«Tu só queres saber do futebol feminino porque não ganhas nada no futebol a sério!».

Mais palavra, menos palavra, esta frase ou já foi ou ser-te-á vendida nos próximos dias. Podia acrescentar que, na sua maioria, os vendedores são gajos que, quando estão à rasca, se orgulham de disputar campeonatos de campismo, mas não vamos por aí. E prepara-te, porque também vais ouvir esta ideia ser espalhada por alguns dos que vestem a mesma camisola e vais ter que respirar fundo.

Ora, aproveitando que fizeste essa pausa para respirar, queria dizer-te que, caso ainda não tenhas visto, há um filme que devias ver. Intitula-se Filhos de um Deus Menor e conta-nos a história de uma surda-muda e de um professor cuja tarefa é ensinar pessoas como ela a falar. Entre vários diálogos, muitos deles em silêncio, chega a um momento em que Sarah, assim se chama a protagonista, lança um «Here you go! Hear my words! Hear my voice! You want more? I’m gonna scream!», sequência simples que nos fica na memória.

Meu, mas o que é que isto tem a ver com futebol ou com futebol feminino?, perguntam vocês.
Tudo, respondo-vos eu.

Se fizermos um rw de cerca de um ano, aterramos no anúncio do futebol feminino ao Sporting. Coisa gira e tal, numa modalidade a que a maioria pouco ou nada ligaria e quando ligava era para ver competições internacionais com as melhores jogadoras do mundo. Os nomes iam surgindo, a curiosidade aumentando e, quando demos por nós, estávamos envolvidos e empenhados num projecto a dar cartas nos mais variados escalões. Como quem não quer a coisa, desafiaram-nos a ir vê-las a Alvalade. A apoiá-las rumo ao primeiro lugar. A marcar presença e a bater um recorde, primeiro nacional, depois mundial.

E nós fomos. Fomos tantos que cedo se percebeu que até quem nos desafiou estava espantado com tal resposta. Esperámos, ó se esperámos. E desesperámos antes daquele último minuto libertador em que, ao contrário do que é habitual, pelo relvado de Alvalade corriam Leoas de garras afiadas num festejo comum. E foi tudo igual. Gritaste golo, sentiste o mundo ficar mais leve, esqueceste tudo, abraçaste quem mais gostas e toma lá props se conseguiste manter os olhos secos quando o Nuno Cristóvão fez o que o coração lhe pediu e correu, mais criança que as que estavam na bancada, batendo naquele símbolo que carregas ao peito mesmo quando não o envergas na verde e branca.

Caso não te tenhas dado conta, esse momento mostrou-te que não ligas ao futebol feminino só porque o masculino te massacra a alma. Tal como não ligas ao hóquei, ao andebol, ao futsal, ao ténis de mesa, ao atletismo, ao rugby, ao basquetebol, à ginástica e a qualquer outra modalidade como uma forma de te tentares alimentar de migalhas. Não. Nada mais errado. Vibras, emocionas-te, sofres porque é o Sporting! E quando se trata do Sporting não há “nins”, não há meio termo, não há encolheres de ombro! Há paixão com tudo o que de bom e de mau acarreta.

E é essa paixão que não deves reprimir com uma estúpida vergonha de alguém vir dizer-te “estás a comemorar isso?“. Sim, estamos. Sim, vamos! Todos, foda-se! A Inês, a Patrícia, a Fontemanha, a Joana, a Bruna, a Elsa, a Catarina, a Tânia, a Matilde, a Ana Rita, a Tatiana, a Fátima, a Nadine, a Patrícia Gouveia, a Sara, a Amélia, a Capeta, a Bárbara, a Ana Borges, a Filipa, a Diana, a Solange, a Constança, toda a equipa técnica e responsáveis pela secção. E nós. Primeiro no norte (sim, eu acredito que ganhamos ao Boavista), depois numa recepção como elas merecem!

É este o momento de, uma vez mais, mostrarmos que somos uma lufada de ar fresco no pardacento universo desportivo português! É o momento de, enquanto adeptos, voltarmos a fazer o mundo falar de nós, do nosso clube, do nosso país! Seja já este sábado, como acredito que vai ser, seja no fim-de-semana seguinte, esquece essa estúpida ideia de que estás a celebrar a conquista de algo menos importante. O símbolo é o mesmo, o sentimento também! Vem tu e tu e tu! Traz quem puderes e traz os mais pequenos, dizendo-lhe ao ouvido que é o Sporting que está a ganhar e que têm mais é que festejar e sonhar ser como estas filhas de um Deus menor que, com o nosso apoio, se preparam para dizer «Hear my words! Hear my voice! You want more? I’m gonna scream, Sporting!»