Quando a morte de uma pessoa, dentro de um contexto desportivo e causada por uma rivalidade entre claques, gera zero de reações oficiais por parte da FPF e da Liga, penso que chegámos ao fundo de um poço de moralidade e a um beco sem saída quanto aos poderes efectivos de quem tem mesmo poderes formais no nosso futebol.

Podemos associar a este comportamento a uma tentativa de não acentuar polémicas e gerir cautelosamente as medidas futuras. Será mesmo? E porquê tantas cautelas? Para não gerar exactamente o quê? Será que os polícias não interrompem e prendem os participantes de um tiroteio, esperando que este finde para então intervir? Será que a morte de alguém não é mesmo um sinal que acabou o tempo das contemporizações e discursos de serenidade.

O futebol português passou muito além de qualquer estado de sobriedade, respeito e bom funcionamento. Está desregulado, a saque de marginalidades institucionais, em plena ebulição de vários partizans que partem e repartem os media, os cargos e os lucros de uma associação (avençada ou não) aos grandes emblemas lusos. O que se esperava então das instituições que devem proteger e regular o futebol? Tenho algumas ideias:

1- Já se entendeu que as multas e os castigo não demovem ninguém. São pois regras e letras mortas. Sugiro elevar exponencialmente o valor das multas e passar a aplicá-las com critério e não como “avisos”.

2- Os media são o verdadeiro terreno de batalha, mas a proteção da “liberdade de expressão” obriga que ninguém possa ser censurado, mesmo quando mais não faz do que acicatar ódios e disseminar insultos e desinformação. Mas…as audiências não são inocentes e a ERC (Entidade Reguladora da Comunicação Social) é um órgão público que já é usado para multar os meios de informação que promovam discursos como os descritos, mas as multas são irrelevantes. Agravar os valores até ao ponto que os directores de informação e chefes de redação vejam como graves e não como “boas para as audiências” as tiradas mais incendiárias de muitos paineleiros.

3- A legalização das claques deve ser levada a sério e não, mais uma vez, entendida como um pró-forma para receber apoios oficiais. Dentro dos Grupos Organizados de Adeptos há pessoas boas, más, honestas e desonestas, pacificas e violentas. A lei deve ser aplicada na sua total extensão e vigiada para que quem não a cumpre perca o estatuto de claque organizada e oficial. O problema do Benfica é grave e deve ser entendido como tal. Os apoios ou são retirados às claques encarnadas ou todas as restantes serão arrastadas para uma marginalidade inimputável. A perda de pontos ou interdição de jogos deve ser decretada como consequência de apoios ilegais.

4- Os prazos de decisão do Conselho de Justiça e Disciplina são impensáveis, o que abre hiatos de impunidade, indecisão e o arrastamento das polémicas. Não pode continuar e o amadorismo que rodeia um desporto de muitos milhões é algo que já devia ter terminado há mais de uma década. Há quem aprecie a deficiência de todo o aparelho, pois joga-se com os poderes de intermediação, com as influências, com os “jeitinhos” e “favores” como se fossem moedas de troca sabe-se lá com que outros proveitos. Ter juízes profissionais a tempo inteiro, que reúnam diariamente e não uma vez por semana. Acabar com o voto em colégio eleitoral, pondo fim às cotas dos clubes era para ontem.

5- Sobram os blogs, twitters, as páginas de facebook, todo um portfólio de redes sociais que servem de eco a toda e qualquer campanha de intoxicação mediática. A FPF e a Liga têm de acordar e entender que já estamos em 2017 e que a internet não é um câmara de opinião paralela ou secundária. Faz parte (e muito) do desporto. Agir com a preocupação de proteger a competição do verdadeiro saque a que muitos “adeptos” ou grupos se dedicam diariamente, alguns deles pagos pelos próprios clubes devia ser uma realidade. Tal como o problema dos media, também aqui existe a questão da liberdade de expressão, mas será até mais fácil de resolver. Qualquer rede social cederia imediatamente perante uma queixa específica face a um conteúdo específico e os seus autores por arrasto. A questão não é censurar, mas separar o que é diálogo, partilha de ideias e opiniões do que é estímulo ao confronto, estímulo à mentira ou à propaganda organizada.

Confesso que não vejo os dirigentes actuais a serem capazes de implementar qualquer destas medidas, nem que seja parcialmente. Por uma razão evidente. Estes dirigentes são “filhos” dos próprios problemas e mandatados pelos instigadores das fracturas, são protegidos e protegem os partizans. Não estou à espera que façam mais do que varrer os problemas para debaixo dos discursos, empurrando as soluções para as gavetas fundas do compadrio que se verga aos interesses mais “corporate” dos fluxos dos milhões de euros que circulam debaixo do nariz da Polícia e Governo.

Quando um Primeiro-Ministro ou Presidente da República tomar a iniciativa de “limpar” o estado dos avençados-interessados de fato e gravata, largando os cães em cima das zonas cinzentas do futebol, aí acredito que algo possa acontecer. Mas a irmandade finança-política-futebol está demasiado sólida, demasiado enraizada e dúvida que exista uma pessoa no actual sistema político com esse atrevimento, com essa coragem. Como tal, vamos vivendo de dedos apontados e não de esperança no futuro. Morrerão mais pessoas e morrerá muito mais a paixão por um desporto-exemplo, sinónimo de festa e acolhedor de famílias.

*às quartas, o Leão de Plástico passa-se da marmita e vira do avesso a cozinha da Tasca