Imaginem um lugar sem lei, sem autoridade, onde todos haviam passado há muito os limites da vergonha, da moralidade e da honestidade. Imaginem que neste sítio é tão importante ter poder como parecê-lo, já que ninguém sabe muito bem que réstia de capacidade ou vontade têm os que deviam ter controlar o verdadeiro e legítimo poder. Este lugar é o futebol português.

Ano após ano, época após época, descemos um pouco mais na escala da governabilidade e sustentabilidade e subimos no gráfico das aldrabices, violência e desregulação. Os dirigentes da Liga e FPF andam entretidos com os números, os contratos, com a Selecção e a visibilidade das Quinas e não querem olhar para o profundo vazio da sua própria autoridade. Nenhum líder destas entidades quer desafiar o status quo de um sistema que amarra o universo no nosso futebol a um feudo de interesses.

Todas as semanas são revelados dados evidentes da podridão que alastra pelos corredores das competições administradas pela Liga e FPF, dados que colocam completamente em causa o princípio do equilíbrio, da equidistância, da isenção dos “decisores” e expõe as decisões da Justiça, Disciplina e Arbitragem como falhas, como manobráveis. Se existisse um pingo de decência em quem faz parte destas cúpulas, não restaria outra solução que não a demissão voluntária ou o afastamento temporário, até que os processos legais e desportivos sejam concluídos.

Porquê? Porque neste momento e face a todas as revelações das últimas semanas, não há qualquer confiança em quem governa os vários braços da governação do nosso futebol o esteja a fazer de forma independente, de forma desinteressada. Espanta-me até que Sporting e Porto não tenham ainda pedido esse gesto por parte de todos os visados do BenficaGate. E só aponto estes dois clubes, pois dou de barato que os demais tenham receio ou pouco interesse nesta “limpeza”.

Quando olho de forma transversal a reação das entidades FPF e Liga a este verdadeiro “calccio caos à tuga”, não deixo de ficar completamente deprimido e apreensivo. Deprimido, porque o silêncio e a imobilidade das mesmas são a prova de que não têm sequer a coragem e a autonomia para expressarem uma visão de preocupação com a gravidade dos acontecimentos. Apreensivo, pois seriam os próprios os primeiros que deviam levantar inquéritos, averiguações, processos de suspensão que garantissem a confiança dos adeptos quanto à verdade desportiva.

Não. O que vemos é zero de declarações de Fernando Gomes, zero de tomadas de posição de Proença, zero de reacções enquanto toda a casa do futebol arde em suspeição. O que pensam? Como planeiam “salvar” as competições desta pouca-vergonha? O que podem fazer para garantir que nada disto volte a acontecer? Como imaginam haver condições para fazer da próxima Liga, Taça e Taça da Liga, processos viáveis e confiáveis? Nada. Apenas uma congelação, uma ausência, o silêncio. Nada.

Ao permanecerem calados e imóveis sequem à risca o ditado “quem cala consente” e não posso deixar de evidenciar o quanto isto os aproxima do Benfica ou o quanto este comportamento beneficia esse clube. A imagem de um pai que empurra para o professor a responsabilidade de educar o filho não poderá encaixar melhor neste quadro. Um pai que teme um dos seus próprios filhos, falhou em tudo. Em tudo.

Entendo que a justiça leve o seu tempo a atribuir significado e punição ao Benfica e a todos os que com ele colaboraram. Não entendo a pasmaceira da Liga e da Federação, que em todo este tempo apenas se limitaram a definir o sorteio e abrir um concurso (cheio dos mesmos problemas que estão a ser revelados) para um novo quadro de delegados da Liga. Ou seja, acrescentaram problemas ao problema em si.

E antes que se perguntem ou me perguntem o que poderiam eles fazer, aqui vão 5 medidas tão obrigatórias como evidentes:
1/ Suspensão imediata (até conclusão de averiguações internas) dos dirigentes da Liga e FPF, visados nos e-mails;
2/ Criação de um observatório de análise desportiva aos casos revelados, com poderes de inquirição e recolha de informação supra-clubes;
3/ Suspensão dos árbitros, apontados como pactuantes ou protegidos pelo Benfica;
4/ Suspensão desportiva dos dirigentes do Benfica LFV e Carlos Gonçalves;
5/ Criação de grupo de estudo para a alteração de toda a arbitragem (Nomeação, Observação, Classificação, Carreiras).

Todos estes processos seriam operados por entidades externas, pois em muitos casos, o quadro federativo e da Liga estaria a avaliar-se e a questionar-se a si próprio. com todos os embaraços e nulidades daí resultantes.

Sem estas medidas, ficaremos órfãos de confiança na época que se iniciará e completamente entregues à decorrente luta de poder nas ruas. Garanto-vos que os comportamentos tenderão a ser mais violentos e mais facilmente orquestrados para semear ódios na opinião publica. Sem esta mostra de força e vontade, os “apanhados” continuarão a parecer impunes e o crime…compensador. E todos sabemos o que acontece quando o crime é mais compensador que o cumprimento das leis. É por aí que estamos a ir, a toda a velocidade, sem que ninguém pareça especialmente preocupado. Ou se calhar está preocupado, mas não pode manifestá-lo…pois nem esse direito lhe é permitido.

Como adeptos podemos e devemos exigir responsabilidade. Somos nós que suportamos tudo isto. Tudo.

*às quartas, o Leão de Plástico passa-se da marmita e vira do avesso a cozinha da Tasca