Assim que ganhou forma, ainda em vésperas da AG de destituição, a Comissão de Gestão firmou um pacto público com os sócios do Sporting. Apresentou-se como uma verdadeira Junta de Salvação com o desígnio máximo de restituir a estabilidade ao clube e por inerência, à SAD. Não importa muito ao caso aferir de toda a sinceridade na proposta, mas sim o facto de ter transmitido sempre a mensagem que vinha fazer oposição ao anterior CD, tanto na forma como no conteúdo, primando por um manifesto de intenções que se anunciava como pacificador e sobretudo em “disrupção com a postura belicista e vingativa” vigente.

Como órgão de transição, demarcou-se (e tinha de o fazer) do olhar para lá de 8 de Setembro, constituindo-se num corpo de decisão que por contingências do calendário desportivo, teria de fazer muito mais do que assegurar a gestão corrente. A verdade é que está diariamente a ultrapassar quer a sua função, quer a identidade com que chegaram ao dia 23 de Junho e à AG. A sucessão de informações que está a ser passada para fora da esfera de confidencialidade do clube e da SAD é assinalável, tanto como a intenção com que a faz. E fá-lo com dois propósitos fundamentais:

1/ Interferir no mind set dos sócios, condicionando o acto eleitoral de dia 8 de Setembro;
2/ Criar um novo paradigma do estado atual do clube e da SAD, facilitando posteriores medidas de gestão, espetacularmente impopulares.

Nem vou ao ponto de estabelecer uma avaliação quanto à origem da motivação para esta “agenda”, o que mais me choca é a incoerência entre o que está a ser feito e o que foi o discurso pré-AG. A pacificação e a “nova proposta” de união ficaram literalmente na gaveta, ao contrário de documentos e informações que saíram das mesmas para entrar nas capas de jornais como o CM e Record ou em prime time na voz de cartilheiros de estações como a CMTV ou TVI24. Isto não beneficia nada o Sporting, mas ajuda sem dúvida a destruir o pouco património de boa vontade que ainda existia quanto à possibilidade de termos algum tempo para respirar, sem escândalos, broncas, casos, problemas, venham eles de onde vierem.

A Comissão de Gestão ao invés de delegar exclusivamente nos processos disciplinares em curso a reunião de informação, optou por transmiti-la à imprensa, fazendo uma espécie e julgamento popular e tácito, sabendo perfeitamente que está a incorrer também ela, nos mesmos comportamentos contra os quais se anunciou como firme opositora. A diferença entre a CG e o passado recente do Sporting é pois, literalmente…nenhuma. O que ainda se torna numa contradição trágica, quando é apenas um órgão de transição que tem poderes institucionais datados à partida. Os estragos que fará, serão literalmente imputados a outrem.

Ao quererem tanto fazer prova dos erros de Bruno de Carvalho e desacreditar a sua vigência, mostram o quão frágil é a confiança do voto que foi expresso na AG, onde a esmagadora maioria votou pelo virar de página. A CG faz-nos assim voltar à página antiga, sucessivamente, como quem insiste que vejamos o óbvio, vezes e vezes sem conta. Isto não se chama pacificar o Sporting, chama-se “programar” o Sporting e para quem tanto se apresentou como a maioria, livre e imune a propagandas, escapa ao bom senso de entender que a tal comunidade também possa entender muito bem o que está e porque está a fazer a CG este verdadeiro “trabalho de sapa”.

Já o disse e volto a dizer, a percentagem de votos de Sportinguistas que optou pela destituição do anterior CD foi um sinal claro dado nas urnas e a leitura que faço (e não estou sozinho) é que houve um cansaço generalizado provocado por um modus operandi que não permitia ao sócios a primazia de um discurso positivo e a serenidade para o desfrutar. Foi quase um denominador comum as expressões “calma”, “paz”, “união”, “democracia” e “respeito pela divergência” usadas como oposição à Direcção anterior. Esta CG está a ser fiel ao que prometeu ou a enfermar exactamente da mesma sede de vingança, manobra propagandística, spin mediático ou restrição de direitos contra o qual foi (dito pelos próprios) constituída?

Será absolutamente estúpido passarmos de um tempo de marginalização de sportingados, para um novo paradigma de ostracização de brunistas. E se o modo anterior foi culpa de BdC, este novo é culpa de quem? E servirá para quê? Para impedir, legitimando um processo disciplinar ou destruindo a imagem na opinião pública, que BdC ganhe as eleições? Os fins justificam os meios? A maioria silenciosa precisa de provas? O poder tudo legitima? Até o poder completamente provisório? Ninguém consegue colocar o Sporting acima da sua própria agenda pessoal? Ninguém consegue entender que amputando o direito à diferença e ao livre-arbítrio, escolhendo virar apenas os papéis entre vítimas e agressores, estaremos apenas a perpetuar os ódios e a ingovernabilidade do clube a curto, médio e longo prazo? Será que a CG está a representar de facto quem a legitimou?

Espero que a história do nosso clube responda afirmativamente a esta questão e que daqui a alguns anos, tenhamos deste momento uma visão de reencontro e não de continuação de desencontro. O universo leonino está ferido e desunido e urge quem consiga restituir a todos nós a ilusão e a materialização de uma construção diferente, que não siga uma lógica de partidarização de um clube de futebol.

*às quartas, o Zero Seis passa-se da marmita e vira do avesso a cozinha da Tasca