Era claro, desde há uns meses, que nos meandros e corredores do futebol português em particular, e europeu em geral, o video-árbitro começava a ser discutido com muito mais seriedade e a ser elevado da ideia à prática. E, por aqui, a promessa de testes desta ferramenta viria sempre a chocar com a falta de meios tecnológicos simples que outras ligas já adoptaram mas que, numa atitude meio autista meio pobre, simplesmente recusámos (caso da linha de golo ou recurso às imagens televisivas para efeitos disciplinares).

Mas o futebol português mudou algumas caras e tenta agora sacudir-se do pântano de apadrinhamentos, companheirismos e tachos que o regeu durante décadas. Está muito longe do ideal, muito longe do que todos pretendemos, mas sentiu-se desde Setembro uma maior abertura para ouvir propostas e um abandono dessa ideia de que os” três grandes” terão de se sentar e acordar o que quer que seja para que passe a ser imposto. A Liga e a Federação são “democracias”, mas tendem a aceitar apenas o que é ditado pelos mais poderosos, cegamente fechando os olhos às influências que esses três clubes exercem sobre os mais pequenos para conseguir o que querem nas votações.

A Federação pretende agora impor o video-árbitro na Primeira Liga (não é claro o que será feito com as restantes profissionais) e, afinal, as decisões são muito mais simples do que parecem quando em causa está o futuro de um dos negócios mais rentáveis do nosso país e que mais milhões de pessoas apaixona e enriquece.

Aceito sempre a opinião de quem me diz que não concorda com a entrada abrupta da tecnologia no seu desporto favorito. Compreendo os argumentos, sei que o factor da imprevisibilidade é das coisas mais bonitas no futebol, sei que aqueles segundos de espera por uma decisão poderão transformar-se em angústia e também sei que jamais chegaremos a uma taxa de 100% decisões certas. Mas também estou convicta de que tudo isto não é mais que uma natural e humana resistência à mudança, de protecção de algo que nos é tão precioso, de ver evoluir por caminhos que não conhecemos uma ciência que pensamos já dominar.

A administração do Sporting, com o seu Presidente à cabeça, lutou desde o primeiro momento pela modernização do futebol profissional em Portugal. Sofreu até na pele efeitos devastadores da ausência destas ferramentas em competições europeias (recordar os escândalos CSKA e Shalke 04) e, neste caso, muito mais que as consequências desportivas importa a fatura de menos 13 milhões de euros nos cofres do clube. Quase um terço do nosso orçamento actual.

A resistência da armada “puritana” do desporto de que se aproveitam todos os dias não se fez esperar. Porque para estas pessoas só existe uma forma de ver o futebol, que é a sua, e a discussão nunca pode ser elevada a um tom de real troca de argumentos. O video-árbitro passou a ser colado à direcção sportinguista como algo negativo, uma desculpa pelos maus resultados, um longo e penoso calvário que o país era forçado a assistir, tudo porque o Sporting não cumpria a sua parte nas competições europeias e nacionais. O video-árbitro caiu no rídiculo, por causa das tais cartilhas, pela simples ignorância ou porque era algo pouco controlável para quem o crítica.

E por isso compreendem o meu espanto quando, a meio desta temporada de má memória, ao percorrer os principais canais e ler os principais jornais, a tecnologia no futebol começava a delicadamente parar de ser ridicularizada, banalizada e até mal explicada, para assistirmos a um ameno e suave discurso de súbita abertura de espírito. Porque nos tais corredores do futebol tudo se sabe, porque a nossa Federação tenta agora subir degraus na escada europeia a todo o custo (nada de criticável aqui), porque a nossa Liga sabe que a principal preocupação do nosso futebol é a falta de financeamento e que o mesmo pode chegar se estivermos na vanguarda de uma mudança que vai existir quer se queira ou não. Chamar a nós a atenção de uma mudança de paradigma é meio caminho andado para, pelo menos, conquistarmos mais olhos um pouco por todo o mundo.

A modernização do futebol é um caminho sem retorno que aplaudo e saúdo. A todos os que comigo partilham a felicidade do dia de hoje, sabemos a luta que foi e que também somos parte do que hoje foi conseguido.
A todos os que não conseguem ver mais vantagens que desvantagens, peço uma simples pesquisa do que está a ser feito, por exemplo, na Holanda. Decisões acertadas conseguidas em simples segundos. E saibam, por favor, que se trata de uma ajuda e nunca de uma solução.

*às quintas, a Maria Ribeiro mostra que há petiscos que ficam mais apurados quando preparados por uma Leoa