Ainda me lembro da primeira vez que isso aconteceu. Foste apanhada de surpresa, tal como eu. Tu pela inocência dos teus seis anos, eu pela inocência de, então com 38, ainda acreditar numa réstia de decência nos adultos de outras cores que por ti eram afrontados de paixão verde e branca em riste. Disse a mim mesmo que seria a primeira e a única vez.

Ontem, voltei a dar por mim a sorrir enquanto me perguntavas pela quinta ou sexta vez porque é que não estávamos no João Rocha. Com oito anos, queres lá tu saber se há aulas no dia seguinte, quando há Champions em Alvalade num dia e Champions em futsal no outro. Com sorte, no dia seguinte ainda há nova dose no andebol e quando chega o fim-de-semana queres ir ver as miúdas, como tu lhes chamas, o hóquei, os putos e se a Mamona correr ainda me perguntas se podes ver e suspiras contrariada quando te aceno com um livro de exercícios ou te peço o caderno para recuperares a matéria da semana numa altura em que querias poder fazer perguntas sobre Goalball.

Esta é a maior educação clubística que posso dar-te: explicar-te o porquê do Sporting ser um clube tão grande. Explicar-te que o Sporting não é um clube de futebol. Contar-te que estamos a fazer história no ténis de mesa, a que tu chamas ping pong, enquanto celebramos os golos que nos levam à final four da Champions de futsal. Dizer-te que ainda tens mais sorte do que eu, que cresci tão perto e tão longe de Alvalade e da Nave, com um raio de um rio de distância que me obrigou a esperar até quase aos oito anos para ver as camisolas listadas ao vivo e me obrigou a descobrir por mim mesmo que essas camisolas estavam presentes em tantas outras modalidades.

É esta a nossa missão, a missão dos crescidos Sportinguistas, uns mais crescidos do que outros, todos diferentes uns dos outros, todos com histórias para contar, todos heróis de uma resistência e de uma resiliência que nos permitiram atravessar décadas de trevas e chegar a este tempo a sorrir de cada vez que ouvimos a palavra Sporting.

Ainda me lembro da primeira vez que isso aconteceu. Foste apanhada de surpresa, tal como eu. Tu pela inocência dos teus seis anos, eu pela inocência de, então com 38, ainda acreditar numa réstia de decência nos adultos de outras cores que por ti eram afrontados de paixão verde e branca em riste. Disse a mim mesmo que seria a primeira e a única vez que quando te perguntassem “que idade tens? E quantas vezes já viste o teu clube campeão?”, tu olharias para mim, encolherias os ombros e me perguntarias mais tarde “porque é que só eles é que ganham, pai?”. E disse a mim mesmo que a explicação que te daria nunca seria pelo caminho mais fácil, o da vitimização.

Nós somos do Sporting, filha, porque nos apaixonamos por qualquer desporto onde estejam atletas envergando o Leão Rampante. Porque essa paixão os catapulta para vitórias, umas atrás das outras. Atletismo, andebol, boxe, ciclismo, futsal, futebol, ginástica, hóquei, judo, natação, rugby, ténis de mesa, voleibol… e toda uma lista feita de gente apostada em honrar este clube tão grande quanto os maiores do mundo! Este clube com tantos títulos que até nos dá vontade de rir quando nos deparamos com arrufos de grandeza por parte de quem acha que ser grande é resumir o desporto a uma modalidade e a um piscar de olho, quando interessa, a mais duas ou três.

Não são só eles que ganham, filha, bem pelo contrário. Somos nós que ganhamos, cada vez mais, quando crianças, algumas mais pequenas do que tu, vestem a verde e branca para ir ver e apoiar uma qualquer das nossas equipas, uma qualquer das nossas modalidades, num qualquer canto do país ou do mundo. Somos nós que ganhamos, quando sentimos real felicidade e orgulho genuíno por celebrar um título num dos chamados desportos menores. Não há desportos menores. Há desporto. E há o Sporting, exemplo maior de uma palavra que se te vai entranhando à medida que cresces: ecletismo.

É esta a nossa força, miúda. E é esta força que essa gente, pequena de espírito, nunca entenderá. É essa força que nos faz continuar a sorrir quando olhamos para o futebol português e vemos um pântano. Quando sabemos que eles fazem batota, como tu já sabes, mas só um bocadinho, porque, no fim, é isso que torna os vencedores em perdedores. Porque é saber relegar essa raiva que nos consome para segundo plano, que nos permite continuar a amar o desporto. A amar o Sporting, este verdadeiro bastião de vida numa terra de gente morta na sua falta de essência, de gente encurralada num lado negro de corrupção, de gente para quem o desporto, o ser de algum clube, se resume a ganhar.

E tu, hoje, és mais uma das protectoras deste bastão verde e branco. Sem teres noção, caminhas no rumo que faz do teu, do meu, do nosso Sporting aquilo que ele é. Sem teres noção, caminhas ao lado de centenas de milhares de outros Leões e Leoas sempre sedentos de vitórias, mas ligados por um sentimento que as ultrapassa. Somos todos diferentes, zangamo-nos muitas vezes, mas somos um só, filha. Somos o Sporting, o Clube de Portugal que, juntos, continuaremos a celebrar como um dos maiores do mundo!

 

neka