Quantas e quantas vezes já escutaste e já cantaste a marcha, a nossa marcha, a marcha que a todos nos une, dos netos até aos avós? Quantas e quantas vezes esse momento te fez viajar no tempo, vasculhando pedaços de uma história com 111 anos e que começa quando José de Alvalade profetiza  que vai ser capaz de criar um grande clube, tão grande quanto os maiores da Europa?

Estávamos em 1906 e José de Alvalade sabia que teria que fazer o que fosse necessário cumprir a sua promessa. Nem que fosse pedir dinheiro ao avô para poder abandonar o Campo Grande Foot-Ball Club e, na companhia dos irmãos Gavazzo, fundar um novo clube. O tal clube que fosse tão grande quanto os maiores da Europa. O Sporting Clube de Portugal.

Não se pense, no entanto, que na mente deste jovem de 21 anos e grande entusiasta do movimento Olímpico, pairava apenas a promoção do futebol. A aposta em instalações de qualidade visavam a defesa do ecletismo e do desporto nacional, bandeira que até hoje o Sporting empunha com orgulho. Por tudo isto, não admira que o nome de José Alvalade viesse a ser imortalizado na forma de um Estádio.

Aposto que tu, que já tens vários cabelos brancos, muitos deles ganhos a apoiar este clube, ainda te lembras dessa data. 10 de Junho de 1956. Mais de 60 mil pessoas, mais de mil atletas do Sporting no relvado e na pista de ciclismo. Gente de todo mundo, chefes de estado… e quando entraram as vespas que traziam terra vinda de Olímpia, assinalando a inauguração de um estádio de um Sporting que queria ser grande em todas as modalidades?!? Foi nessa altura que perdeste o chapéu, não foi? Aposto que ainda hoje guardas na memória a dificuldade que foi recuperares o teu chapéu preferido num peão que tinha tanta gente que era capaz de estar-se mais à larga numa lata de sardinhas.

O peão… foi de lá que viste as consagrações do Joaquim Agostinho, na etapa final da volta a Portugal. Quando ele entrava pela porta da maratona era como se o Vasques e o Travassos partissem rumo à baliza! O Vasques e o Travassos… sabes, tenho tanta pena que os outros violinos já não fizessem parte da equipa e não tivessem festejado o título em 57/58. Merecias tê-los visto a partir desse peão que era para ter sido bancada desde o início. Mas viste tanta coisa capaz de eriçar-te a juba…

Tu lembras-te quando o Damas defendeu os penaltis todos contra o Rangers?!? E dos 16–1 ao Apoel Nicósia, na Taça das Taças de 1963/64, e dos 21–0 ao Mindelense, para a Taça de Portugal? Tu tens a noção que nunca alguém será capaz de bater estes recordes, não tens? Já sei no que estás a pensar. Os 5-0 ao Manchester United. Aposto que quando pensas nessa noite ficas um lamechas… E que acontece-te o mesmo quando recordas o dia em que trocámos a pista de ciclismo pela de atletismo. Eu percebo-te, um gajo apega-se às coisas e depois dá nisto. Mas valeu a pena, claro que valeu. Lembras-te do Mamede a bater o recorde da Europa em nossa casa? Fantástico! E que orgulho ver por lá o Carlos Lopes. E o Moniz, o saudoso professor, rijo até ao fim na sua mentalidade vencedora.

Já que falamos em atletismo, foi mais ou menos por altura da inauguração do tartan que nasceu a geração seguinte de Sportinguistas. Os filhos dos que perderam bonés no peão. Aqueles que, bem pequenos, estavam junto ao seu pai quando o Bento mandou aquela braçada na cara do Manuel Fernandes e foi expulso. 81-82, mais uma dobradinha para a nossa história, antes daqueles anos todos a suspirarmos pelo título. Aliás, só mesmo um clube enorme consegue fazer crescer uma geração de adeptos sem dar-lhes títulos no desporto rei. Só mesmo um clube com grandes adeptos, capazes de transmitir valores e paixão para lá de conquistas. Claro que ajudou ter um presidente como o João Rocha, claro que ajudou poder juntar pais e filhos na inauguração de uma bancada nova. Não sei se eram saudades do peão, se era orgulho por estar presente em mais um momento histórico, mas a verdade é que os olhos dos mais velhos se encheram de lágrimas para espanto dos mais pequenos. 

