Na montanha russa que é esta coisa de ser adepto do Sporting, passámos do traje de gala, utilizado frente ao Marítimo, para um oleado feio e gasto utilizado para desentupir esgotos. E frente a um adversário inferior, mas de dentes cerrados e tacticamente arrumadinho, foi preciso chamar dois especialistas para conseguir regressar à superfície com o sentimento de dever cumprido

brunopiedade

“Tende piedade de nós, que aqui estamos a dedicar duas horas da nossa vida a um jogo tão paupérrimo…”. Fazendo um trocadilho com o nome do adversário, este poderia ser o pensamento de milhares e milhares de adeptos leoninos ao intervalo. Numa noite desagradávelcomamerda, num estádio friocomoraioqueoparta, tudo o que queríamos era uma equipa que nos aquecesse a alma, mas quando se viu o onze inicial deu para desconfiar.

Battaglia, Bryan Ruiz; Acuña, Bruno César, Podence e Doumbia, ou seja, do meio-campo para a frente só podíamos esperar que dois homens, pequenos em tamanho mas reguilas em espírito, acelerassem o jogo. E foi mesmo isso que aconteceu. Só quando o Daniel e o Seydou se mexiam é que a equipa se mexia, guardando o ritmo de recuperação activa numa passadeira a chiar para o resto do tempo. Pior, os gajos que andavam a passo, insistiam varias vezes em cruzar bolas para uma área onde tínhamos gente grande em vontade, mas pouco dada a disputas aéreas.

Isto, face a uma equipa arrumada e aguerrida, preparada para meter a bola cá de trás lá na frente em meia dúzia de toques. Complicou e não foi pouco. Tanto que, ao longo da primeira parte, pertenceram ao Cova da Piedade as duas melhores situações de golo, com a bola a bater nos ferros da baliza (Hugo Firmino esteve quase a fazer o golo de uma vida) de um Patrício que chegaria ao final do jogo gelado, com um golo sofrido e sem ter que fazer uma defesa.

E entre os assomos de emoção do Piedade, lá foram os tais dois aceleras tentando agitar a coisa. Doumbia foi o primeiro a rematar, Podence faria o mesmo e lá foram os dois, uma e outra vez, tentando abrir a lata ou lançar companheiros que caiam sozinhos como chegou a acontecer com Bryan Ruiz quando tinha tudo para acertar na baliza. «A beleza é passageira, mas feiúra é um bem que a gente tem pra vida inteira»

Não faço ideia se Jorge Jesus avançou com um rap ao intervalo, muito menos se é fã de Gabriel o Pensador, mas que lá na sua cabeça também passou um “já chega”, lá isso passou. Deixou Bryan e Bruno César a tomar banho (até quando vamos ter que levar com o chuta chuta a jogar na ala?) e mandou Bruno Fernandes e Bas Dost lá para dentro. «A mulherada gostava, a natureza foi sábia, ele perdia em boniteza mas ganhava na lábia», ou o mesmo será dizer que este Sporting feio não chegou a ser bonito, mas pelo menos, ganhou intensidade.

E desse aumento de intensidade e de vontade nasceu o golo. Bruno Fernandes, ele que tanto tentou frente ao Marítimo, foi recompensando com um ressalto na perna do adversário que fez a bola ganhar um efeito incrível e entrar na baliza. Mas haveria mesmo tempo para a festa da Taça, com um penalti manhoso, daqueles que só acontecem em jogos nossos, e que permitiu à equipa da margem sul festejar e ter a sua recompensa pelo esforço.

Um esforço que tinha sido grande, tão grande que não mais o Piedade foi capaz de chegar lá à frente. Doumbia e Dost fizeram brilhar o redes adversário e o holandês cumpriu mesmo o seu habitual plano de jogo: depois do aviso, levas com o tiro na testa. E assim foi, a 15 minutos do fim, aparecendo com toda a calma a ajeitar a redonda para o fundo da rede, sem direito ao habitual sorriso aberto. No fundo, ele sabia que seria feio até final, com os últimos minutos em contenção e circulação, aquela coisa a que também se chama pragmatismo para confirmar a meia final da Taça de Portugal e continuar em todas as frentes.

Foi bonito? Não, foi horrível. Mas pelo menos dá para cantarolar «… o feio não vacila, o feio corre atrás e corre na frente, é valente, chega junto; um feio inteligente nunca fica sem assunto, já o bonito é diferente: confia na beleza e fica meio… diz, displicente»