Depois de semanas a escutar quase sempre os mesmos protagonistas, Carlos Vieira chega-se à frente e dá uma entrevista ao DN. De leitura obrigatória.

O homem forte das finanças do clube e da SAD fala pela primeira vez do impacto das rescisões dos jogadores que alegaram justa causa, garante que a instabilidade deve-se a quem quer tomar de assalto a SAD e incide as acusações sobre José Maria Ricciardi e Álvaro Sobrinho

Nas contas de 31 de março existe um desequilíbrio acentuado entre ativo corrente e passivo corrente, ou seja entre os valores que o Sporting tem a receber (36,6 milhões) e a pagar (164,9) nos próximos 12 meses…
Isso é uma realidade de todas as SAD. Todas elas têm esses desequilíbrios. Sabemos que a venda de jogadores consegue sanar algumas questões. Nas SAD os resultados operacionais costumam ser negativos e depois são compensados com venda de jogadores.

Mas há uma diferença de 130 milhões de euros.
Sim, mas algumas das rubricas no passivo de curto prazo não são pagáveis no curto prazo, são contabilizadas como tal porque a regra é assim.

Quer dizer, então, que a situação está controlada?
Sim, a 31 de março estava controlada mas agora com a perda de alguns jogadores com valor de mercado e que seriam alvo de transações obviamente que dificulta um bocadinho a situação mas estamos a gerir isso.

O presidente Bruno de Carvalho já disse que alguns dos jogadores que rescindiram iriam sair agora. Quanto dinheiro pensava o Sporting fazer com esses futebolistas?
Ao contrário do que fez a SAD do FC Porto nunca divulgámos o orçamento. Divulgar agora valores levantaria um problema com a CMVM. Facto é que nunca nos posicionámos como clube vendedor e ficamos sempre à espera do melhor negócio. Tínhamos o empréstimo obrigacionista e seria feito o revolving, logo aí seriam 30 milhões de euros a pagar a três anos. Numa lógica de estabilidade a situação estaria sanada, não havendo tem havido dificuldades com o empréstimo obrigacionista, os 30 milhões que empurrámos para novembro e a nova emissão que não foi possível e que daria um apoio de tesouraria necessário para que a venda de jogadores fosse uma possibilidade. Vai haver uma redução da massa salarial à partida, uma redução dos custos com pessoal e com a equipa técnica. É ir gerindo isto dentro do possível, da realidade das SAD que nesta altura do verão conseguem sanar muitos das suas dificuldades de tesouraria, de cobertura de resultados de final de ano e de fair-play, o break even para a UEFA. Numa lógica de estabilidade esta lógica estaria colmatada.

E agora não está?
Agora não está. A partir do momento em que temos pessoas com responsabilidades no clube, que é o maior acionista da SAD, a criar instabilidade, a exigir a demissão do presidente do Conselho de Administração da SAD… temos situações em que qualquer parceiro ou CMVM retrai-se com argumentos, porque entende que não estão garantidas as condições de segurança financeira para emissão de empréstimo obrigacionista. Esta é uma situação em que uma pessoa numa primeira fase, muitas pessoas atualmente, refiro-me ao sócio Jaime Marta Soares, levantou uma instabilidade… houve uma necessidade e uma pressão nos tentarem estrangular do ponto de vista financeiro.

Se o Conselho Diretivo não for destituído, segunda-feira o Sporting pode retomar o pedido de empréstimo obrigacionista?
Estamos na linha da frente para o fazer mas a CMVM tem levantado uma série de questões relevantes para o próprio o prospeto para que não surjam questões legais de futuro com os investidores. Não sei o que vai acontecer, nós continuamos a trabalhar.

Mas existe essa indefinição mesmo se este Conselho Diretivo for legitimado na Assembleia Geral?
Pessoalmente penso que se formos legitimados no sábado os senhores que estão contra nós vão tentar arranjar todo o tipo de argumentos para nos dificultar a vida.

Supondo que este clima de tensão termina, o Sporting conseguirá aliviar um pouco a sua tesouraria e retomar a normalidade?
Sim, se houver um recuo de quem tem vindo a atacar o grupo Sporting claramente que não haverá dificuldade em fazer o empréstimo obrigacionista. Vai demorar algum tempo para recompor as coisas, acredito que o consigamos fazer.

