Belíssima entrevista de Daniel Sampaio ao DN.
Dividido entre o lançamento do seu livro Do telemóvel para o mundo, os afazeres profissionais e os últimos acontecimentos em Alvalade, o psiquiatra condena quem diagnosticou uma doença a Bruno de Carvalho, a quem continua a apoiar indefetivelmente, e espera que o presidente tenha encerrado de vez a página de Facebook. Curiosa a forma como valoriza a oposição.

Eclodiu depois de Madrid uma crise em Alvalade após o post no Facebook do presidente a questionar os jogadores. Era uma crise evitável?
Não foi uma grande crise, foi muito barulho por pouca coisa. Há uma peça de Shakespeare “Muito barulho por nada”. Neste caso não foi por nada, mas foi por pouca coisa. Não concordei com o post, achei que foi um erro do presidente, mas foi tudo muito aumentado, sobretudo a parte que me faz falar neste momento ao Diário de Notícias e que tem a ver com a crítica pessoal que foi feita ao presidente no que diz respeito à sua saúde. Quando analisamos a questão do post não temos os dados todos, a dinâmica de uma equipa de futebol, a relação dos jogadores com o treinador e com a direção é algo muito complexo, é preciso estar lá dentro. Mas volto a dizer, o post foi um erro, porque desencadeou a tal crise, seria, portanto, evitável, mas temos que por outra hipótese.

Qual?
Bruno de Carvalho, que muitas vezes aparece como uma pessoa impulsiva, já nos tem surpreendido em certas situações. Por exemplo o caso dos vouchers e depois verificou-se que não foi tão impulsivo como isso. Eu ponho a hipótese, é uma mera hipótese, de que esse post tivesse a função de espicaçar um pouco a equipa. Não foi feito da melhor forma, não foi correto, mas teve um resultado porque a equipa nunca mais perdeu. Aquele post devia ter-se evitado, devia ter havido uma conversa com os jogadores, mas o resultado não foi mau. O que se passou à volta disso… estou muito crítico das reações.

Eduardo Barroso disse que o presidente Bruno de Carvalho estava em burnout. Dias Ferreira disse mesmo que o presidente podia ter algum problema de saúde. Dada a sua especialidade profissional subscreve este diagnóstico?
Não, não subscrevo. Burnout foi dito pelo meu grande amigo e padrinho de casamento Eduardo Barroso. É um termo muito usado pelos cirurgiões, que quando estão muito fatigados dizem que estão em burnout. Significa cansaço e é verdade que naquele período Bruno de Carvalho estava muito cansado, daí a dizer que está doente é um salto que não podemos dar. Burnout significa cansaço e desilusão. Vi alguns sinais de cansaço em Bruno de Carvalho, nunca vi a menor desilusão.

Nem com os resultados?
Nem com os resultados. Espera mais mas tem sempre esperança em dar a volta à situação. Falei com ele ontem antes do jogo com o FC Porto e só pelo telefonema que tivemos percebi que não estava em burnout. Dizia-me “temos de ganhar”, “vamos ganhar”, “tenho total confiança na equipa”. Esta conversa foi uma hora antes do início do jogo. Compreendo que se tenha usado o termo burnout, já os termos perturbação da personalidade, psicopatia, personalidade narcísica… ditos por uma psicóloga e outras pessoas que apareceram na televisão dizendo que tinham consultado livros de medicina eu acho isso lamentável. Não se pode fazer o diagnóstico de uma pessoa sem falar longamente com ela. Eu tenho 40 anos de experiência em psiquiatria e é muito raro fazer o diagnóstico ao fim de uma hora de conversa. Falar de uma pessoa que não se entrevistou clinicamente e por-lhe um diagnóstico… por exemplo outro licenciado em Medicina, o Dr. Artur Torres Pereira, disse que tinha informações de que o presidente estava muito doente. Isto são afirmações gravíssimas porque atacam o homem. A gestão de Bruno de Carvalho é suscetível de todas as apreciações, o homem tem que ser defendido. Custam-me muito ataques à pessoa.

Já disse que não concordou com o post de Bruno de Carvalho. Disse isso ao presidente?
Todos nós lhe dissemos isso.

E qual foi a reação?
A reação foi retirar a sua página de Facebook, isso significa que ele pensou e espero que retire de vez, pois já uma vez tinha prometido retirar e não retirou. Espero mesmo que retire de vez, não é uma boa forma de comunicar com os sócios, teve alguma utilidade nalgumas questões mas não é a melhor forma.

