Durante o serviço militar, Mário Moniz Pereira praticou natação, esgrima, equitação e tiro; depois, destacou-se no voleibol, onde também foi campeão nacional, mas também se aventurou no futebol, no ténis, no basquetebol, na ginástica, no ténis de mesa ou no hóquei em patins. Em resumo, fez um pouco de tudo no desporto, mas ainda hoje é recordado como o Senhor Atletismo, pelos inúmeros campeões que lhe passaram pelas mãos enquanto treinador: ainda era praticante e já orientava alguns dos melhores atletas.

Moniz Pereira era um adepto do treino. “Só há uma coisa comum a todos os métodos de treino: treinar todos os dias. Treino todos os dias com quaisquer condições atmosféricas. Num terramoto? Se isso acontecesse, só tínhamos de correr sempre para baixo, em direção ao centro da terra”, costumava dizer. Mas pensava assim numa perspetiva mais alargada: queria provar a tudo e todos que os atletas portugueses eram tão bons como os outros, desde que pudessem ter as mesmas condições. Ou melhor, a mesma condição: treinar todos os dias.

Foi isso que defendeu em 1972, após a primeira participação (modesta) de Carlos Lopes nos Jogos Olímpicos, onde deixou no ar pela primeira vez a hipótese de haver um semiprofissionalismo. Foi isso que reforçou quando em 1976, após as alterações que se seguiram à Revolução de Abril, o seu atleta de maior sucesso ganhou pela primeira vez o Mundial de corta-mato em Chepstow, no País de Gales. Foi com isso que ironizou quando, no mesmo ano, Lopes conseguiu a prata nos Jogos, perdendo apenas para Lasse Viren na final dos 10.000 metros (“Esta foi a medalha mais barata entre todos os países que estão em competição”, atirou na altura).

Fosse na Seleção, fosse no clube, Moniz Pereira sempre teve como objetivo ganhar em termos internacionais. No caso de Portugal, o ponto mais alto foi o ouro de Carlos Lopes nos Jogos de Los Angeles, em 1984; em relação ao Sporting, e olhando para o plano coletivo, tudo começou com uma surpreendente vitória dos leões na Taça dos Clubes Campeões Europeus de 1977, naquele que foi o primeiro triunfo de um conjunto nacional.

Em fevereiro desse ano, numa pista da formação favorita da “casa” (Educación y Descanso de Palencia), a equipa constituída por Carlos Lopes, Fernando Mamede, Aniceto Simões e Carlos Cabral conseguiu surpreender e somar apenas 15 pontos contra 22 dos espanhóis e 34 dos alemães do LAC Quelle Fürth. E houve uma outra história curiosa da corrida com honras de direto na TVE: na altura em que Lopes caiu no lamaçal de Palencia, Mariano Haro, a principal figura da equipa da casa, decidiu não tirar proveito do infortúnio do português, num gesto muito saudado no final da corrida que acabaria por tornar regra os triunfos europeus dos leões na especialidade: entre 1979 e 1994, o conjunto liderado por Moniz Pereira ganhou mais 14 títulos contando com outros nomes fortes da modalidade como os gémeos Domingos e Dionísio Castro, Paulo Guerra, Ezequiel Canário ou Eduardo Henriques.

No ano seguinte, e depois de sete anos de vitórias do Sp. Braga no setor feminino, o Maratona assumiu o protagonismo na Taça dos Clubes Campeões Europeus de corta-mato e somou a primeira “dobradinha”, ganhando no setor masculino (o primeiro de seis triunfos até 2009) e feminino (o segundo de dez até 2011). Em 2000, a equipa portuguesa voltou a alcançar o feito. Agora, 18 anos depois, seguiu-se o Sporting.

Após um longo jejum no corta-mato, ou por falta de investimento ou por aposta nas provas de pista, o Sporting foi perdendo espaço naquele que tinha sido o grande bastião de Moniz Pereira no clube mas, fruto de várias contratações de primeira linha, voltou a visar o título que chegou em versão dupla este domingo em Mira: no setor masculino, com o reforço queniano David Kiplangat a conseguir o triunfo individual, a equipa que contou também com Rui Pedro Silva, Rui Teixeira, Licínio Pimentel e Bruno Albuquerque ganhou com menos 15 pontos do que os belgas do Olympic Essenbeek; no setor feminino, Jéssica Augusto, Sara Moreira, Inês Monteiro, Svetlana Kudzelich, Sara Catarina Ribeiro e Carla Salomé Rocha terminaram em termos coletivos à frente das espanholas do Bilbao Atletismo Santutxo, com um total de menos nove pontos.

A 31 de julho de 2016, Mário Moniz Pereira morreu aos 95 anos. O Senhor Atletismo, que brilhou em muitos outros desportos, foi também um homem da cultura e que deixou como legado cerca de 120 fados e canções. Entre todas, a mais célebre deverá ser a “Valeu a pena”. A mesma ideia que hoje, provavelmente, iria partilhar.

artigo publicado no Observador