Olhar para o rosto desiludido da minha filha e não saber o que dizer-lhe. Todos os dias, repito, todos os dias, ela me pergunta se um de vocês já saiu. Pergunta quem é que vai ficar. Eu tento contornar as coisas, tento pegar-lhes pela rama, tento dar-lhe a notícia como se de algo normal se tratasse e, acima de tudo, tento não ferir demasiado aquilo que para mim, aos 41 anos, continua a ser essencial: a ligação aos atletas.

Digo a todos os meus amigos, conhecidos, vizinhos de bancada ou de redes sociais, que podem meter a conversa dos zero ídolos no lugarinho mais seguro que tiverem, tal como aquelas frases feitas e fanfarronas de que estão ali é para ver o Sporting e não determinados atletas. Não pode haver maior falácia. Seja em que modalidade for, é a identificação com a forma como um atleta defende a camisola do Sporting que nos aproxima ainda mais do clube e da equipa; é imaginar-nos lá dentro, ao seu lado com ela vestida, que nos alimenta a paixão.

Foi essa minha paixão que vocês acabam de ferir a sério e, pior, sãos os adeptos mais pequenos, como a minha filha, que vocês estão a trair da forma mais ordinária possível. Para os adeptos mais jovens, fica a tristeza de perder um ídolo com as suas cores, embora depressa consigam perdoá-lo ou substituí-lo. Para mim e para os leões e leoas mais cansados, fica um sentimento de que, afinal, nós não merecemos uma ponta de esforço no sentido de ultrapassar uma determinada situação.

Pior, rapazes, fica um enorme sentimento de traição e o murro no estômago de ver-vos agir de forma concertada, fria, metódica, calculista.

Obviamente que só um pateta achará que vocês rescindiram ontem ou há uma semana. Há muito, mais precisamente desde a final da Taça de Portugal, que informaram o clube da vossa intenção de sair e deram espaço a que existissem negociações para transferências. O problema é que, nesses entretantos, vocês aceitaram ser parte de uma jogada de empresários e de sindicatos onde, veremos mais à frente, poderá estar envolvido outro clube português. Aliás, não podemos esquecer que, por exemplo, Ricardo Nascimento, presidente da Comissão Arbitral Paritária (CAP), o órgão que deverá confirmar a rescisão de Rui Patrício e Daniel Podence, pediu a demissão enumerando várias razões para a sua saída, entre as quais a possível existência de um conflito de interesses de outro elemento da CAP – Madalena Januário –, que é sócia do escritório de advogados que colabora com o Sindicato de Jogadores e que deu apoio jurídico aos futebolistas leoninos.

Ontem, quando ouvia ser colocada a pergunta “será possível os jogadores voltarem atrás”, dei por mim a cortar o cordão umbilical convosco.
Contigo, Rui, símbolo maior do meu clube; único até hoje a fazer-me ter vontade de abandonar Alvalade mais cedo em protesto pela forma como te assobiavam; donos das luvas que foram a primeira prenda personalizada para a minha filha quando ela estava internada no hospital e dizia que dali sairia para defender como tu. Sei que daqui a dois meses, quando a bola chegar à nossa baliza, vou sentir um vazio por não poder gritar o teu nome, mas será bem mais pequeno do que o vazio que sinto agora.
Contigo, Dost, aquele que eu via como guerreiro maior, o desengonçado que me dava abraços mesmo sem me abraçar, o latagão que se havia apaixonado pelo meu clube.
Contigo, William, a versão Academia desse craque chamado Fernando Redondo, o gajo que eu defendia com unhas e dentes como sendo um dos melhores do mundo, mesmo quando jogavas como se fosses um dos piores cá do burgo.
Contigo, Bruno, aquele a quem eu e tanto colocámos imaginariamente a braçadeira de capitão e que nem esperou pela possibilidade de usá-la quando tudo o que pedíamos era que alguém a assumisse e nos convidasse para a luta a seu lado.
Contigo, Gelson, que sempre foste uma das minhas guerras pessoais e a quem sempre defendi de todas as críticas e assobios.
Contigo, Podence, que sempre exigi que fosses opção e que tantas vezes critiquei o treinador por não te utilizar.

Quem me conhece saberá o que significa e o quanto me dói estar a escrever isto: espero que jamais volte a ser-vos dada a possibilidade de vestirem a camisola do Sporting Clube de Portugal, e isto tanto vale para um regresso à base de chantagem, como para um regresso envolto em juras de um amor interrompido.

E para todos os que ainda cá estão, fica a mágoa, a enorme mágoa, de nem um ter o gesto de se dirigir aos adeptos com meia dúzia de palavras, mais ou menos sentidas, mas capazes de aconchegar um pouco algo tão maltratado…

a seguir: Não esquecerei o que fizeste ao meu Sporting – Cap 2: Os Adeptos»