Um jogo que começou mal, terminou com um estrondoso rugido de superioridade e de vontade. Do fato macaco ao fato de gala, na noite que Coentrão já merecia e onde foi preciso muita cabeça para somar os três pontos que são um claro manifesto de que, sim, lutaremos até final para sermos campeões. Juntos. No relvado e fora dele!

fábiodost

Aquela fumarada, a fazer lembrar o golaço que Balakov marcou em Alvalade, já lá vão tantos anos que eu só me lembro que foi de pé direito, ao Silvino, 30 segundos após começar uma partida que ganharíamos por 2-0 e que levaria o Iordanov a dizer as primeiras palavras em português «dois zero contra benfica, estar muito feliz». E era mesmo isso que precisávamos: ser felizes.

Mas nunca é fácil ser feliz no Bessa, primeiro porque as panteras costumam vender caras as vitórias no seu terreno, depois porque temos que fazer por isso. E pouco ou nada fizemos na primeira parte. Corremos, é verdade, mas o raio do fato macaco parecia deixar-nos sem capacidade para um rasgo que fosse e que desequilibrasse a partida, mesmo tendo em conta que Podence estava em campo. Acontece que nem Bruno Fernandes se sente confortável a jogar tão recuado e tão próximo de William, nem Bruno César está talhado para jogar encostado a uma linha e com tantos problemas para resolver no meio-campo o Sporting acabaria por fazer 45 minutos iniciais sem profundidade.

Tinha bola, pois tinha, mas fazer coisas bonitas com ela é que não se via. Do outro lado, gente operária, um palerma chamado Simão sempre a atirar-se para o chão (coisas de berço) e um pequenote chamado Rochinha a tentar uma gracinha. Também um valente zero no que toca a criar perigo, até porque a nossa defesa sobrava para as encomendas e um tal de Piccini era o mais inconformado de verde e branco vestido, arrancando, uma, duas, três vezes por ali fora, qual locomotiva com pressa de chegar ao destino, nem que tivesse ele mesmo que tentar alcançá-lo, como tentou na cavalgada que terminou no primeiro remate a sério à baliza do Boavista.

E seria pela direita que começaria a desenhar-se a vitória. Não pela locomotiva, antes por um exímio piloto de kart racing, chamado Podence, que compensou o medonho visual com aquele jogo de pés que deixou o adversário sem saber onde estava o travão e o acelerador. E quando quis sair da curva, o tal do Talocha (prancheta de madeira ou de plástico, com uma pega de um dos lados, que serve para dispor porções de argamassa, estuque, reboco ou gesso numa ou para as espalhar e alisar directamente sobre uma superfície) só teve tempo de olhar para o Fábio a voar, baixinho, para a felicidade.

Ele quase chorou, nós quase chorámos e todos juntos festejámos de mãos fortes segurando a verde e branca do nosso orgulho e pensando que depois de um calvário de dois anos o rapaz merece estes sete ou oito jogos seguidos sem problemas físicos. Por outras palavras, já que nada justificava passarmos para a frente do marcador no último lance do primeiro tempo, só podia ser num momento tão simbólico.

Emancipate yourselves from mental slavery
None but ourselves can free our minds
Have no fear for atomic energy
‘Cause none of them can stop the time

Não estive lá, mas quase aposto que, ao intervalo, Jesus se limitou a deixar correr a voz de Bob Marley (também pode ter sido na versão de Eddie Vedder, que o raio de cena que sentes cá dentro é a mesma). E foi com aqueles históricos acordes de guitarra que o Sporting veio para a segunda parte, pegando no jogo como se dele dependesse a vida e cavando uma tão grande diferença para o opositor que o que se passava no relvado ficava ao nível do festival que os adeptos verde e brancos davam na bancada.

Podence deixava Dost na cara do redes, mas o holandês preferia passar a Bruno Fernandes e nós esgotávamos o stock de palavrões. Depois entrariam Acuña e Battaglia e ainda sem se sentir o impacto das substituições o Sporting chegaria ao 0-2: canto cobrado pelo argentino (ups, queres lá ver…), fantástico desvio de Matthieu, bola no poste e Bas Dost a redimir-se e a marcar. «Há muito tempo que não fazia um golo tão merdoso como este, mas adorei!», diria o 28 na press, mas antes de chegarmos às entrevistas rápidas tivemos que sofrer para voltarmos a ser felizes (ou não fôssemos Sporting).

Coates, que nos últimos jogos tem mostrado surpreendentes dotes técnicos, deu-se mal com a tentativa de sair a jogar em finta, perdeu a bola à entrada da área e desse lance surgiria o primeiro e único remate do Boavista à baliza. Eu gritei “fora de jogo!” mesmo antes de ver a repetição e continuo a achar que Mateus estava adiantado, mas a verdade é que o lance foi validado e o jogo relançado.

Bola ao meio, livre contra o Boavista, Matthieu volta a subir ao segundo andar e Dost troca o golo merdoso por uma finalização de classe, à verdadeiro ponta de lança, e festeja com a certeza de que o jogo tinha terminado ali e que o Sporting tinha alcançado uma vitória que não deixa margem para dúvidas! Uma vitória que é um claro manifesto de que, sim, lutaremos até final para sermos campeões. Juntos. No relvado e fora dele!

We forward in this generation
Triumphantly
Won’t you help to sing
These songs of freedom?
‘Cause all I ever have
Redemption songs
Redemption songs