem vai à fase final. Acredita que vai renovar o título?
Claro que sim, mas é importante referir que esta fase também é importante. É importante liderar, marcar muitos golos, não sofrer e jogar bem. Para nos é sempre importante, mesmo que o campeonato só se decida no play-off. Ao longo dos últimos anos só duas vezes é que o campeão da fase regular não venceu o título. Espero este ano vencer a fase regular e o campeonato.

A UEFA Futsal Cup, perante os adversários que terá pela frente [Inter Movistar, de Ricardinho, Kairat Almaty e Ugra Yugorsk], é também uma possibilidade real?
Temos equipa para discutir jogos com toda a gente e em que pavilhão for, temos qualidade e vamos apresentá-la, mas é preciso referir que vamos jogar com equipas que a todos os níveis têm um poderio superior ao nosso e que estão muito habituadas a chegar a este tipo de finais, que têm jogadores habituados a ganhar europeus e mundiais. Não me parece justo aquilo que as vezes vamos ouvindo. Parece que é uma obrigação o Sporting ganhar e que se não o conseguir é uma desgraça, uma frustração ou um desanimo total. O Sporting é a única destas equipas que não era cabeça de serie na Ronda de Elite e é a única que ainda não ganhou a UEFA. Quem não tem noção das dificuldades não percebe o futsal. Não vai ser fácil, mas vamos bater-nos de igual para igual e dar o nosso melhor. É um título que há muito procuramos.