O cenário repetir-se-ia 20 anos depois, mas desta vez foram os pequenos mais crescidos a parecerem a Julia Roberts na ópera. 2003, ano em que viste o Cristiano Ronaldo enfeitiçar os ingleses na inauguração da nossa nova casa. Uma casa sem pista de tartan e sem a mítica Nave onde, entre tantas outras modalidades, se praticava ginástica rítmica, se jogava andebol, hóquei, basquetebol ou hóquei. E era num clima de total loucura que se festejavam os golos do Livramento em balizas mais pequenas que as actuais. Por isso aquela conquista da Taça das Taças, em 1991, naquele ringue que era tão nosso… tu também lá estiveste. Tanta gente… Eu nem sei quantas pessoas estavam na Nave.

Olha, faz lembrar as muitas enchentes que viram nascer e crescer o futsal, hoje uma das nossas bandeiras mais cintilantes. Ou aquela noite de incessante chuva, contra o Celtic, no velhinho Alvalade, onde as escadas e pedra viraram lugar e milhares agradeceram carregar debaixo do braço as famosas “almofadinhas para a bola”. Também à chuva viste aquela virada incrível contra o Benfica, no cinco três que nos levou à final da Taça que haveríamos de conquistar. E com o sol a brilhar viste os incríveis 7-1 que imortalizaram o nosso Manuel Fernandes, o tal que formava uma fantástica dupla com Jordão.

Nessa equipa despontava um jovem chamado Mário Jorge e essa aposta na formação também faz parte da nossa história. De Futre a Figo, de Hugo Viana a Beto, de Quaresma a Nani, passando por William, Adrien, João Mário, Carriço, Moutinho, Gelson, Podence, Geraldes, Iuri  e, claro, Cristiano Ronaldo, ele que com Luís Figo transformam o Sporting Clube de Portugal no único clube a ter na sua formação dois jogadores considerados pela FIFA os melhores do Mundo.

Um trabalho de laboratório, hoje feito numa das melhores Academias do mundo. Fundada em 2002, a Academia do Sporting Clube de Portugal é um verdadeiro viveiro de talentos e é lá que, mais do que atletas, se formam homens. Homens em quem acreditamos para elevar bem alto o nosso nome. Homens de quem esperamos emoções fortes como as que vivemos em 1964 quando, no Estádio Duerne, em Antuérpia, Morais marcou aquele canto directo que nos deu a Taça das Taças. Ou como as lágrimas de felicidades que nos correram pelo rosto quando, em 2000, aquela equipa do Schmeichel, do André Cruz, do Duscher, do Pedro Barbosa e do Acosta nos voltou a dar um título. Um mar de gente de Leão Rampante ao peito, uma festa sem igual que merecíamos ter feito uns anos antes, fosse com aquela equipa do Marinho Peres, que com Ivkovic, Luisinho, Douglas, Oceano, Cadete e Jordão nos fez sonhar com a conquista da UEFA, fosse com aquele 11 em que Balakov era o maestro de uma equipa onde também cabiam Marco Aurélio, Sá Pinto, Naybet, Amunike, Carlos Xavier ou Iordanov.

Tantas e tantas memórias, onde em muitas delas ainda se escuta o som dos pitons dos craques que saíam da Porta 10-A para treinarem mesmo ali ao lado. Memórias que agora ganham nova vida com o regresso do futebol feminino, do rugby ou do voleibol e, acima de tudo, com a inauguração do Pavilhão João Rocha, em mais um momento que cruzará gerações de coração acelerado e que mostrará ao mundo que o Sporting Clube de Portugal é um grande clube, tão grande quanto os maiores da Europa. Um clube que nasceu um dia, sob o signo do Leão. Que nós aprendemos a amar e que trazemos, sempre, no coração.