Esta é uma crónica onde se fala de amor. Ou de paixão. Ou de um estado de alma, carregado por homens de camisola listada que, no relvado, se portaram como os putos sem idade que vibravam na bancada

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Esqueçam essa conversa de vitórias morais. O que se passou, ontem, em Alvalade, vai muito além disso. O que se passou, ontem, em Alvalade, foi um daqueles momentos que te fazem voltar a ser da idade da criança de oito anos que vibra a teu lado; que te fazem voltar a não dormir porque ias estrear a primeira camisola do Sporting no dia seguinte; que te transportam de volta a um campo de sonhos onde as balizas são as maiores pedras que conseguiste encontrar e empilhar.

Talvez esteja a ser romântico, mas não sei ver o futebol de outra forma. Adoro ganhar, obviamente, ou, se preferirem, tenho um tremendo mau perder, nem que seja a jogar mikado. Mas o que eu peço, de cada vez que vejo uma das nossas equipas entrar em campo, é que sintam o símbolo que carregam ao peito e o honrem até faltar força nas pernas, como eu, como tu e como qualquer um de nós que sem contar a ninguém ainda adormece a imaginar-se a festejar golos em Alvalade de lágrimas nos olhos faria.

Hey Paul, hey Paul, hey Paul, Let’s have a ball… Hey Paul, hey Paul, hey Paul, Let’s have a ball…

Sem William e com um quarteto defensivo onde, face às lesões de Piccini, Mathieu e Coentrão, apenas sobrava o Patrão Sebastião, o jogo frente à Juventus apresentava-se como um teste duríssimo. Jorge Jesus não esteve com meias medidas, mexeu onde tinha que mexer e não inventou, ou seja, Battaglia recuou para seis e Bruno César entrou para o centro do terreno, ali numa espécie de posição 8 dividida a meias com Bruno Fernandes (e como gosta Bruno César de não ser encostado a uma ala onde não pode ler o jogo e onde lhe falta velocidade de pernas para fazer a diferença).

E se se pensava que o Sporting entrava em campo morto, perante o clube que nos últimos três anos esteve duas vezes na final da Champions, os Leões comportaram-se como o fole de uma máquina de oxigénio. Encolhidos, compactos, respirando lentamente a defender para ocupar os espaços com mestria; esticando-se aos poucos para subir e pressionar cada vez mais distantes da sua área até dispararem em contra ataques para os quais os italianos pareciam não ter solução. A pressão sobre Dybala e sobre Pjanic era quase perfeita e a Juve não conseguia pensar, mesmo tendo mais posse de bola; depois o carrossel de passes curtos entre Battaglia, Bruno César e Bruno Fernandes, permitia ao Sporting jogar entre a linha defensiva e o meio-campo transalpino e as dores de cabeça aumentavam porque Dost ganhava duelos constantes na posição de pivot, porque Gelson era um verdadeiro diabo à solta em noite de bruxas e porque Acuña joga como se fosse Rocky Balboa.

E veio o primeiro remate de Bruno César, bem servido por Dost, com a bomba a passar por cima. E veio aquela arrancada de Gelson, aos 20′, partindo completamente os rins a Chiellini e rematando para a estirada de Buffon; a bola fica ali, redondinha, no coração da área e tu só voltas a respirar quando vês que vem lá o César e gritas “chuta!” e ele chuta e os italianos ficam a perceber “porqué raio lo kiamão dé txuta txuta”. Que explosão de alegria, tão grande que quando se responde à marcha do marcador o “um!” que sai das bancadas é um verdadeiro rugido.

Segue-se um calafrio, o único em toda a primeira parte, com Khedira a cabecear solto e a bola a passar a meio metro da baliza do Rui, que levou 45 minutos a aquecer de forma segura para uma segunda parte bem mais exigente. Sim, chegámos ao intervalo, mas não penses que isso é coisa pouca, pois os 20 minutos finais do primeiro tempo foram um constante teste à nossa solidez táctica e um desespero para o Massimiliano Allegri, que via a sua equipa completamente atada.

