Outrora tido como um sistema obsoleto, principalmente pela utilização de um líbero como jogador central numa linha de três defesas centrais, formações táticas baseadas na utilização de três defesas esvaíram-se com o tempo dando lugar aos habituais sistemas táticos com linhas de quatro defensores. Em Portugal, o sistema de três defesas nunca fez escola, estando o futebol português intimamente ligado aos mais tradicionais 4-4-2 e 4-3-3 com todas as suas formas e variantes.

Na Europa, porém, a situação é bem diferente. Não tanto na tradicionalista Grã-Bretanha, mas principalmente ao nível continental. Na Alemanha, sistemas de três defesas e utilização de líberos foi recorrente até à revolução futebolística ocorrida no início dos anos 2000. Itália, porém, é um caso especial. Mesmo tendo o Milan de Sacchi e Capello mostrado ao Mundo que é possível dominar o futebol a jogar em 4-4-2, a utilização de sistemas táticos de três defesas nunca foi verdadeiramente abandonada pelos técnicos transalpinos.

Se Itália é desde o século XIV conhecida como o berço do Renascimento, é também em Itália que se encontra o epicentro da nova revolução tática futebolística que colocou tão em voga, de novo, o sistema de três defesas. Antonio Conte, com o sucesso alcançado ao serviço da Juventus e da seleção italiana, recolocou o sistema de três defesas na ordem do dia futebolística e depois de revolucionar o futebol italiano, e até europeu, transportou para Inglaterra as suas ideias com o sucesso que é já amplamente conhecido.

Frente ao Arsenal, à sexta jornada da temporada 2016/17, Conte saiu vergado mas ganhou ali o título inglês. Mais que isso, Conte operou uma revolução no futebol inglês que só viu paralelo com o que Arsène Wenger ou José Mourinho conseguiram na altura em que chegaram a Inglaterra. O sucesso alcançado pelo Chelsea a jogar em 3-4-3, serviu de inspiração à quase totalidade dos restantes treinadores da Premier League e, se alguns não alteraram o seu sistema de jogo de forma definitiva para sistemas de três defesas, pelo menos pontualmente, experimentaram-no. José Mourinho foi um deles.

Algo confirmado pelo próprio, ainda que Mourinho tenha garantido apenas ter utilizado o sistema nos encontros perante o Rostov na Liga Europa. Foi, porém, em 3-5-2 que, já em Abril, à 33ª jornada da Premier League, em Old Trafford, o Manchester United derrotou o Chelsea por 2-0. O contraste de estilos, porém, foi evidente. O United de Mourinho com uma presença interior em setores do campo mais recuados bem superior à do Chelsea que, apesar do sistema de três defesas, colocou vários jogadores em zonas avançadas do terreno. Ou seja, ainda que os sistemas de três defesas se tenham massificado e, agora, proliferado no futebol – no inglês em particular -, é possível obterem-se nuances dentro desses mesmos sistemas. Hoje frente ao LA Galaxy, José Mourinho pode até ter entrado na partida no seu habitual 4-2-3-1, mas as alterações operadas durante a segunda metade da partida tiveram em vista o desenvolvimento de rotinas posicionais para um sistema alternativo. Precisamente, um sistema de três defesas. Lindelof, Bailly e Tuanzebe foram então os três homens que serviram de experiência ao novo esquema que Mourinho pretende desenvolver ao longo da próxima temporada.

Jogar com três defesas não significa, portanto, que todas as equipas consigam emular o sistema de jogo de Antonio Conte. Ao Bancada, Luís Campos vinca a diferença entre as possibilidades encerradas em jogar com uma linha de três ou cinco defesas. “Jogar com 3 defesas centrais não é o mesmo que jogar com 3 defesas. Normalmente 3 defesas centrais + 2 defesas laterais (normalmente de maior propensão ofensiva) [tal como faz o Chelsea com Alonso e Moses], permite “fechar” melhor os espaços interiores que são os mais próximos da baliza. Ou seja, o que todos buscam inicialmente é segurança defensiva”, diz-nos o atual diretor desportivo do Lille.

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José Mourinho, tal como Jorge Jesus, notabilizou-se por escalonar as suas equipas em sistemas táticos compostos por linhas defensivas de quatro homens. Contudo, estes primeiros momentos da temporada 2017/18 parecem mostrar que ambos os técnicos portugueses estão atentos às novas tendências do futebol e parecem procurar encontrar soluções para o caso de enfrentarem esses sistemas de forma mais regular ao longo da nova temporada. No final do encontro perante os LA Galaxy, Mourinho garantiu que o sistema de três defesas “é algo em que tem de continuar a trabalhar, caso decida jogar assim, durante a temporada. Fizeram-no por duas vezes com o Rostov na época passada e querem fazê-lo mais vezes” durante a próxima época. Tal qual a pré-temporada do Sporting de Jorge Jesus, em que o técnico leonino experimentou já um sistema com três defesas centrais quer frente ao Belenenses, quer frente ao Basileia que, garantiu, após o jogo e mesmo tendo em conta a derrota, tê-lo satisfeito apesar de erros individuais que assumiu não voltarem a ser possíveis durante a temporada.