Pensa que Bruno de Carvalho pisou uma linha ou como os resultados foram bons há a possibilidade de haver uma reincidência?
Espero que não reincida e ponho a hipótese de ter sido uma questão tática. De qualquer forma há uma linha que é a crítica técnica aos jogadores e essa linha não pode ser passada. Quando um presidente faz isso está a entrar num terreno que não é o melhor. Penso que o pode dizer. Lembro-me de João Rocha entrar no balneário e criticar os jogadores, espicaçar. Em síntese, houve um erro, foram muito aumentadas as consequências desse erro e esse erro está ultrapassado. Espero que não haja mais página de Facebook, que os jogadores comuniquem diretamente com o presidente e vice-versa.

Foi uma das pessoas que tentou convencer Bruno de Carvalho a deixar o Facebook?
Nós temos-lhe dito várias vezes para não utilizar esse meio.

Nós quem?
Não vou entrar em nomes, mas há um grupo de pessoas próximas de Bruno de Carvalho. O importante que ele perceba é que não se pode responder sempre. Não é só o Facebook, é também a televisão e os jornais. Quando o meu irmão foi eleito Presidente da República em 1996 teve uma frase que disse assim: “Não há portugueses dispensáveis.” Eu já era um psiquiatra conhecido, andava na rua e uma senhora veio ter comigo. “O seu irmão disse uma coisa gravíssima, disse que não há portugueses dispensáveis. Então e os toxicodependentes?”. Eu respondi que os toxicodependentes se devem tratar mas não são dispensáveis. Contei depois esta história ao meu irmão, que teve um trabalho importante junto da toxicodependência. Isto tudo para dizer que Bruno de Carvalho tem de perceber que não há sportinguistas dispensáveis, mesmo aqueles que o criticam. Isso implica uma posição de ser o presidente de todos os sportinguistas. Discordo que ele tenha dito que haja sportinguistas e sportingados. São todos sportinguistas, uns são apoiantes, outros não são apoiantes. Numa organização como o Sporting, com o número de adeptos que tem, haverá sempre pessoas que não concordam com ele e ele tem que perceber isso e conquistar cada vez mais pessoas para a sua causa e para o seu trabalho para ser cada vez mais o presidente de todos os sportinguistas. Se ele interiorizar isso um bocadinho este ponto de vista não responderá imediatamente a todas as coisas, algumas profundamente injustas. O local para falar é nas Assembleias Gerais.

E está confiante de que Bruno de Carvalho vai mudar a sua postura?
Acho que a notícia da queda de Bruno de Carvalho foi manifestamente exagerada. Bruno de Carvalho não vai cair, a minha esperança é de que faça o seu mandato até ao fim. As pessoas dizem-me uma coisa interessante “Grande presidente, dos melhores que o Sporting teve”, isto dizem as pessoas mais velhas. Os mais novos dizem “Grande presidente, está a fazer boas coisas, mas tem um feitio… é impulsivo, comete erros”. O que eu digo a esses sócios é: “Preferem ter um presidente muito querido, muito simpático, mas que não faça obra ou preferem um presidente polémico que faça obra?” O que se passou de 2013 a 2018… só posso dizer que fez um trabalho extraordinário. O Sporting estava para fechar. Em reuniões dos órgãos sociais em 2013 várias vezes não havia dinheiro para pagar a água e a luz. Isto é real e pode ser dito hoje. Isto era constante e depois o Sporting estava em 7.ºlugar e mudava constantemente de treinador, não falando nas modalidades que praticamente não existiam. Isto não é uma questão de dívida, os sportinguistas não devem nada a Bruno de Carvalho.

Bruno de Carvalho falou em falta de gratidão dos adeptos.
Isso é a pessoa que sente pessoalmente, essa não é a maneira correta de analisar a situação. Ele fez o seu dever e fê-lo bem, de uma forma extraordinária. Equilibrou o clube financeiramente, as modalidades subiram, fez-se o pavilhão e a equipa de futebol ganhando a Taça da Liga, a Taça de Portugal e disputando o campeonato até ao fim tem que se considerar a época como positiva.

No dia a seguir aos assobios ouvidos ao presidente no jogo com o Paços de Ferreira…
(interrompe) mas os assobios e os lenços brancos foram completamente manipulados. Os lenços foram distribuídos, estava lá perto e há imagens de como tudo foi feito. Aquilo corresponde a um setor da oposição que resolveu aproveitar a oportunidade.