4000 pessoas investiram nas obrigações do Sporting cujo reembolso foi adiado para novembro. Se este CD se mantiver pode garantir que esse compromisso vai ser assumido?
Qualquer pessoa que venha para aqui, seja o Carlos Vieira ou outra qualquer, não vai haver dificuldade a para fazer renovação desse empréstimo obrigacionista. Precisamos de estabilidade.

Em dezembro a SAD tinha 12,8 milhões em caixa e equivalentes. Em março esse valor caiu para 7,4 milhões. Caso não tenham entrado receitas adicionais nesta fase o dinheiro em caixa estará pouco acima de dois milhões. Durante quanto tempo é que a SAD conseguirá evitar ficar sem tesouraria?
Não posso confirmar esses valores. Em dezembro havia uma situação pontual de recebimentos até porque estávamos na Champions. Fizemos uma amortização bancária de 16 milhões. Estamos em condições, neste momento, de sanar os nossos compromissos. Mantendo-se esta instabilidade a situação vai ficar complicada. Mas aí ver-se-á a verdadeira fibra do responsável financeiro.

Nos próximos dois meses existe a possibilidade de o Sporting ficar sem dinheiro?
Não acho que isso vá acontecer. Assumindo que as pessoas recuam nas suas atividades, que eu reputo de criminosas, a estabilidade há de vir e permitir-nos-á negociar vendas ou possíveis recuperações de dinheiros de jogadores que saíram. Consideramos que foram ilegítimas e ilegais as rescisões. Nenhum clube vai assumir o risco de contratar esses jogadores sem falar com o Sporting.

Está convicto disso?
Tenho a certeza.

Já foram contactados por alguns clubes?
Esse dossier está com o presidente.

Porque é que o Sporting não informou à CMVM as rescisões unilaterais de Battaglia e Rafael Leão?
Não vou responder, porque entendo que qualquer tipo de resposta pode prejudicar o que está em curso.

Faço a pergunta de uma outra forma. Acredita que algum dos jogadores que rescindiram ainda pode voltar ao Sporting?
Acredito.

Há negociações nesse sentido?
Não vou responder.

O Sp. Braga reclama um milhão de euros que estará, alegadamente, em atraso por parte do Sporting referente à contratação de Battaglia.
Não confirmo valores de transações. Neste momento não temos nada em falta com o Sp. Braga.

Na época passada o Sporting investiu 60 milhões no plantel e teve cerca de 70 milhões em custos com pessoal… vai haver uma redução?
É claro que vai haver uma redução.

Significativa?
Sim, sim a não ser que haja resultados com vendas ou de compensações, que se não for agora será daqui a dois ou três anos, de jogadores que rescindiram unilateralmente.

Quanto é que o Sporting espera arrecadar com os jogadores que rescindiram unilateralmente?
Muitas das coisas vão-se decidir em tribunais arbitrais em que há um modelo de justiça salomónica, os jogadores tinham cláusulas de rescisão, é isso que o Sporting vai pedir.

O BCP anunciou que não vai mais meter dinheiro no futebol. Como é que o grupo Sporting encara esta decisão?
O BCP não deixa de trabalhar com os clubes, teve uma oportunidade de deixar de trabalhar com os clubes. O Benfica sanou os compromissos com a banca nacional, o FC Porto fez o mesmo com recurso a receitas futuras e nós estamos a trabalhar. Qual é a questão? Nós queremos fazê-lo, estamos a fazê-lo a bom ritmo porque consideramos que é uma oportunidade única. Estamos a negociar a possibilidade de num modelo similar fazer uma reestruturação da dívida e aí o BCP tem algum benefício porque já não teria exposição ao Benfica, ao FC Porto e deixaria de ter ao Sporting, se corresse bem.

