O tema do primeiro painel do segundo dia do The Future of Football era “Dirigismo de classe mundial – uma perspetiva de topo”, mas cedo se começou a falar de adeptos, de violência e do papel dos responsáveis no fenómeno. Foi a deixa para Bruno de Carvalho, presidente do Sporting, abordar diversos itens, nomeadamente o trabalho de bastidores que teve de fazer no dia do dérbi.

Há muita hipocrisia no mundo do futebol. É fácil fazermos de Miss Mundo, de dizer que queremos que acabe a fome, a pobreza. Mas isso não existe. No meio disto, é preciso fazer uma separação entre criminosos e adeptos. Temos mantido, desde que cheguei, reuniões constantes com os Grupos Organizados de Adeptos, para percebermos como podem apoiar e prejudicar o clube. Fazemos, por exemplo, uma campanha contra a pirotecnia, não só pelas multas, mas pelos perigos que acarretam. Houve um grande trabalho preventivo no último dérbi e orgulho-me do comportamento que os adeptos tiveram. O resultado não foi o que queríamos, mas adeptos que estavam em choque com o que se tinha passado tiveram um comportamento quase exemplar”, explicou, prosseguindo.

“Também se cometem excessos, é óbvio. Mas há vários adeptos que não podem entrar em Alvalade porque avançámos para isso através dos tribunais. Agora, dizer que os piropos entre presidentes são incendiários? Isso faz parte, não sejamos hipócritas. Às vezes até tira alguma pressão da panela, porque já houve essa intervenção de topo. O futebol português por vezes tem falta de visão periférica, parece que coloca duas palas. Não podemos é cruzar a linha. Desde 1996 que o Sporting sabe o que é ter adeptos assassinados. Gozar com uma morte dessas, isso sim, gera ódio, e nós, dirigentes, temos de parar com isso”.

Se estou dentro de um recinto como presidente, é preciso termos coragem para agir quando há um comportamento errado. Num jogo de futsal, haver uma tarja gigantesca a gozar com a morte de uma pessoa e o presidente desse clube nada fazer… Curiosamente também num jogo de futsal do Sporting, uma vez abriram um pote de fumo dentro do pavilhão e pedi para dizer que ou não havia mais coisas daquelas ou mandava evacuar a bancada toda. As pessoas pararam e perceberam o que se passava. Ninguém imagina o que foi o dérbi, o trabalho que tivemos para que corresse assim. Havia o choque e o sentimento de revolta que obrigou a um trabalho enorme de bastidores para que não houvesse cânticos, tarjas ou violência”, retomou, antes de abordar mais casos no dérbi. “Quando acaba o jogo, os adeptos visitantes começam a atirar cadeiras lá de cima que se acerta na cabeça de uma criança ou de alguém mais velho ainda matava alguém e tenho os meus adeptos a queixarem-se. Vamos deixar-nos de hipocrisias – é a violência que gera mais violência!

brunocongresso

Não é pelos presidentes darem as mãos, estarem juntos e cantarem o cumbayá que vai resolver. O que mais importa é não haver claques ilegais, chamar folclore a arremesso de petardos para cima de adeptos e não fazer nada perante tarjas que gozam com a morte de pessoas. Se não tivesse havido todo o trabalho que fizemos sábado nos bastidores, esses discursos de Miss Mundo não resultariam”, referiu, antes de voltar a acusar a própria indústria do futebol de viver numa espécie de subsistema num tempo onde “a nível social, além da parte financeira, vivemos uma grave crise de valores e princípios”.

Tenho muitos e muitos amigos que são do Benfica e do FC Porto. As instituições não têm culpa dos atos que são cometidos. 99% dos sportinguistas, dos benfiquistas, dos portistas e dos restantes clubes não querem que aconteçam coisas como as que aconteceram. Mas é preciso tirar ilações para não se cruzar essa linha que pode provocar mortes. Vou dar um exemplo, que não tem nada a ver com o atual presidente da Câmara, que não é do meu clube mas de quem gosto muito: a certa altura, em Lisboa, houve um boom de prédios muito bonitos em frente a bairros de lata. No futebol é assim, colocam esses prédios muito bonitos mas a verdade é que os bairros de lata continuam lá. Não perfilho este futebol, sendo que tenho orgulho no trabalho que fazemos com as claques organizadas, de tal forma que, quando estou com a polícia, nos dão os parabéns. E no Sporting não há só santos, sabemos disso“, rematou.