Apareceu sem que poucos ou nenhuns o conhecessem, disposto a resgatar quem gostava das mãos dos terroristas de gravata. O arranha céus estava completamente tomado, grande parte dele saqueado e este gajo, meio anafado e com vontade de puxar um cigarro com toda a calma, força a entrada e diz que vai corrê-los todos dali para fora.

Uns riem-se, mas outros levam aquilo mais a sério e tratam de tentar destruir aquela que começa a ser uma séria ameaça. Não vai a bem, vai a mal, e no momento de negociar uma reestruturação financeira atiram-lhe estilhaços de vidro para baixo dos pés descalços. Do you really think you can stop us, Mr.Cowboy?, perguntam-lhe entre sorrisos trocistas e laivos de superioridade, ao que ele, com os pés descalços e todos lixados, responde com um simples Well,Yippie-Ki-Yay MotherFucker!

A partir desse momento foi aquilo que sabemos. Com o arranha céus limpo, abriram-se as janelas, arejou-se o cheiro a fritos e começou-se a trabalhar. Muito, que o Sporting, assim se chama esse arranha céus tão alto que nos serve de referência estejamos em que parte do mundo estejamos, estava feito em fanicos, o património estava delapidado, as modalidades eram sem abrigo e os sócios contorciam-se na dor de ver uma paixão transformada num bonito excell empresarial, capaz de provocar uma valente erecção a qualquer gestor de topo rodeado pelos amigos que coloca nos poleiros. Pior, esse Sporting, arranha céus centenário, estava em tal estado que já se tinham despachado activos para pagar a conta dos elevadores e se corria o sério risco de ser colocada uma fita na porta da entrada e de nos vermos obrigados a recomeçar quase do zero.

E foi tudo isso que Bruno McClane veio evitar e veio inverter. Mais do que convencer os Sportinguistas a gostar do estilo, o garoto obrigou-os a reconhecer obra feita. Dívida renegociada. Contas controladas. Passivo a diminuir. Modalidades recuperadas e a voltarem a vencer. Um Pavilhão. Escolhas acertadas de treinadores e, na maioria das vezes, uma lógica na contratação dos jogadores, com o Sporting novamente activo num mercado de tubarões onde, inclusivamente, bateu o pé aos tubarões que vivem de comissões. Lutas na Federação, na Liga, na UEFA, vontade de mudar alguns paradigmas, de introduzir tecnologia e de diminuir as jogadas de bastidores. Os adeptos de volta ao estádio e aos estádios ou, se preferirem, o Sporting efectivamente de volta, coisa que não dá o mínimo jeito a quem, durante anos, dizia e escrevia “faz falta um Sporting forte”.

Tudo isto valeu a Bruno McClane um reforçar de poderes nas urnas, seja em eleições, seja numa AG que ainda hoje me soa a forçada e me irrita pela ameaça de demissão encapotada de democracia. Mas esse reforçar de poderes trouxe, também, um reforçar do pior que ele tem para nos dar: a forma como comunica e como, invariavelmente, mata o conteúdo e, pior, a forma como não se coíbe de etiquetar os Sportinguistas que de si discordam apostando numa espécie de “dividir para reinar” (os discursos de abertura das AG são inaceitáveis, as listas no facebook provocam vergonha alheia). O resultado é uma constante clivagem entre quem o segue cegamente e os que se vão cansando desta constante turbulência (sim, o Sporting também é um avião) e que rapidamente são colocados na mesma prateleira daquela minoria que, efectivamente, espera um pequeno deslize de Bruno McClane para o fazer passar de herói a vilão e para lhe desferir o golpe fatal.

E é este pormenor que, pelo menos até hoje, Bruno não conseguiu perceber: que ao transformar quem lhe quer bem e quem deseja que continue a ser presidente do Sporting em inimigos sempre que lhe apetece, tem-se isolado. E o mais recente capítulo desta história foi o abanão final numa incapacidade de aceitar opiniões, de parar para pensar no que tem feito de errado, de perceber que dizer-lhe “discordo de si” não significa estar a dizer-lhe “estou contra si”. Mas é isso que ele ouve e, vai daí, decide abrir a porta do avião e, com as máscaras de oxigénio a soltarem-se e meio mundo aos gritos, pega no microfone para dizer aos adeptos que os jogadores são terroristas e que devem ser atirados borda fora.

Correu mal. Correu muito mal. Correu tão mal que neste dispensável clima de guerrilha, aquele que já foi herói acabou obviamente atacado por todos os que não o suportam (de adversários a notáveis, passando pela comunicação social, foi um verdadeiro banquete) assobiado e, pior, acabou insultado (discordo totalmente) e a escutar alguns dos seus supostos homens de confiança a dizerem que não tinha condições para continuar a ser presidente do Sporting Clube de Portugal.

E a pergunta que fica é mesmo essa: Bruno tem condições para continuar?
A resposta, essa, depende apenas dele.

Tudo o que vier a acontecer, mais do que de resultados desportivos – que se auguram bons ou muito bons em quase todas as modalidades – depende da capacidade de McClane voltar a acender um cigarro e a pensar estrategicamente (coisa que, para mim, também se foi perdendo nesta espécie de máquina de lavar com rotações cada vez mais aceleradas).

Bruno tem que ser capaz de perceber que se as pessoas reagem mal uma, duas, três, dez, vinte vezes a um determinado comportamento e que se esse número de pessoas é cada vez maior, é capaz de querer dizer, ao contrário do que ele pensa e diz sem problemas, que ele não está certo e que os outros não são capazes de interpretar e têm falta de inteligência. Tem que ser capaz de perceber que colocar Leões uns contra os outros mais não é do que dar espaço e força às hienas. Tem que ser capaz de perceber que tinha (tem?) tudo para poder unir os Sportinguistas na sua esmagadora maioria, mas que isso será de todo impossível se continuar a querer que eles se unam mais em redor de si do que em redor do próprio clube. Tem que ser capaz de perceber que, depois de ter lutado para abrir feridas nos adversários que só não são realmente profundas porque vivemos num país controlado por eles, é incompreensível agarrar nos explosivos que sobram e colocá-los dentro do nosso próprio arranha céus.

E é onde Bruno McClane está neste momento. À janela, lá no último andar, com possibilidade de ver tudo o que se passa e com o detonador numa das mãos. Na outra, um cigarro. Entre um e outro bafo, Bruno McClane tem que que decidir como é que vai ser. Se continua calçado e a achar que pode pisar os estilhaços de vidro como nada fossem, ou se avança descalço e volta a sentir-se um de nós. So, what’ll it be, cowboy?