José Maria Ricciardi diz que o Sporting ou quem se candidatar precisa, pelo menos, de 60 milhões de euros…
Essa é uma verdade de La Palice. O revolving de 30 milhões mais o empréstimo de 15 a 20 milhões e mais uns pozinhos e chegamos aos 60 mihões. O grande inconveniente é que eles sabendo isso estão a tentar-nos estrangular ao máximo para depois porem o pé cá dentro. O sócio José Maria Ricciardi foi convidado e aceitou a pertencer uma comissão do conselho leonino para assessorar o clube na pesquisa de novos mercados e para isso teve acesso a um conjunto de informação confidencial. Ele sabe o que está em curso, fez uma proposta para colaborar com o Sporting e que foi recusada. Percebeu que estava posto de lado e não ia comer uma fatia da tarte. O que está aqui em causa é o conhecimento ilegítimo, ele oferecia-se para ajudar… teve acesso a um conjunto de informação que hoje lhe permite gerir suscetibilidades para tentar por o pé cá dentro e voltar àquilo que eles próprios degradaram até 2013. É um abuso, um oportunismo e um crime.

Diz-se que José Maria Ricciardi teve um papel no apoio a este Conselho Diretivo na reestruturação financeira de 2013 e a Holdimo abdicou de passes de 23 jogadores a troco de 20 milhões de euros em ações que factualmente hoje valem menos. São relações insanáveis?
O Dr. José Maria Ricciardi pouco ou nada teve a ver com a reestruturação financeira. Esta teve um rosto no BES, Joaquim Goes, e um rosto no BCP, Miguel Maia. O presidente já disse o que ele se comprometeu a fazer quando foi contratado Jorge Jesus e nunca chegou qualquer tipo capital, seja ele do que fosse. O Dr. Álvaro Sobrinho arranjou 20 milhões de euros, numa situação de perigo iminente, no tempo do Eng. Godinho Lopes e apoderou-se de uma série de passes. Quando aqui chegámos tínhamos ativos zero, ninguém ajudou ninguém. Se hoje conseguíssemos a reestruturação financeira e estabilidade os 20 milhões do Dr. Álvaro Sobrinho seriam claramente ultrapassados e compensados. Fizemos uma proposta de recompra mas ele nunca respondeu. Uma SAD portuguesa se não tiver o controlo do clube vale para cima de 200 milhões de euros. Queremos garantir o controlo da SAD porque é aqui que está o poder da marca Sporting e dos sócios. Agora há o discurso de que em Inglaterra há os magnatas… o discurso está todo montado, entra aqui alguém, mete uns dinheiros e mais tarde vende isto por uma mais valia tremenda.

Vamos ser claros, sem este CD o clube arrisca perder a maioria da SAD?
Neste momento o que se está a passar é um conflito entre a base dos sócios e uma elite que quer ganhar dinheiro com isto tudo.

No âmbito desta segunda reestruturação financeira confirma um acordo com uma entidade internacional para comprar a dívida do Sporting?
Confirmo.

E em que ponto está?
Estamos a trabalhar, com grandes dificuldades porque nenhuma entidade financeira que se repute de credível tem interesse em ter negócios com uma entidade… o processo está a continuar e estamos a trabalhar. E se eu sair de cá amanhã o processo fica cá e serei bastante atento se se manterá esse ou se irá negócio para outra entidade qualquer com interesses de pessoas que estão a atacar o Sporting neste momento.

Se porventura os sócios votarem a favor da destituição este CD, ou pelo menos parte dele, pensa ir a eleições?
Tenho energia e força mas estou muito frustrado com o que se passa. Acredite que é duro estarmos a trabalhar para os sportinguistas e haver alguns sportinguistas que formam a elite e se arroga legítima herdeira do Sporting. Não sou arrogante e os sócios decidirão no sábado.

Vão aceitar a decisão dos sócios?
Não vou falar sobre isso. Tenho a minha consciência pessoal e profissional, acho que fizemos um bom trabalho, até alguns que depois saíram e alguns compreendo. Não vou falar sobre o futuro, estou focado em resolver esta instabilidade financeira. Sábado os sócios devem votar em consciência e perceberem o que está em causa e o que está em causa é um assalto ao poder. E se formos legitimados no sábado nada nos diz que dentro de seis meses não acontece o mesmo.