Na Feira, viveu-se um verdadeiro carrossel de emoções, que meteu caleidoscópios, sashimi e Pat Benatar, com o Sporting a ter que ir ao fundo da alma para levar de vencida um complicado Feirense

coates serrotes

 

Não será exagero dizer que, a este ritmo, o coração dos Sportinguistas chegará ao final da época tão trabalhado como o de um crossfiter profissional. Depois das vitórias sobre Setúbal e sobre Estoril, mais uma “arrancada a ferros”, mais uma a desafiar a fé e a dedicação dos adeptos, mais uma importantíssima nessa longa caminhada rumo à tão desejada conquista do título. E nada faria prever que fosse preciso esperar por um final impróprio para cardíacos para ver a turma de Alvalade conquistar os três pontos.

A primeira parte foi paupérrima. O Sporting entrou a dominar territorialmente, não deixava o adversário sair, mas não houve tempo para perceber se esse domínio se traduziria em oportunidades de golo. A lesão de Piccini, à passagem dos 15 minutos, obrigou a enorme mexida no xadrez, com Battaglia a derivar para a lateral direita da defesa, Bruno Fernandes a baixar para perto de William e Alan Ruiz a ser lançado para o apoio directo a Bas Dost. Não mais a equipa se encontrou e o longo bocejo que era este primeiro tempo podia ter sido bem mais amargo se, a dois minutos do intervalo, Farias não esbanjasse um monumental erro de Mathieu que deixou o extremo fogaceiro na cara de Rui Patrício.

A atitude tinha que ser completamente diferente no segundo tempo. E foi. Entrada Rampante dos leões, encostando o Feirense à sua área, com constantes vagas de ataque que faziam pressentir o golo. Bruno Fernandes teve-o na cabeça logo aos 47′, mas o redes defendeu por instinto. Depois um e mais outro cruzamento à procura de Bas Dost, com uma dessas jogadas a resultar no canto que levaria a bola à cabeça de Coates. O disparo foi defendido à primeira, mas “o patrão” quebraria o gelo com um pontapé de raiva e explodiria de felicidade.

Dois minutos volvidos, Gelson cruza largo, Dost tem mais um exemplo prático de inteligência e a bola encontra Bruno Fernandes; o médio entra na área e à saída do guarda-redes faz um chapéu perfeito que nem a tentativa de corte ninja por parte do defesa foi capaz de parar. Faltavam 25 minutos para o final e o Sporting parecia ter o jogo na mão.

E tinha, efectivamente, não fosse a complacência, quatro minutos depois, que permitiu ao Feirense regressar dos mortos ao reduzir na marcação de um pontapé de canto. O resultado voltava a ficar perigoso, mas os verde e brancos pareciam extremamente confortáveis na gestão do ritmo de jogo. Aliás, dos pés de Acuña sairia uma bola bem cortada, que se tivesse dado golo faria a alcunha do argentino passar de “ovo” a “sushiman”. Tão entretidos estávamos a imaginar como seria perfeita aquela fatia, que levámos com uma colherada de wasabi goela abaixo e ficámos sem conseguir respirar. Mérito na jogada adversária, ainda mais no remate cruzado de Etebo que colocou o resultado em 2-2 a dez minutos do final.

A mente mergulha num turbilhão de perspectivas que aterra nos anos 80, de onde sai a voz de Pat Benatar, naquela rockalhada, Fire and ice, You come on like a flame, Then you turn a cold shoulder, I want to give you my love, But you’ll just take a little piece of my heart. Calma, há tempo, dizes a ti mesmo, até porque a equipa parece estar pronta para ir recuperar a vantagem que tinha perdido.

Iuri e Doumbia saltam lá para dentro, o esgotado Acuña e o inexistente Alan sentam-se no banco. O jogo está completamente partido e quem marcar ganha. Doumbia dá mais espaço a Dost, Iuri e Bruno Fernandes gostam disso e tentam em jeito e à bomba (só foi pena que o Medeiros não tivesse podido bater o livre que conquistou). Coates já se juntou a Dost lá na frente e quando os fogaceiros ameaçam em contra ataque é Iuri quem corre mais rápido que as próprias pernas para vir matar o lance já perto de Patrício. O espírito está lá, é o um por todos todos por um, mesmo que já sem pernas e com o coração tão na boca que o cérebro pouco pensa.

E é no meio de tanto fogo que nos tolda que surgem as duas torres de gelo: Dost ganha nas alturas e desmarca Coates na área, o uruguaio usa a força para ganhar posição e acaba claramente derrubado, tão derrubado que nem é preciso VAR. Jesus entra em campo aos berros, quer que seja Bruno Fernandes a bater, mas Bas Dost já meteu a bola debaixo do braço e é capaz de não ser boa ideia dizer-lhe o que quer que seja quando ele está com aquele olhar. O redes tenta uma dança palerma sobre a linha, mas a resposta é um verdadeiro tiro de sniper, sempre com os olhos postos no alvo.

Explosão de alegria, cérebro a sofrer novo efeito caleidoscópio, bolas de sabão que se engalfinham na mente e o raio da Pet a voltar a cantar-nos ao ouvido, desta vez um We are young, Heartache to heartache we stand, No promises, No demands, Love is a battlefield