«Pai… depois, quando eu marcar um golo, como é que vão dizer o meu nome ao microfone?»

A pergunta sai-te convicta, dando-me total certeza que no teu cérebro vais testando cenários em que Alvalade se rende a um golo teu. O mesmo Alvalade onde temos partilhado tantas emoções. O Estádio que vias da janela do carro, uma e outra vez, esperando a ocasião de poderes lá entrar. Aquele a quem chamas casa quando sabes que lá jogamos.

Hoje, olho para trás e recordo-te de lágrimas nos olhos, assustada, quando ouviste pela primeira vez um “golo” gritado por mais de 40 mil pessoas. Passaram três anos e meio, mais coisa menos coisa, e fazes questão de lembrar-me, de cada vez que voltamos a casa, que apesar de viveres o Sporting melhor que gente grande ainda és uma menina com sete anos. A tua mão procura a minha como faz sempre que precisas de sentir um porto de abrigo, pedindo-me para não a largar no meio daquele mar de gente e até estares confortável a caminho do lugar que é teu. As tuas mãos à minha volta, apertando-me quando a bola beija a rede e aquela menina desta vez a conter as lágrimas que não são de medo, mas de uma emoção tão grande que te faz perceber que também se chora de felicidade.

E no meio de tudo isto, dou comigo a pensar na responsabilidade que é ter-te passado esta paixão que te leva a quereres ver as modalidades, os putos e tudo o que possas apanhar na SportingTV ou no tablet onde aprendeste sozinha a percorrer o youtube para veres golos antigos de jogadores que depois me perguntas quem são. Na responsabilidade que é ter-te tornado tão minha companheira desta coisa de ir à bola que ir à bola sem ti é como comer molotof com caramelo em vez de doce de ovo ou pedir uma Cola e trazerem-te Pepsi. Sei que ouves demasiadas asneiras e que numa idade em que não podes dizê-las aquilo é um verdadeiro saco de gomas para os teus ouvidos. Sei que te cruzas com demasiadas pessoas dispostas a estragar tudo o que de bom tem o futebol, sei que experimentas um ambiente onde, por vezes, existe demasiada agressividade. E, acredita, muitas vezes sinto-me culpado quando penso que esse lado negro dos estádios pode influenciar-te em alguns dos disparates que fazes e que dizes.

Mas também sei que tudo o que vivemos de verde e branca vestida nos permite partilhar algo que é só nosso. Um percurso que terá tantas memórias que, daqui por uns anos, passaremos tardes a projectá-las numa tela de cinema imaginária. Talvez nessa altura, quem sabe, já se tenham lembrado que há pais que levam as filhas ao futebol e tenham criado casas de banho próprias para esse efeito, em vez de nos obrigarem a jogos de paciência ou a planos estratégicos quando o raio do ice tea faz efeito. Tu achas piada, eu fico zangado, sempre, tal como fico quando me lembro que não há quem sem lembre de criar filas específicas para os pais que vão com os filhos pequenos à bola e que esses filhos pequenos são demasiado pequenos para brincar às latas de sardinha em conserva que se tornam as entradas em dia de casa cheia (e que esses filhos pequenos acabam ao colo ou às cavalitas, único local seguro quando se sentem demasiado apertados).

Depois há os planos a dois, sobre se será melhor apanharmos o metro (e o que tu gostas de andar de metro, acho que te sentes mais crescida, além de poderes meter-te na conversa de outros Sportinguistas e opinares com surpreendente mestria) ou arriscarmos encontrar lugar perto do estádio. Há o poderes comer cachorros, hambúrgueres e todas aquelas coisas que na tua cabeça fazem parte da experiência de ir à bola. Há o quereres comprar um cachecol novo e uma bandeira a cada novo regresso a casa (já sabes que não funciona assim, mas tentas sempre). Há a tua insistência em sacar uma bola e começares a dar toques em plena loja verde, mesmo que a loja verde esteja demasiado cheia e eu já te tenha dito demasiadas vezes para não o fazeres (antes isso do que andares a correr atrás de avelãs em pleno hipermercado, fazendo das arcas frigoríficas balizas ruidosas). Há as conversas sobre quem são os jogadores preferidos (oh pai, só podes escolher cinco e mandavas os outros todos embora), há as minhas tentativas de passar-te noções tácticas, há o teu ar curioso de cada vez que escutas um cântico diferente e eu a lembrar-me de que o primeiro que aprendeste foi o “braços no ar, todos de pé…” e a imaginar que na próxima época teremos um Pavilhão só nosso onde os cânticos serão ampliados.

Depois dou comigo, disfarçadamente, a observar-te enquanto cantas a Marcha que aprendeste tão rápido como cantilena de jardim de infância. Vem O Mundo Sabe Que e tu, em cima da cadeira para ficares tão alta como os mais altos e poderes colocar o teu chachecol junto a tantos outros, entoando cada palavra com o sentimento que aquele momento deve ter (eu não te digo, mas é uma delícia ver-te a tentar que a tua voz saia tão forte que a consigas ouvir no meio das outras dezenas de milhares de vozes unidas). Chegam os lances de perigo e nós naquele trabalho de equipa em que eu tenho que ser capaz de adivinhar quando é que devo deixar-te trepar para o colo, para poderes ver toda a jogada por cima da cabeça daqueles que te tapam a visão quando se levantam.

E os golos, aquele momento em que todo o mundo pára. Em que o teu abraço me contagia. Em que as tuas quase lágrimas são as minhas quase lágrimas causadas pela tua felicidade. O teu sorriso deslumbrado, olhando ao redor e pedindo-me para te fazer saltar e eu pensando que estás cada vez mais crescida, mas que se lixem as costas que enquanto aguentarem estes momentos só nossos continuarão a ser guardados na caixa de memórias. E enquanto tu imaginas como será dito o teu nome quando fores tu a marcar um golo em Alvalade, eu levanto-te o mais alto que posso, como que mostrando ao mundo que as Princesas jogam à bola e vestem de verde e branco!