Neste artigo começo por uma declaração de interesses. Por razões profissionais, na temporada passada, acompanhei a par e passo o Desportivo de Chaves na primeira metade da época, reconhecendo, nesse contexto, a qualidade que Rodrigo Battaglia impunha à sua equipa. No entanto, aquando do anúncio da sua contratação pelo Sporting, não deixei de ter enormes dúvidas sobre o papel que lhe estaria reservado, já que as principais qualidades apresentadas no esquema de Jorge Simão passavam pela sua capacidade de se posicionar nos momentos de pressão e pela condução de bola nos momentos de transição. O que estaria a ser imaginado para aquele jogador num contexto de equipa grande, com exigências tão diferentes e complexas das que tinham que enfrentar os transmontanos na Liga NOS? A época oficial 2017/18 tem já dois meses e chegou a altura de descobrir porque desperta Battaglia tantas “paixões” e “ódios” entre quem vê os jogos do Sporting.

Depois de, com apenas 19 anos, Rodrigo Battaglia se estrear na Primera División argentina com a camisola 5 do Huracán, a sua primeira temporada completa em Portugal foi realizada com a camisola do Moreirense, em 2014/15, onde o argentino começou praticamente como um médio-ofensivo, num plantel que confiava a André Simões e Filipe Melo a segurança defensiva do meio-campo, passando a uma posição mais recuada com a saída de Filipe Melo para o Sheffield Wednesday.

Em Moreira de Cónegos, Battaglia afirmou as suas principais características de jogador com capacidade de penetração nas linhas adversárias, apostando muito no um-para-um ofensivo, mas também comprovando capacidade de desarme, num conjunto mais vezes exposto a um posicionamento baixo do seu bloco.

Estas suas características foram exacerbadas no Desportivo de Chaves de Jorge Simão, com o argentino a ser utilizado numa posição intermédia entre Rafael Assis, médio-defensivo com capacidade para varrer toda a largura do terreno, e Braga, um misto de segundo avançado com médio-ofensivo. Nos flavienses, as qualidades de Battaglia brilharam como em nenhum outro clube. Uma vez mais jogando numa equipa de bloco muito baixo, o argentino beneficiava de espaço para surgir muitas vezes na transição ofensiva, dando um toque de qualidade ao jogo muito directo preconizado pela sua equipa.

Olhando para o Rodrigo Battaglia que brilhava no Desportivo de Chaves, era possível imaginá-lo, um ano depois, como titular do Sporting de Jorge Jesus? Dificilmente. Sobretudo porque, quando a meio da temporada Jorge Simão se mudou para Braga, tal como Rafael Assis e Battaglia, e tentou impor nos bracarenses a mesma estrutura com que tinha sido feliz em Chaves, o que eram qualidades demonstraram-se fragilidades. Rodrigo Battaglia, no entanto, era alternativa para as necessidades do Sporting de Braga, acabando por se manter como titular nos “arsenalistas”, ora com Vukcevic, ora com Gamboa, ora com os dois, num meio-campo de batalha.

Em Braga aumentava o nível de exigência no que toca ao seu envolvimento no jogo. Com a necessidade de ter um maior número de acções, numa equipa que tinha mais posse de bola do que aquilo a que estava o argentino habituado, começou a sentir-se a quebra nas oportunidades de remate, algo que evidenciara em Chaves, bem como o número de dribles. O contexto de jogo em Braga demonstrava que, apesar de se manter como um elemento com capacidade de desarme, o número de intercepções caía vertiginosamente, o que pode ser um sinal de dificuldades de leitura num ritmo mais elevado.

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O seu aproveitamento numa temporada em que teve que se adaptar a exigências bem diferentes para o seu jogo, quer ao nível do estatuto da equipa, quer, mesmo, ao seu posicionamento no terreno (também pelos jogadores que tinha por companhia), não o teriam levado a ser contratado pelo Sporting. No entanto, não creio que tenha sido essa a avaliação feita a Rodrigo Battaglia. O argentino não foi contratado por aquilo que era em Julho, mas sim por aquilo que já se imaginava que poderia vir a ser.

Creio que Rodrigo Battaglia não chegou ao Sporting por clara intenção de vir a ser alternativa a William Carvalho ou Adrien Silva, mas, sobretudo, para vestir a pele de um Bruno César e de um Bryan Ruiz que, a jogar como médios-centro, não tinham oferecido a Jorge Jesus aquilo que este desejaria. Battaglia chegou para ser o que ainda não havia no plantel: uma alternativa para o que desse e viesse.

No entanto, a evolução da equipa na pré-temporada obrigou Jorge Jesus a definir de outra forma o papel que se reservaria ao argentino, começando a ser claro que, para determinados encontros (e numa lógica de saída de William Carvalho), Rodrigo Battaglia poderia dar-lhe soluções para actuar como “6”, enquanto, a partir do momento em que a saída de Adrien Silva se tornou inevitável, passaria pelo mesmo jogador evoluir para se tornar num “8” titular de uma equipa grande. Rodrigo Battaglia tem sido exposto a uma aprendizagem violentíssima ao longo destes meses que leva de Sporting.

O nível de exigência contextual que sentira em Braga acentuou-se, ainda que Rodrigo Battaglia não seja, no fundo, nem um “6” nem um “8” típicos dos esquemas de Jorge Jesus. Com muito mais participação na posse da equipa do que alguma vez teve ao longo da sua carreira, Battaglia não apresenta, ainda assim, nem o mesmo envolvimento, nem a mesma qualidade que William e Adrien sempre ofereceram.

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O argentino está hoje mais limitado nas suas capacidades ofensivas, tendo abdicado de características que eram as suas marcas de qualidade, ao ponto de ter baixado muitíssimo, quer nas tentativas, quer na eficácia de drible. A capacidade de desarme está relativamente estável (apesar de ter baixado na eficácia), mas sente ainda mais dificuldades para aparecer na intercepção de passes adversários. Não é uma questão de falta de luta, porque tanto o número de alívios como o de duelos aéreos subiu, mas é uma luta mais caótica, de quem ainda se está a habituar a usar às “novas armas de Battaglia” que lhe deram, e esse desconforto nota-se particularmente no elevado número de faltas que comete.

Rodrigo Battaglia é o jogador que Jorge Jesus escolheu para lhe dar mais soluções no jogo, abdicando de qualidades, para se transformar no elemento que se sacrifica pela equipa. Por isso mesmo chega ao ponto de, nas partidas mais exigentes da Liga dos Campeões, o fazer descer no terreno para marcar individualmente Messi ou Dybala. Também por isso, no encontro frente ao Feirense, o adaptou a lateral-direito, posição para a qual Rodrigo Battaglia até apresenta, na sua versão original, características muito interessantes.

Battaglia é o melhor exemplo que, em 2017/18, temos daquilo em que se transformou o jogador moderno. Solução para tudo e mais alguma coisa, indivíduo que só aparece pelo que acrescenta ao colectivo. Herói de muitos. Vilão de alguns.

 

artigo escrito por Luis Cristóvão no site GoalPoint