Quem comanda esse setor?
Não sei, mas é oposição a Bruno de Carvalho e acho lindamente que haja oposição. A oposição foi humilhada nas eleições de 2017, na qual fui mandatário de Bruno de Carvalho.

Hoje seria novamente mandatário?
Se fosse hoje seria.

O presidente da Mesa da Assembleia Geral (MAG), Jaime Marta Soares, após os assobios dos adeptos ao presidente no jogo com o Paços de Ferreira garantiu que estavam “esgotadas as hipóteses” de manutenção da atual presidência. Mas até hoje não disse mais nada…
Muito bem, fácil de perceber, teve um gesto impulsivo. Criticam tanto Bruno de Carvalho pela impulsividade e esse foi um gesto impulsivo e foi um erro. Se os sportinguistas pensarem o que eu e Eduardo Barroso fizemos em 2013, limitámo-nos a dizer que a situação era muito grave e tinham que ser encontradas soluções, não fizemos ataques pessoais a Godinho Lopes. Eu falei com os bancos e os bancos, BCP e BES, não queriam dar nem mais um cêntimo. O Sporting estava a falir. Godinho Lopes e Nobre Guedes tinham um PER como se fosse uma empresa falida. A situação era muito grave. A MAG disse aos sócios que a situação era grave e tinham que ser encontradas soluções e os sócios fizeram um requerimento para uma AG de destituição e a MAG limitou-se a conferir as quotas e o cartão do cidadão dos sócios. Depois os órgãos sociais demitiram-se mas a AG estava convocada. Um presidente da MAG representa todos os sócios. Na minha opinião o presidente Marta Soares podia ter pedido aos sócios para se pronunciarem. Mas disse que o presidente se devia demitir. Não devia tomar partido, isso foi um erro. O Sporting não pode passar a vida em Assembleias e eleições, o clube precisa de estabilidade. Do meu ponto de vista foi um erro o presidente do MAG ter posto a hipótese de demissão do presidente do Conselho Diretivo. Nunca o poderia fazer, nunca dissemos isso sobre Godinho Lopes publicamente. A MAG tem é que dar voz aos sócios que por sua vez têm um caminho estatutário a seguir. Pedem uma AG de destituição, estão no seu direito. Eu acho que essa AG não faz sentido mas é um direito da oposição, que foi humilhada em 2017 e novamente derrotada em fevereiro de 2018. Recolham assinaturas e peçam uma AG de destituição. Eu estou contra mas é um direito dos sócios.

Se isso acontecer vai à AG colocar-se ao lado de Bruno de Carvalho?
Se nada de diferente se passar, que no futebol é tudo muito rápido, estarei nessa AG a defender a continuidade de Bruno de Carvalho até final do mandato. Depois logo se vê se se recandidata. Deixe-me fazer um apelo, tivemos uma grande vitória com o FC Porto, uma vitória que veio no momento “X”, no momento que devia ter vindo. Foi bom depois desta crise ver os jogadores unidos, ver o estádio a aplaudir com entusiasmo, ver o presidente a não ser assobiado e muito curiosamente se fotografarmos e filmarmos o banco do Sporting quem era a pessoa mais calma? Bruno de Carvalho. Existe em Bruno de Carvalho alguma pressa em responder mas não pode ser dito que seja uma pessoa que não sabe o que está a fazer. Quando se diz que uma pessoa está doente significa que não sabe o que está a fazer e quando se insinua que há um problema psiquiátrico sem falar com a pessoa mais grave é porque não há maior estigma que a doença mental. Como professor catedrático de psiquiatria acho isso uma coisa lamentável e farei tudo para acabar com esses falsos diagnósticos

Voltando a Jaime Marta Soares, pensa que tem condições para se manter como presidente da MAG?
Penso que sim porque não prevejo nenhuma AG sangrenta nos próximos tempos.

A coabitação com Bruno de Carvalho é possível?
Evidentemente que é difícil, mas acho que a bem do Sporting Bruno de Carvalho devia reconhecer junto de Marta Soares o erro do facebook e Marta Soares devia reconhecer o erro do pedido de demissão. As pessoas falam sobre o “estranho silêncio de Marta Soares”. Para mim foi uma pessoa que refletiu. Eu sei que ele falou com o Conselho Fiscal e Disciplinar, sei que falou com vários sportinguistas, falou comigo também.

Pode revelar o que Jaime Marta Soares lhe disse?
Disse-me que a situação estava difícil, era preciso que os sócios se pronunciassem e eu respondi-lhe que os sócios podem pronunciar-se sempre mas que, na minha opinião, não era o momento. E a seguir houve um silêncio. Que foi bom, foi de ouro. Foi muito bom que durante 15 dias Bruno de Carvalho e Jaime Marta Soares estiveram em silêncio.

