O primeiro texto que escrevi para a Tasca foi precisamente no lançamento de um Belém-Sporting, numa altura que tentávamos lentamente recuperar de uma sequência de anos traumáticos, ainda sem muitas certezas de que rumo levaria o nosso clube.
O momento foi perfeito, porque o Belém é o clube do meu bairro e possivelmente o emblema por que nutro mais carinho, exceptuando o do Sporting Clube de Portugal. E por representar um marco na vida do meu bairro e nas pessoas que por ele andam, não poderia perder a oportunidade mais uma vez refletir um pouco sobre que fantasmas habitam num dos históricos do futebol português.

Com uma história centenária, títulos, presenças europeias e uma tradição fortemente eclética, o Belenenses está, para mim, entre os símbolos mais relevantes naquela que é a história do desporto em Portugal e na evolução do futebol português. É aliás o quarto clube com mais presenças na Primeira Liga e compõe, juntamente com Vitória de Setúbal, Académica, Guimarães e Braga uma espécie de grupo restrito e dourado que ajudou a moldar a realidade futebolística no nosso país, sem excluir os inevitáveis três grandes.

Só que o clube que deveria ser gigante, não apenas no sentido de massa associativa mas de relevância desportiva, vê-se cada vez mais afundado numa depressão, vivendo apenas desse estatuto histórico que lhe permite manter alguns adeptos e sócios, que fazem o que podem para elevar a cruz de cristo, sem muito sucesso.
Um problema que não será, certamente, restrito ao Belém, mas assola o futebol português. Uma anterior associação desportiva de enorme relevância, que tinha excelentes condições para a prática de variadas modalidades, (como a natação, de onde saíram alguns dos melhores) que tinha uma preocupação de fomentar o desporto local, para todas as idades e géneros, viu-se embrulhado em problemas financeiros graves e perdeu nesse momento a sua verdadeira essência. SAD e Clube separaram-se e a estratégia que a partir desse momento foi adoptada tem sido uma sequência de embaraços para todos os que têm laços afectivos à instituição.

Não falando apenas da troca de galhardetes pública, que tem sido uma constante, o Belém tem hoje um enorme problema nas suas camadas jovens (perdendo os melhores quase sempre para a concorrência por falta de contratos profissionais), tem um problema na gestão das modalidades e tem uma SAD que se vai vergando a interesses momentâneos, gozando assim de um certo estatuto nos corredores do futebol que em nada tem beneficiado o Belenenses. Para além disso, tem um problema estrutural grave, envelhecido, incapaz de olhar as potencialidades do clube. E essa é sem dúvida uma doença que se arrasta por toda a Primeira Liga.

Um clube que é incapaz de captar novos adeptos, mesmo estando num local cheio de estudantes, com muitos jovens, numa zona turística e privilegiada para captar novas receitas. Um clube que continua a exagerar no preço dos bilhetes, mesmo sabendo que terá apenas umas centenas a compor o estádio. Um clube mais preocupado em afastar-se publicamente de Benfica e Sporting, quando os seus verdadeiros rivais os continuam a ultrapassar na tabela, e um clube a quem a palavra Marketing ainda não foi ensinada.
O Belém não está sozinho nesta falta de visão e de falta de responsabilidade perante a comunidade que o tem sustentado. E numa altura que tanto se fala da poluição gerada pelos três grandes, convém não esquecer que são estes clubes que vão andando ao sabor dos ventos verdes, vermelhos e azuis, permitindo momentos inesquecíveis como a proibição do cigarro electrónico, em troca de mais um favor na temporada seguinte. Convém recordar que são clubes como o Belém ou Setúbal (que passa por uma situação extremamente complicada) que permitem as subidas de poder dos chamados grandes, que vão entrando discretamente nas guerras entre rivais, favorecendo uns em troca de outros e com isso aumentando o barulho.
Sei que é sempre muito mais fácil culpar o gigante do que o underdog, mas se o futebol português se encontra tão tripartido, é porque os emblemas mais pequenos o foram permitindo durante anos a fio.

A solução para que deixem de o fazer é aumentar o seu número de adeptos, melhorar os resultados desportivos e conseguir estabilidade financeira. Três pontos muito complicados de concretizar mas que na minha opinião podem começar quando os emblemas se modernizarem (quadros técnicos, administrativos, comerciais, comunicacionais, etc), quando perceberem que devem ser uma força local, servindo as comunidades que os envolvem da melhor forma e recebendo em troca a gratidão das suas vilas, aldeias, cidades ou bairros e cimentando verdadeiramente os seus símbolos e cores, num reforço da sua identidade da forma mais agressiva possível. Não referi o scouting ou questões técnicas, porque acho que nesses campos o futebol português faz reais milagres todos os anos.

O segundo derby da capital está lançado, com algumas considerações que em nada têm que ver com o resultado esperado. Aí contamos com uma vitória do Sporting, claro, para que nos aproximemos do primeiro lugar.

*às quintas, a Maria Ribeiro mostra que há petiscos que ficam mais apurados quando preparados por uma Leoa