Dizia-se que era um jogo de paciência, ou não tivesse o adversário apenas sofrido dois golos ao longo de todo o campeonato. Mas se essa era premissa para as nossas jogadoras de futebol feminino, também milhares de adeptos que acorreram a Alvalade tiveram que enfrentar com um sorriso uma longa e despropositada fila para conseguir assistir ao jogo, sendo muitos os que entraram já a primeira meia-hora estava disputada e já Patrícia Morais, a nossa redes, se perfilava como uma das figuras do encontro pela leitura perfeita de todos os lances e da necessidade de jogar mais ou menos adiantada em relação à linha de baliza (e o pessoal que gosta mais de gritar “siii” em vez de “Ruuui” teve 90 minutos para tirar a barriga de misérias).

A Onda Verde fazia-se sentir de tal forma que surpreendia os próprios responsáveis leoninos e a estratégia de deixar apenas uma porta aberta e meia dúzia de torniquetes a funcionar, mas o dia queria-se de festa e nem a estupidez de duas dezenas de adeptos foi capaz de estragá-la. No relvado, as nossa equipa enfrentava o seu principal rival rumo à conquista do campeonato e a concentração táctica sobrepunha-se aos rasgos individuais. Isso e o peso de, pela primeira vez, defenderem o Rampante no tapete de Alvalade (será desta que o relvado pegou?), algo que parecia tolher o repentismo a Solange Carvalhas e a Diana Silva, por exemplo.

A meia hora de distância, era precisamente o repentismo de Gelson que agitava a nossa equipa senior de futebol. O extremo estava de volta e a ginga deixava a cabeça em água aos canarinhos. Sem o lesionado Adrien, Jorge Jesus apostou em Palhinha e fez subir William, deixando de lado as adaptações Bruno César ou Bryan Ruiz e no banco o mais natural sucessor do 23, Francisco Geraldes. A equipa foi segura a defender (a única coisa que o Estoril fez ao longo da primeira parte foi um remate de longe), mas pouco dinâmica a atacar. Até que, pouco depois dos 20 minutos, Alan Ruíz desmarca-se na direita e cruza de trivela; Schelotto tenta rematar, mas acaba por fazer uma assistência para o desvio de Bryan Ruíz, à boca da baliza. Tal como frente ao Rio Ave, o Sporting chegava ao golo na primeira oportunidade de golo, o que é sempre de assinalar.

De assinalar, também, o facto de Jefferson fazer o jogo 100 com a camisola do Sporting. Um gajo pensa nisso e recorda-se da grande jogatana feita por Joana Marchão. Em Alvalade, o lado esquerdo era todo dela e havia momentos em que o estilo de Rui Jorge parecia servir de exemplo à nossa número 5. E aos 40 minutos apenas uma grande estirada da redes adversária impediu Joana de celebrar um golaço de livre directo. Já na Amoreira, era a azelhice que impedia Bas Dost e William Carvalho de transformarem em golo mais duas arrancadas de Gelson. E assim se chegava ao intervalo.

No segundo tempo, nada mudou. Gelson continuava a partir os rins a todos quantos lhes surgissem pelo caminho e a oferecer golos que eram desperdiçados. O de Bas Dost, aos 55 minutos, é inacreditável e depois de ver os outros falharem, Gelson resolveu também ele desperdiçar: bola bem ganha a meio-campo por Palhinha e o rapidíssimo Martins a falhar isolado na cara do redes. Antes, Paulo Oliveira tinha tido corte providencial roubando o desvio a Kléber e o jogo só voltaria a mexer a seis minutos do final, quando Bas Dost foi derrubado em plena grande área.

Em Alvalade, as nossas Leoas tinham 45 minutos para passar para a frente do campeonato. Tatiana Pinto ensaiava um remate de fora da área, dando o mote para o que poderia ser uma estratégia para ultrapassar a compacta defesa bracarense, cada vez mais fechada e descida, jogando com o relógio e com o resultado que lhe permitia tentar meter bolas nas costas da defesa leonina (a Bruna Costa tem mesmo pinta de central, até porque às vezes acha que é Beckenbauer). Num desses lances, Jéssica Silva fica a reclamar penalti, num momento que levaria a uma semana de troca de teorias caso fosse futebol masculino e que nasce de uma das muitas perdas de bola que se iam acumulando entre as nossas jogadoras.

O cansaço era evidente, o discernimento cada vez menor e face à maior frescura física do meio-campo bracarense jogadoras como Tatiana Pinto iam acumulando passes de risco mal medios. A 7 do adversário, Vanessa Marques, parecia maior do que todas as outras jogadoras em campo e só a nossa Fátima Pinto parecia capaz de fazer frente no confronto físico. E foi precisamente com a número 7 que Nuno Cristóvão respondeu às incidências da partida. Ana Capeta substituiu a apagada Sara Granja e a frente de ataque, onde Diana Silva já lutava contra as câimbras, ganhou novo dinamismo com esta espécie de Sá Pinto versão feminina. Capeta vai a todas e fá-lo com apropósito, como quando, aos 72 minutos, combina com Solange Carvalhas na direita e cruza para a área; Fátima Pinto está na cara do golo, que lhe é negado por mais uma grande defesa da redes adversária.

Cinco minutos de descontos e ninguém arreda pé da bancada. É, aliás, das bancadas, que surge o apoio para uma ponta final onde a crença suplanta o cansaço. Capeta, em esforço, mete para a entrada da lateral direita, Fontemanha, mas o remate em força sai por cima. Grande oportunidade desperdiçada, mãos na cabeça. A número 3 redime-se pouco depois, envolvendo-se numa jogada de ataque e lançando a entrada de Ana Borge que aproveita o desposicionamento da defensiva adversária e acaba derrubada em plena área.

Está tudo de pé. Bas Dost, com calma, marca o 18º golo da época, o primeiro da marca de penalti. Para o mesmo lado, ainda com mais classe, Solange Carvalhas converte a grande penalidade que dá a vitória histórica e a liderança no campeonato à equipa feminina do Sporting. E quando soa o apito final, o técnico Nuno Cristóvão corre para uma meia volta olímpica de agradecimento aos mais de nove mil que estiveram nas bancadas. Punhos cerrados, emoções à flor da pele, uma enorme jornada de Sportinguismo para milhares de crianças e de adeptos não habituados a frequentar Alvalade e que, numa tarde de sábado, puderam confirmar que o Sporting Clube de Portugal e tão maior do que aquela equipa de rapazes que jogam à bola.

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