Estão condenados a entender-se?
Acho que sim, estão condenados a entender-se.

José Maria Ricciardi retirou o apoio ao presidente e, consequentemente, há quem tema pela saúde financeira da SAD. Há razões para alarme? O reembolso do empréstimo obrigacionista vai ser adiado em seis meses…
Sei que isso está a ser tratado, o meu filho mais velho, João Sampaio, é o presidente da AG da SAD. E tenho confiança porque não é possível que a situação esteja pior do que em 2013, aí havia uma situação completamente desesperada. Sei que há questões que estão a ser resolvidas, como o empréstimo obrigacionista, e tenho toda a confiança que a AG da SAD resolva o problema.

Mas é natural que os sportinguistas associem uma potencial fragilidade financeira à retirada de apoio de José Maria Ricciardi a Bruno de Carvalho?
Conheço muito bem José Maria Ricciardi e tenho estima pessoal por ele. Penso que José Maria Ricciardi não gostou do que se passou, não penso que fosse uma razão financeira a pesar na sua saída do Conselho Leonino, que, aliás, é um órgão de completa inutilidade. Sou completamente a favor da extinção do Conselho Leonino, não serve para nada, é uma feira de vaidades, em que as pessoas gostam muito de falar para os jornais.

Como viu o surgimento de potenciais candidatos à presidência do Sporting? Rogério Alves, Bruno Conceição, Pedro Madeira Rodrigues…
(interrompe) João Benedito, que aparece sempre… a minha opinião é que não vai haver eleições neste momento. Quando for a época eleitoral darei a minha opinião sobre os candidatos. Dos nomes que surgiram o único que conheço pessoalmente é o Doutor Rogério Alves, por quem tenho estima. Mas não disse nada. João Benedito não disse nada. Mas, como já disse, a notícia da queda foi manifestamente exagerada, Bruno de Carvalho não vai cair nos próximos tempos e acho que vai cumprir o mandato até ao fim e dentro de três anos vai reequacionar se deve recandidatar-se e eu, nessa altura, darei a minha opinião.

Bruno de Carvalho prometeu dois títulos nacionais de futebol neste mandato?
Sim, é verdade, não sei se o vai conseguir, é muito difícil ganhar um campeonato nacional, mas se ganhar a Taça de Portugal salva a época no futebol, porque as modalidades estão muito bem.

Como viu o comportamento de Jorge Jesus durante este processo?
Muito bem, excelente comportamento, noção exata do que é ser treinador de futebol, muito ao lado dos jogadores, não falando da crise diretamente mas mostrando que era fundamental estar ao lado dos jogadores. Tenho muita consideração por Jorge Jesus, acho que é um bom treinador mas fiquei agradavelmente surpreendido.

Superou as suas expectativas?
Sim, superou porque teve capacidade para falar sempre, nunca se negou a falar mas nunca falou demais nem de menos, falou o essencial.

Ao colocar-se ao lado dos jogadores, Jorge Jesus não está um bocadinho contra o presidente?
Não, acho que se pôs do lado dos jogadores. A ideia de que o presidente está contra os jogadores e os jogadores contra o presidente… pode ter havido um período de dificuldade, não o nego, mas não penso que isso vá resultar. E temos um tónico fundamental que foi a vitória contra o FC Porto. Godinho Lopes dizia-me sempre “Daniel, isto está muito mal, mas se a equipa começar a ganhar vai tudo melhorar”. O problema é que a equipa não ganhava. Teve pouca sorte, se a equipa tivesse ganho as coisas tinham melhorado. A vitória de ontem (quarta-feira) é um tónico para resolver os problemas.

É a favor de que Jorge Jesus permaneça e cumpra o ano de contrato que lhe resta?
É um treinador competente, sabedor, que esteve muito bem na crise. Sobre a continuidade devo dizer que não conheço a relação de Jorge Jesus com os jogadores e como psiquiatra e psicoterapeuta a relação humana é para mim o mais importante. Após a Taça de Portugal deve-se analisar a continuidade. Do ponto de vista da competência, a minha resposta é sim, do ponto de vista da relação não sei como estão as coisas.

Não teme que esta crise leve os jogadores do Sporting a quererem sair no final da época?
Essa crise está ultrapassada, vai é ser difícil manter todos porque temos grandes jogadores mas a maioria vai ficar.