Talvez dos assuntos mais recorrentes do futebol português, a corrupção (seja voluntária ou patrocinada) ocupa há muito um lugar tão privilegiado como intocável. Devo dizer que não é um exclusivo do nosso país, da nossa cultura, nem sequer do futebol. Mas cá no burgo futeboleiro deste cantinho da Europa, o tema e a sua ocorrência ameaçam ser um sério rival ao interesse sobre o próprio desporto ou espetáculo.

Hoje não se discute se um clube ou agente é ou não corrupto, mas qual é o mais corrupto, qual o mais beneficiado pela corrupção ou qual é a maior ou melhor forma de corromper. A inocência pertence cada vez mais aos parolos, aos ingénuos, aos otários. A arte de saber corromper bem, sem deixar rasto, é louvada em forma de posturas de macho de tasca que agitando o palito entre os lábios, pisca o olho como se soubesse mais do que as regras do futebol inscrevem.

A pirâmide de valores foi invertida há muito e hoje em dia não há espaço para o bom, o justo ou o honesto. Passar no teste de filho da puta é como receber um diploma que confirma estar apto a sobreviver no nosso futebol. E é condição absoluta de admissão. Confesso que já não acho ser possível qualquer emenda ou limpeza ética. Para inverter o cenário actual de podridão generalizada seria preciso uma completa demolição na estrutura de dirigentes, uma revisão geral nos estatutos de todas as instituições e uma supervisão total por parte de organismos externos. Um 25 de Abril ficaria curto. Precisaríamos de uma Hiroshima seguida de uma Revolução Cultural.

Ora, deixando as utopias de lado, seria lógico da minha parte dizer que se não podemos mudar algo, seguindo o ditado, devemos juntarmo-nos à festa. Sinceramente acho que este é precisamente o ponto de ruptura do futuro do nosso futebol. Se o crime compensa, se não há consequências para todos os que de forma passiva ou activa mantêm este status quo, então o joelho dobrar-se-á definitivamente e entraremos numa espécie de campeonato paralelo de corrupção, onde se decidirá tudo, deixando as fábulas e os teatros para os actores secundários – os jogadores e treinadores.

Os Paulos Gonçalves e os Janelas atingirão o Olimpo da importância desportiva e passarão a ser tão ou mais disputados que os goleadores ou os dribladores mágicos. A marginalidade será aplaudida e venerada, benfiquizando todos os emblemas, tornando obsoletos os apadrinhamentos de Pinto da Costa ou os “seminários” de Luis Filipe Vieira. Quanto mais bandido melhor e não tardarão os ex-barões de droga, os ex-investidores em capital de risco ou os empreiteiros de lobby partidário. Estes serão alguns dos perfis que se sentirão valorizados e como peixe na água no futuro previsível do nosso desporto-rei.

As SADs serão completamente manietadas por círculos de lavagem de dinheiro e os seus dirigentes meras marionetes do crime organizado. Depois de Portugal, Espanha, depois de Espanha…França ou Itália e por aí fora. A UEFA tal como a FIFA ficarão como a FPF e a nossa Liga estão agora, mudas e estáticas, presas fáceis da cumplicidade com os procedimentos e principalmente com o dinheiro de patrocinadores oriundos de paragens pouco tradicionais, pouco transparentes.

Como disse antes, seria mais lógico juntarmo-nos a este Carnaval, já que pouco podemos mudar (nem sequer entre nós é unânime que não devemos fazer) e pouco nos será reconhecido. E ainda menos me satisfaz continuar a defender a luta contra o sistema nuns palcos, enquanto nos outros andamos a pendurados nas grades do que criticamos. Se é para ser poeta-guerreiro que o sejamos à séria. Se é para sermos hipócritas que o sejamos na sua plenitude. E se é para meter os actos onde jogamos as palavras…então nesse caso contem comigo e vamos contra tudo e todos, custe o que custar. O que não me cai bem na pele é ver o que se passa no nosso rival de Carnide e olhar para a minha casa com a sensação que pouco fazemos para não estejamos a olhar para nós próprios daqui a algumas épocas.

*às quartas, o Leão de Plástico passa-se da marmita e vira do avesso a cozinha da Tasca