Os 86 pontos conseguidos na época passada faziam antever um Sporting mandão, mais próximo do título, capaz de lutar (ainda mais) pela quebra do segundo maior jejum sem Campeonatos do clube (15 anos). Ao invés, o apito final na receção ao Desp. Chaves acabou por ser o final de uma temporada que não deixa boas recordações. É certo que Bas Dost provou ser uma máquina goleadora e que Gelson Martins teve um ano de afirmação, mas cedo, logo em fevereiro, os leões ficaram afastados da possibilidade de conquistarem um título que fosse. E apesar de uma boa série de triunfos na segunda volta, o que todos queriam era que a época acabasse para baralhar e dar de novo.

Nas primeiras quatro jornadas, os comandados de Jorge Jesus ainda pareceram dar a ideia de que, mesmo sem João Mário e Slimani, poderiam dar continuidade ao trabalho feito em 2015/16. No entanto, na ressaca de uma exibição de luxo que terminou sem prémio em Madrid (derrota por 2-1 com o Real), o naufrágio em Vila do Conde, com três golos sofridos nos primeiros 45 minutos (desaire por 3-1), acabou por marcar uma época irregular, com uma defesa demasiado permeável, um meio-campo intermitente e um ataque com demasiadas opções falhadas.

O falhanço da política de contratações
Em 12 tentativas, houve uma muito boa, uma boa e uma que parece ter sido boa. Em tudo o resto, os tiros passaram ao lado. Foi no mercado de Verão que o Sporting começou a perder a época, tantas foram as contratações falhadas na tentativa de reforçar um plantel com muita qualidade mas que era curtinho de soluções. A nível de soluções válidas assim ficou, curtinho. Até regressarem alguns miúdos que estavam emprestados para equilibrarem a coisa.

Bas Dost, no binómio investimento-rendimento, foi um autêntico achado. Foi caro, sim, mas os 10 milhões pagos não demoraram a ser justificados, mesmo que a própria equipa tenha ficado diferente com a troca de Slimani pelo holandês. E também Alan Ruíz, apesar de só ter aparecido na segunda volta já sem os oito quilos a mais com que se apresentou em Alvalade, deixou indicações de que pode ser uma solução interessante jogando nas costas do ‘9’ como segundo avançado. Depois houve Beto, que cumpriu como suplente de Patrício. E muitos, muitos flops.

Na defesa, as laterais precisavam ser reforçadas e não foram, chegando apenas um central há muito desejado por Jesus mas que cedo se percebeu que estava no Sporting para ser a quarta opção na posição (Douglas). No meio-campo, os três elementos que poderiam substituir William e Adrien, Petrovic, Elias e Meli, nem passaram do mercado de janeiro e tão depressa tinham chegado como recebido guia de marcha. Na frente, Spalvis lesionou-se com gravidade logo na pré-temporada; André nunca conseguiu confirmar as indicações de “novo Liedson”; Joel Campbell tão depressa brilhava como ficava um mês sem ser opção; Markovic e Castaignos, daquilo que se conhecia, trouxeram apenas os nomes porque em tudo o resto foram autênticas sombras do que se pensava que poderiam fazer. No meio de tantos erros, foram os regressos de Daniel Podence, João Palhinha e Francisco Geraldes que ainda deram algum equilíbrio ao plantel verde e branco na segunda parte da temporada…

Uma defesa atipicamente permeável
As equipas de Jorge Jesus são conhecidas pela sua capacidade em termos ofensivos, tendo aquela nota artística que tenta acompanhar os resultados. No entanto, é atrás, na defesa, que tudo começa: esse é o setor mais trabalhado nos treinos, aquele que mais cultura tática exige. A base de tudo. Se o Sporting ruiu, o desabar começou lá atrás. O que até é de estranhar, tendo em conta tratar-se do setor que menos mexeu de 2015/16 para esta temporada.

Para se ter uma ideia dos números, vejamos este dado: esta época, os leões somaram quase tantos jogos no Campeonato a sofrerem dois ou mais golos (11) do que encontros onde conseguiram não sofrer (13). E com todas essas falhas, muitas vezes próprias, já tinham perdido mais pontos na primeira volta do que em toda a Primeira Liga de 2015/16, onde a formação verde e branco não sofreu golos em metade dos jogos (17) e apenas por quatro ocasiões consentiu mais do que um golo. Há muito que Patrício não tinha uma média tão negativa.

No ano passado, o Sporting sofreu 21 golos no Campeonato. Este ano, consentiu 36. Com os mesmos jogadores: Schelotto, Coates, Rúben Semedo e Marvin Zeegelaar, secundados por Paulo Oliveira ou Jefferson. Por muito que tenham caído de uma época para a outra, e no caso de Semedo essa quebra foi demasiado notória, as próprias dinâmicas da equipa a nível de transições, compensações e bolas paradas defensivas falharam. E muito.

A instabilidade emocional e as ressacas europeias
Até ao jogo da 7.ª jornada em Guimarães, o Sporting somava cinco vitórias e uma derrota, em Vila do Conde. No entanto, foi a partir daí que a coisa começou a descambar. E logo aí, quando tudo apontava para uma goleada fácil e inesperada: aos 75 minutos, os leões venciam por 3-0 mas acabaram por ceder um empate a três golos. O jogo ficou marcado pela falta clara de Soares no último golo, mas aqui, como noutras partidas, os árbitros não justificam tudo.