E esse desespero deve ter aumentado quando, logo a abrir a segunda parte, Gelson arrancou como louco por ali fora, aguentando carga atrás de carga de dois juventinos, só pecando na hesitação entre rematar ou arriscar um último drible. Era um forte aviso do Sporting: sim, vocês continuam a ter mais bola, mas nós estamos à espera do momento certo para ferir-vos de morte. Era uma declaração de guerra, à qual a Juve respondia com as linhas cada vez mais subidas.

Era um jogo da Champions a sério e tu já estás tão metido nele que sentes cada momento como se estivesses no relvado. Tu és cada um daqueles bravos Rampantes que disputam cada lance como se dele dependesse o fim do mundo. Por isso festejas a la futsal quando o Ristovsky se antecipa ao Mandzukic. Por isso corres tão rápido como o Gelson, quando ele arranca novamente por ali fora, gritando ao Bas Dost para acompanhar a jogada (e ele acompanha) e meter açucarada para a bomba do César que passa perto das orelhas da baliza do Buffon. Por isso agarras a bola que está nas mãos do Patrício depois do remate do Sciglio e só voltas a abri-las para as levar à cabeça quando o Dost chega um segundo atrasado ao cruzamento de Bruno Fernandes.

Gigantic, gigantic, gigantic, A big, big love

O jogo está partido, completamente partido, entre o forçar da Juventus e os contra ataques do Sporting. E no meio desta dança, Bruno César fica estendido no relvado e tu levantas-te para aplaudir a sua saída. Entra Palhinha e, do lado contrário, entra Douglas Costa, com quadrado a recuar para defesa direito. Estão lançadas as cartas para os últimos 25 minutos: vamos ter que saber sofrer. Todos.

Somos o Dost, disputando o seu 46º duelo aéreo para tentar colocar a bola jogável num dos médios ou no ala que se cruze nas suas costas; somos o Gelson, indo buscar forças para nunca deixar de ajudar a defender e usando os pulmões suplentes para arrancar por ali fora; o somos o Acuña, mais morto do que vivo, mas fazendo o que tem que ser feito e guardando a bola como ninguém; somos o Bruno Fernandes, entre o vou atirar-me para o chão e que se foda e o já morri e não senti por isso só se me partirem as pernas; somos o Palhinha a virar bonecos de forma legal e o árbitro a embirrar com ele; somos o Battaglia, numa brincadeira a que só ele estava a achar graça, em que estava em todo o lado, recuperava todas as bolas e depois perdia-a só para poder correr atrás dela novamente; somos o Jonathan, mandando às malvas a alcunha de patinho feio e varrendo tudo e todos com fantásticos carrinhos ou com arrancadas de uma ponta à outra do campo com a velocidade do Conan, o rapaz do futuro (são iguais, porra!); somos o Coates, sempre lá como uma parede; somos o André Pinto, elegante, com uma surpreendente capacidade para aguentar as mudanças de direcção de adversários e ficar no sítio certo para cortar a bola; somos o Ristovsky, cagranda Ristovsky, que depois de secar tudo e todos tem aquela arrancada atrás do Douglas Costa com o pintas a ter que fugir para o seu meio campo antes de largar a bola e tu ficares a pensar que já não tinhas dois laterais direitos deste nível praí desde (pois…); e somos o Rui, somos todos o Rui naquela defesa inacreditável ao cabeceamento do Higuaín e que, garanto-vos, mesmo com as lágrimas a ameaçarem-me os olhos por ter tentado gritar “Ruuuuuui” depois de ter-me atirado daquela forma louca para o alcatrão e ter ficado com os joelhos todos esfolados, obrigou o Buffon a bater palmas às escondidas.

Gigantic, gigantic, gigantic, A big, big love

E veio o golo do empate, balde de água fria, mas nem isso mudou este estado de alma. Por isso, a dois minutos do fim, ainda somos o Acuña a vir ganhar uma bola ao Cuadrado em plena área, num corpo a corpo depois de ter subido aquela escadaria que o Rocky subia. Por isso, pouco antes do apito final, ainda somos o Battaglia, a arrancar desenfreado à ponta direita, a ganhar a bola, a perder a bola e a voltar a ganhá-la num carrinho furioso. Por isso, fomos gigantes na forma como vivemos este grande amor. Por isso, ninguém se lembrou dos ausentes, pois todos lá dentro disseram “presente!”.

Gigantic, gigantic, gigantic, A big, big love