Apesar destas experiências lusas em sistemas de três defesas, falha a memória em encontrar um técnico português bem sucedido a jogar em tal formação tática. Em Portugal, foi até um holandês, Co Adriaanse, quem conseguiu sagrar-se campeão jogando num sistema tático assente em três defesas. Para Luís Campos, hoje diretor desportivo no Lille, “nem 3 centrais, nem 3 defesas fazem parte da nossa escola e/ou da tradição Portuguesa”. Ao Bancada, o antigo treinador confessa “não acreditar muito que Mourinho ou Jesus utilizem este sistema mais adiante”. O técnico português sediado em França desde 2014, acredita que as experiências de Mourinho e Jesus não estão tão relacionadas com a consistência de um novo sistema tático ou um modelo alternativo, mas sim com uma técnica habitual para garantir consistência defensiva às equipas nesta fase precoce da temporada. “É para mim normal que num início de construção de uma equipa para uma nova época os treinadores explorem novos sistemas e nesta fase inicial trabalhem mais a consciência defensiva da equipa”, analisa Luís Campos ao Bancada. “Portanto eu penso que não passa de um apelo ao equilíbrio e consciência defensiva das suas equipas”, acrescentou ainda. Luís Campos não acredita, por isso, que estas experiências sejam uma espécie de adaptação a uma nova realidade do futebol, mas, sim, apenas o garantir da tal consistência defensiva à equipa neste período particular de pré-temporada. Uma opinião corroborada por Carlos Azenha, antigo treinador de Vitória de Setúbal, Portimonense e Al Sharjah até certo ponto.

Ao Bancada, Azenha diz não acreditar que, quer Mourinho, quer Jorge Jesus, venham a utilizar um sistema de três defesas de forma recorrente ao longo da temporada. Em situações muito pontuais de jogo, é possível, mas nunca como sistema de jogo base da equipa. Azenha reitera que deve ser distinguida a forma como se trabalha e a forma como se joga. O sistema em que as equipas se inserem, é apenas uma parte do modelo de jogo desejado pelos treinadores. “Normalmente as equipas de topo, quando têm um modelo de jogo bem definido, têm na sua génese dois sistemas táticos introduzidos, um sistema tático base e um sistema tático alternativo”, explica-nos. Carlos Azenha, antigo número dois de Jesualdo Ferreira no FC Porto, garante que os treinadores ao longo da época trabalham 70% do tempo o seu sistema de jogo base e 30% o sistema alternativo. Azenha defende que o Sporting “não irá nunca jogar em 3-5-2 ou 3-4-3 na sua génese mas em determinados momentos de jogo poderá, por razões estratégicas, proceder à utilização desse sistema”. O que ajuda a explicar, portanto, as experiências efetuadas por Jorge Jesus frente a Belenenses e Basileia.

O sistema de três defesas obriga a uma aprendizagem especial, uma vez que exige a cada um dos atletas cobrir mais terreno de jogo face aquilo que acontece quando se defende com uma linha de quatro defesas. E se já é difícil defender com quatro homens tendo cada um de cobrir menos terreno de jogo, com três torna-se ainda mais complicado ocupar-se racionalmente o espaço, explica-nos Carlos Azenha, que, admite, é muito complicado uma equipa jogar em tal sistema durante toda a temporada. “O Sporting jogar nesse sistema não tem lógica, é um contrassenso”, reitera. Carlos Azenha contou ainda ao Bancada os dilemas que a equipa técnica liderada por Jesualdo Ferreira encontrou no FC Porto pós Co Adriaanse. Transitar entre sistemas táticos em curtos espaços de tempo é uma situação complicada e a dupla Jesualdo/Azenha, que chegou do Boavista a uma semana do início da temporada, viu-se obrigada a esperar pela primeira interrupção no calendário para começar a desmontar o sistema instituído por Adriaanse na temporada anterior. “Para defender com três são precisas características mais exigentes que para defender com quatro. As características dos jogadores têm de ser diferentes”, avalia, explicando também que jogar num sistema de três centrais não significa necessariamente defender com três homens e que para defender com três, são necessários jogadores com características para jogar, tanto como central, como a lateral, pois dois desses jogadores vão necessitar oferecer largura; “abrir muito”. Para Carlos Azenha, o treinador tem sempre de ter em conta a forma de jogar da equipa adversária sob o risco de jogar três para três em zona defensiva.

É, por isso, importante, jogando num sistema de três defesas, que um treinador tenha jogadores dotados de uma plasticidade e maleabilidade que permitam não recorrer ao banco em caso de alterações posicionais adversárias. Muitas vezes trabalha-se, sim, uma defesa a três de forma a que o momento defensivo seja colocado sob pressão, segundo explica ao Bancada Carlos Azenha.

Se Jorge Jesus e José Mourinho vão habituando as suas equipas a sistemas táticos baseados em formações com três defensores ou, pelo menos, três defesas centrais (frente ao Basileia a linha defensiva do Sporting foi muitas vezes, declaradamente, uma linha de cinco ao invés dos verdadeiros três defensores do Chelsea de Conte, por exemplo), para Luís Campos e Carlos Azenha, dificilmente ambos os técnicos estarão a mutar-se e a adaptar-se a um novo paradigma futebolístico. Os três defesas não estão, afinal, no ADN do futebol português, e os testes de pré-épocas são somente isso: experiências.

artigo retirado do site Bancada