Ao contrário do que aconteceu, por exemplo, com o Benfica, o Sporting nunca se deu bem com os encontros a seguir aos compromissos europeus: perdeu em Vila do Conde, empatou com o V. Guimarães, empatou em casa com o Tondela, perdeu na Luz frente aos encarnados, numa partida marcante para o resto da época por múltiplas razões. Mas, mais do que isso, revelou sempre uma enorme instabilidade emocional, bem visível nas dificuldades que os leões encontravam para controlar os jogos em que estavam em vantagem. Isso notou-se sobretudo fora: nos primeiros dez jogos como visitante, os leões empataram quatro e perderam três.

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Uma equipa taticamente refém de João Mário
A transferência de João Mário para o Inter foi a maior alienação de sempre da SAD do Sporting: 40 milhões, mais cinco que poderão ainda chegar por objetivos. A juntar-se à saída de Slimani, foi o Verão mais rentável de sempre dos leões em termos financeiros, mas acabou por deixar marcas no plano desportivo.

Apesar de não ter sido algo imediato, o conjunto de Jorge Jesus conseguiu mudar o ‘chip’ para jogar com Bas Dost e não com Slimani. O que quer isto dizer? Enquanto que o futebol verde e branco com o argelino procurava mais a profundidade e tinha as primeiras linhas de pressão mais subidas no plano defensivo, com a chegada do holandês ganhou ainda mais força pelos corredores laterais procurando uma referência assumida na área. Slimani, que nem parecia o mesmo jogador que tinha chegado em 2013 no plano técnico, também construía e vinha buscar jogo mais atrás para permitir os movimentos de rutura; Dost é um matador de último toque, que raramente perde uma bola de cabeça mas que está lá mais ao jeito (salvaguardando as diferenças) de Jardel para encostar na área.

No caso de João Mário, as coisas foram diferentes. Não que o seu substituto na direita do ataque tenha estado mal, pelo contrário: Gelson Martins foi um dos melhores jogadores do Sporting esta temporada. No entanto, toda a equipa melhorava com a inteligência tática do campeão europeu. Era um jogador de equilíbrios. E, sobretudo em termos defensivos, os leões ficaram reféns da sua ausência. Bryan Ruíz, Adrien ou William, algumas das melhores unidades em 2015/16, jogaram menos minutos e menos em termos qualitativos também por causa disso.

A quebra da espinha-dorsal campeã europeia
A vitória da Seleção Nacional no Campeonato da Europa valorizou, e muito, os quatro grandes símbolos do Sporting e da formação da atualidade: Rui Patrício, William Carvalho, Adrien Silva e João Mário. O último saiu, os outros ainda sonharam sair (no caso de Adrien, houve mesmo esse forcing), mas quase toda a estrutura manteve-se.

Jorge Jesus tem uma espinha-dorsal de total confiança em todas as equipas. Aquelas posições que são vitais, aqueles jogadores dos quais nunca abdica. No Sporting, são facilmente percetíveis: guarda-redes, centrais, ‘6’ e ‘8’. À exceção de Sebastián Coates, que ainda assim acabou por fazer uma época globalmente positiva, todos os outros estiveram muitos furos abaixo do que já demonstraram, também com algumas lesões longas como Adrien teve. Fizeram menos jogos, marcaram menos golos (e sofreram muito mais) e tiveram menos assistências. E é o próprio treinador que admite poder perder um dos três campeões da Europa, provavelmente William Carvalho.

Quem era o segundo avançado (até aparecer Alan Ruíz)?
Teo Gutiérrez sempre foi daqueles jogadores capazes de gerar amores e ódios por todos os clubes onde passa. No Sporting, não foi exceção: uns gostavam muito, outros nem por isso, mas a verdade é que, no final da temporada, o colombiano acabou com 15 golos. Os leões tiveram um segundo avançado capaz de marcar como a principal referência ofensiva. No ano passado, não esta época. Pelo menos até Alan Ruíz agarrar o lugar.

Markovic, Joel Campbell, Bryan Ruíz, André, Bruno César, Matheus Pereira, Daniel Podence e Castaignos passaram todos por lá, como titulares ou de forma circunstancial durante o jogo, mas nenhum foi capaz de agarrar essa posição e reclamá-la para si. Nenhum a não ser Alan Ruíz… e na segunda volta: refeito da sua condição física após ter chegado da Argentina com excesso de peso, o esquerdino conseguiu uma série de seis golos em oito encontros até se lesionar com alguma gravidade no joelho, em Braga. E essa fase coincidiu com a melhor do Sporting esta época.

Uma questão que é tudo menos lateral
No final da primeira época de Jorge Jesus no Sporting, o mercado era encarado de forma tranquila. À exceção das normais entradas por cada titular que saísse, só havia uma posição que carecia de melhoramentos mais aprofundados – as laterais defensivas. Para ajudar, a possibilidade de vender Schelotto, João Pereira, Marvin Zeegelaar e Jefferson era falada quase todas as semanas. Nada se consumou, ficou tudo na mesma. Ou melhor, João Pereira, aquele que se calhar até dava mais garantias, acabou por sair no mercado de Inverno.

Coincidência ou não, um dos reforços assegurados para a próxima temporada é lateral direito, Piccini. E as atenções parecem estar focadas num lateral esquerdo, pelo menos, a não ser que Marvin Zeegelaar e Jefferson saiam os dois. As laterais vão de facto ser reforçadas mas, como se viu ao longo da época, com um ano de atraso.

artigo publicado no diário online Observador