Já escrevi sobre isto umas boas 445 vezes, mas o tema continua a fazer mossa no universo de discussões leoninas. E apesar de me agastar quem não entende que nada na vida deve absoluto ou extremo, boa parte do debate é muito útil, sobretudo num clube como o Sporting que forma atletas para competir e não como mercadoria de troca ou para poder contabilizar os seleccionados nos vários escalões.

Como é óbvio o tema é a composição do plantel principal de futebol e a margem de entrada que os atletas jovens oriundos da Academia têm nele. Até na recente leak da conversa de BdC com os jornalistas este foi um assunto nada pacífico, sendo que o Presidente confessa-se desanimado (vou ser mais elegante) com a ilusão de muitos adeptos que desejam uma equipa “com total preponderância” da formação.

No meu ver, olha-se a questão pelo ângulo errado. A questão não é se o plantel deve ter 10, 14 ou 25 putos da formação, mas sim quantos têm a maturidade e o talento para serem soluções ajustadas às ambições traçadas no início da época. E para mim a questão inicial começa mesmo pela observação destes factores em cada atleta. Porque é subjectiva e rapidamente mutável, torna-se difícil para quem quer que seja afirmar que F. Geraldes pode ou deverá ser um futuro Adrien. Torna-se matéria de eterna discussão se o mesmo atleta renderia mais a 8 ou a ala interior. Perdemos milhares de caracteres a pesar os prós e contras de “encostar” Bryan Ruiz para deixar Geraldes abrir o livro e afirmar-se definitivamente.

As considerações podem ser feitas, refeitas, debatidas e contra-rebatidas, mas caberá sempre ao treinador principal e ao departamento do futebol gerir estas avaliações. Será só isto? Claro que não. A expectativa dos adeptos também conta e quando metade de um estádio anseia pela “confirmação” de um jovem atleta como Geraldes, essa vontade chega ao relvado e é captada por qualquer treinador, especialmente quando estamos a falar de um “gajo da bola” como JJ. Podemos argumentar que, se chegou, não foi o suficiente, mas eu acredito que existem dois tempos, o dos adeptos que é sempre o já e o agora e do treinador que é…bem…na verdade não sei (nem vale a pena ninguém dizer que sabe).

Apesar da receptividade negativa que estas questões sempre mereceram no discurso do treinador e como pudemos ouvir, é partilhada em parte pelo Presidente, eu acho que a predileção dos adeptos Sportinguistas por valores da Academia é um dos pontos mais saudáveis da nossa cultura leonina. Mostra que gostamos do que é nosso, do que é trabalhado por nós, do que é cultivado dentro de portas e com um pouco mais de Sporting que os restantes atletas acabados de aterrar em Alcochete. Isso não pode ser entendido pelos responsáveis como um “pau de dois bicos”, mas valorizado como um profundo atestado de confiança e autoestima pelos pergaminhos bastante elevados da nossa formação.

Os mesmos que ajeitam a gravata para se gabarem de “uma das melhores escolas de formação do mundo” não podem manifestar-se incrédulos quando as bancadas “pedem” a exibição do resultado desse trabalho. E penso que só exista esta questão porque tantas vezes, as contratações não parecem tão melhores do que o que a nossa imaginação consegue vislumbrar nos nossos putos. Por outras palavras, ninguém “pediria” Geraldes, se Bryan, Markovic ou Campbell estivessem a deslumbrar as bancadas com bom futebol, golos e vitórias atrás de vitórias. Portanto, também há da parte de quem dirige uma certa dificuldade de entender que o que pede a bancada só resulta dos erros de quem está lá em baixo…e não há nenhum vice-versa aqui, antes existisse.

gelsonmatheus

É verdade que alguns adeptos exageram um pouco na valorização de alguns jogadores. Nem todos estarão preparados para serem figuras de proa da nossa Liga, nem todos estão “no ponto” para conquistar Alvalade e talvez até sejam poucos com condições reunidas para agarrar um lugar no plantel da próxima época. Mas isso, contrariamente à opinião de muitos, não é uma prova de desinvestimento na formação ou o fechar de portas ao valores da mesma, é apenas a colocação de uma fasquia elevada e a obrigação de preparar por vias alternativas a entrada dos jovens para isso habilitados. E aqui, temos todos de concordar em alguma coisa. Sim, devemos cuidar melhor dos empréstimos (Chaby ou Tobias, são só alguns exemplos) mas também devemos ter o entendimento que nem todos os atletas fazem uma progressão linear no tempo de empréstimo ou adquirem em 2 anos na equipa B tudo o que precisam para estarem prontos para o palco principal.

Também não é mentira, diga-se, que as contratações têm de ter melhor aproveitamento, que a tal colocação elevada da fasquia deve ter validade ainda mais factual quando se trata de gastar dinheiro. Erros de casting neste campo pagam-se caro e mesmo aceitando e elogiando a arte de negociar desta direcção, há que afinar os bisturis na hora das “contratações cirúrgicas”, porque lá está, não podemos cair no pacóvio e lusitano estigma de achar que o que vem de Buenos Aires ou São Paulo é melhor do que o que temos por cá, só porque sim. Temos efectivamente de descobrir um ponto de equilíbrio, uma eficiência de julgamento que não pode ceder à perda de preponderância da juventude da Academia nem à sobrevalorização da experiência de estrangeiros. E meus amigos isso depende menos de um treinador teimoso ou adeptos “academistas”, mas sim de um scouting de excepção que seja capaz de comprar o que não temos lá fora e valorizar o que temos cá dentro.

É nesta avaliação de valor e viabilidade que o Sporting pode crescer e pacificar opiniões. Manter os Gelson’s, contratar os Dost’s. Sem discussão certo? Esta era fácil, mas haverá outras opções mais difíceis, que acertadas no espaço e no tempo podem contribuir para construir plantéis que se venham a justificar em campo e em boas épocas. Por outras palavras, se os adeptos virem resultados e bom futebol, dificilmente ansiarão por qualquer outro jogador e se o fizerem estaremos a falar provavelmente num talento que escapará ao valor médio e nesse caso de mais fácil resolução.

Os putos não ganham títulos, mas ajudam bastante, especialmente aqueles que estão bem acompanhados, motivados e conscientes que têm o lugar tão garantido como o trabalho sério que fizerem nos treinos e na adequação à preparação táctica da equipa. E quando escrevo isto, estou a rever o papel fundamental de jogadores como Lucas Vasquez, Ansensio, Morata, Isco ou Carvahal na temporada fantástica do Real Madrid. Sim, nem todos são assim tão jovens e inexperientes, mas a verdade é que mesmo como segundas escolhas mantiveram-se no plantel e essa é uma lição que também podemos transportar para o nosso caso. É que mesmo os que não “pegam de estaca” na primeira época, merecem ter a oportunidade para crescer.

*às quartas, o Leão de Plástico passa-se da marmita e vira do avesso a cozinha da Tasca