Votei contra a destituição e fi-lo por temer, acima de tudo, o regresso de velhas políticas de gestão ao Sporting. A grande maioria dos sócios quis outra coisa, o que não é necessariamente igual a ter desejado que acontecesse aquilo que eu e muitos temiam. Ainda assim, agora não é o tempo para apontar dedos nem para clamar razões prévias. De nada serve empurrar as culpas para cima de um divisionismo já demasiado acentuado, procurando nos “outros” os pecados cometidos por quem dirige agora os destinos do clube e da SAD.

Em democracia, temos de saber aceitar a vontade da maioria e não deixar tomar forma enclaves de isolamento ou resistência. Se alguma coisa pode ser útil é o debate e o confronto de ideias. Exponho as minhas, não para contestar o poder ou a legitimidade para tomar decisões, mas para contestar as ideias e tentar que as minhas pareçam mais viáveis. Se todos debatermos as ideias e os caminhos a que podem levar, aí sim estaremos a ajudar o Sporting. O poder pode ter ideias próprias, mas na sua essência governa segundo uma agenda que tem de ser concordante com o voto e não oposta ao mesmo.

Os sportinguistas destituíram o CD. Legitimaram imediatamente uma Comissão de Gestão que foi mandatada para gerir o clube até à tomada de posse dos novos Órgãos Sociais. Como é óbvio e face ao calendário desportivo, este não podia ser apenas um órgão de transição. Com as eleições marcadas para 8 de Setembro, coube a esta estrutura preparar a constituição de todas as equipas para a nova época prestes a ter início. Se em muitas das modalidades, as secções tem a capacidade de gerir estas contingências, no futebol, a orfandade de liderança é um vazio por ocupar.

O quadro é especialmente grave quando Geraldes, como Team Manager, está suspenso de funções, Inácio tem pouco mais que algumas semanas de trabalho e Bruno de Carvalho, o verdadeiro líder do departamento de futebol profissional, saiu pouco após a AG de dia 23 de Junho. O que seria de esperar e de total bom senso, teria sido no dia 24 de Junho, esta Comissão de Gestão ter imediatamente reconfirmado publicamente Augusto Inácio como director desportivo, dando-lhe o suporte humano e o financiamento possível para gerir a composição do plantel.

Infelizmente e mesmo que ninguém o afirme, há um enorme vulto cinzento que torna quase impossível entender quem está a tomar decisões no futebol do Sporting. Quem decide vender, quem decide o valor da venda? Desde já era obrigatório tornar isto claro. Sabemos que não é Sousa Cintra, mas ninguém sabe muito mais e não vejo razão absolutamente nenhuma para esta informação e correspondente responsabilidade estar ausente do conhecimento dos sócios.

Este porém não é o acto de gestão que mais me preocupa. Longe disso. Assisto incrédulo a como as estruturas que contestaram o anterior CD e se agregaram à volta da MAG e Comissão de Gestão foram rápidas a estabelecer pactos com Jorge Mendes e a delegar tarefas fulcrais em pessoas como Paulo Futre. Como é que isto começa? Como ganhou forma? Como é que sportinguistas, que se presume não terem estado em coma durante 6 anos, imaginaram sequer a viabilidade de chamar Mendes para “ajudar” o Sporting? Em que moldes foi definida essa “ajuda”? O que ganhou como garantia a Comissão de Gestão? Quando se deram os primeiros contactos? E a pergunta fundamental para mim…qual a ligação entre a rescisão unilateral dos jogadores e a “chamada de urgência” a Jorge Mendes?

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Meus caros, isto não é um problema de brunismos ou croquetes. Isto é a identidade do Sporting que está em jogo. Eu não quero entrar no Carrossel Mendes, não quero vender a alma ao diabo, não quero que o meu clube se transforme naquilo em que se transformou o Benfica. Não quero “ajudas” de quem tentou (e parece que até conseguiu) minar todas e quaisquer movimentações de mercado durante épocas a fio. Não quero subjugar-me a poder de majestosas e influentes lavandarias mundiais a troco de mendilhões.

Mas, sei-o agora, já vou tarde. Olhos para os jornais e vejo já a máquina Mendes a operar por todos os cantos. Há novos e inesperados heróis, há relatos de calma e serenidades surpreendentes, há até confianças exageradas no futuro. A imprensa divide-se entre a especulação sobre os problemas financeiros da SAD e os elogios à nova estrutura do Sporting, ou seja, escurecendo o passado e abrilhantando o futuro. Pelo meio fazem-se autênticos atentados à memória coletiva dos adeptos e ignora-se convenientemente que estamos a convidar para nossa casa todos os adversários políticos que fizeram questão de inviabilizar ao máximo a independência do nosso emblema.

Passamos do clube odiado, ao clube de que se tem pena. E, nota importante, por favor alguém que faça parar Sousa Cintra com a cassete do “clube simpático” de “que todos gostam”, não suporto aquilo e dá-me urticária espontânea.

Há forma de travar isto? A minha opinião sincera é: não.

O plano foi desenhado, foi aceite e está em marcha. Apenas um levantamento da massa associativa do Sporting em peso faria algo não decorrer como o previsto e verdade seja dita, nós Sportinguistas, estamos a assistir a tudo sem qualquer capacidade de levar a indignação a mais algum lado que não seja conversa de café e post nas redes sociais. Tememos até que ser contra este plano seja pior que estar a favor do mesmo, indo ao ponto de achar que é preferível ter um Mendes a dar-nos migalhas do que um Mendes contra nós. O problema é o custo futuro das migalhas.

Colocamos todas as esperanças nas eleições, na forma de um novo CD forte, unido, pleno de energia e ideias positivas. O meu receio é que o novo CD possa ser isso tudo, mas com os pactos todos firmados e a alma toda vendida aos “novos amigos”, a margem de manobra será cada vez mais reduzida e quem quer que vença as eleições terá adeptos a clamar por rendições e não por mais batalhas.

E sabem o que mais me chateia? É saber que escrevo este texto e todos os comentários que irão surgir serão sobre a distribuição de culpas, o passado das culpas, quem tem mais e piores culpas. A obsessão pela contabilidade do que já passou, sem qualquer perspetiva de reacção face ao presente e futuro. Tudo envolto numa intensa incapacidade para dialogar além da trincheira, tudo miseravelmente desapegado e desavindo. A luta entre o Sporting Bom e o Sporting Mau muda mãos, muda de caras, muda até de lugares… mas não muda mais nada. Enquanto debatermos com base em dogmas e preconceitos, não escutamos ninguém nem a nós próprios e sinceramente é como correr sem sair do lugar, improdutivo.

No dia que começarmos a conversar verdadeiramente e a expor razões, discutindo apenas as ideias, validando-as ou não, avançaremos e definiremos em conjunto aquilo que queremos, fundaremos as bases para um Sporting mais sólido e sobretudo mais agregador. Não vence este ou aquele. Vencemos todos.

Ideia > Debate > Reformulação > Tese > Confirmação > Solução
Tão simples e no fundo tão complicado.

*às quartas, o Zero Seis passa-se da marmita e vira do avesso a cozinha da Tasca