Ontem foi dia de arrumar a dispensa e como tal, tive o cuidado de vos preparar um conjunto de petiscos, para ir limpando o inventário de coisas que estão prestes a terminar o prazo de validade. O sabor pode deixar já um pouco a desejar, mas os adeptos de uma acidez extra e um je ne sais quoi de azedo, vão adorar.

Salada murcha
Se me perguntassem no início da época se eu achava que a próxima direção eleita no Sporting ia encontrar a equipa de futebol no 1º lugar da tabela, responderia não. E por várias razões, que começavam pela pouca fé que depositava na capacidade de Peseiro e acabavam na ausência de qualquer tipo de rasgo revelada para trazer para equipa armas fundamentais para, nos momentos piores, fazer crescer a equipa. De então para cá, o Sporting fez bons resultados e exibições entre o razoável e o sofrível. Era difícil pedir mais? Talvez concorde que o trabalho nada tenha sido facilitado pela atmosfera e instabilidade do clube, mas não consigo ultrapassar a ideia de que as fragilidades reveladas na época passada não tenham sido ultrapassadas ou foram mesmo pioradas.

O plantel parece-me desequilibrado. Excesso de soluções no eixo do meio-campo, centrais muito semelhantes, ausência de uma solução verdadeiramente convincente na lateral esquerda, a alternativa ao tipo de avançado que é Dost deixa muito a desejar e apesar de boas soluções nas alas (Acuna, Nani e Rafinha) temos dependido da irreverência de Jovane, mais do que seria aceitável. Ainda assim, há muito que Peseiro possa explorar neste plantel e com alguma imaginação, disciplina e trabalho duro, a equipa pode muito bem ultrapassar o enorme engasgo que é o seu jogo ofensivo e a nítida falta de capacidade física para manter uma pressão defensiva durante os 90 minutos de jogo.

Bacalhau esfarelado
Compreendo a posição de todos os sportinguistas que, apesar de tudo (e foi mesmo tudo) mantêm-se irredutíveis em aceitar um novo status quo no Sporting. Somos livres de julgar e seguir qualquer linha de raciocínio. Desde que essa mesma atitude respeite a dos outros que não têm o mesmo julgamento, estou tranquilo com uma convivência assente no desacordo de ideias e nada mais. O mesmo já não posso dizer, nem estar de acordo, com pessoas que, na premissa de se manterem fiéis a algo, tentam causar dano, suscitando desconfiança e alarme noutros que não partilham das mesmas convicções.

A sucessão de boatos e rumores, factos inventados e teias de conspiração de vão de escada que ocupam o debate leonino nos últimos dias é tudo menos uma luta por convicções ou uma luta por verdade. É terrorismo, igual ao que alguns anónimos fizeram em algumas “casas de pasto”, sem qualquer tipo de proveito ou vantagem quer para o esclarecimento dos sócios e adeptos, quer para a governabilidade do clube. Se na altura fui contra essas baixarias e falta de argumentos, também o serei agora. Se querem derrotar “golpistas” ao menos que não lhes adoptem os mesmos esquemas de difamação e os comportamentos de guerrilha extremista.

Muito menos aceito que os fins justifiquem os meios. Isso seria também aceitar que muito do que fizeram (e mal) a Bruno de Carvalho seria validado pela sua destituição, afunilando tudo no Sporting ao seu próprio resultado. Não quero transformar a nação leonina num antro de conspirações e intriga palaciana e como tal estarei sempre que puder e for capaz de distinguir, do lado da verdade.

Bife sola de sapato
A Comissão de Gestão foi um órgão de transição. Não foi eleito, não teve mandato validado por nenhum sócio, não teve legitimação para ter uma agenda própria. Serviria para manter o clube a funcionar dentro de uma linha de continuidade, em todos os aspectos deveria ter optado por uma descrição máxima e uma intervenção mínima no espaço dos meses em que tinha a responsabilidade de administrar o Sporting.

Há aspectos onde esteve minimamente bem, ou seja, até ver o clube respeitou as suas obrigações financeiras e manteve-se o aparelho a funcionar. Tudo o resto foi manifestamente mau. Desde o excesso de aparições de Torres Pereira e Sousa Cintra, à escolha da CMTV como o canal privilegiado para comunicar, no futebol profissional (que era a única pasta assumida) não houve sagacidade nem arte para dispensar e estará por provar a valia do que contratámos, houve aproximações ao Benfica absolutamente inaceitáveis, a lista do que correu mal, é sinceramente vasta.

Até no campo das rescisões, parece ter havido mais fama do que proveito. O grande legado, assim o dizem os próprios, é a recuperação de Dost, Bruno Fernandes e Battaglia e a venda de William. Quanto aos três primeiros, recomendaria a comprovação de como ficaram os contratos dos jogadores e muito menos acho que a venda de William foi um bom negócio. Depois há que ter em atenção a influência menor que Jorge Mendes tinha sobre estes atletas, contrastando com a atitude de Patrício, Gelson, Podence e Rafael Leão, que curiosamente acabam todos em clubes pertencentes ao “entreposto” Mendes (Wolves, Atlético, Olimpiakos e Lille).

Parece-me que a dita habilidade da CG é um elogio exagerado, quanto muito tiveram a capacidade de se aproximarem correctamente dos atletas e vincar a sua vontade de os recuperar. Mas sublinho que, para atestar da proeza dos resgates, teremos de comprovar o quanto terá custado tal feito ao clube.

Pela minha parte, a CG esteve muito longe do que deveria ter sido e ainda mais longe de conseguir devolver ao candidato vencedor um clube muito mais preparado do que estava nos últimos dias da anterior direcção. Ter muita opinião televisiva a dizer o quão bons foram para o clube convence-me zero e espero que uma vez terminado a função, se reduzam ao papel de vulgares sócios dando-nos o privilégio de os esquecer rapidamente.

Mousse de chocolate-pedra
Não há nada pior do que ter a perfeita noção de que algo está viciado. De que tens desvantagem num processo ainda antes de ele ter início. Este é o estado do futebol português. A recente acusação do caso E-Toupeiras que pesa sobre o Benfica é um vislumbre de esperança, uma pequena luz que se acende e que nos devolve o que já perdemos há muito, ou seja, a firme ideia de que no futebol português, o crime não compensa.

A aflição dos nossos rivais é verdadeira, mas conhecendo o quilate dos dirigentes em causa, tenho a certeza que ainda terão muitos trunfos na manga, alguns deles comprometendo até as mais altas instâncias do poder político nacional. Quem espia árbitros e os corrompe, não demora muito a subir a escada nos alvos, especialmente se a sua sobrevivência estiver em causa. Digo há muitos meses, quanto mais o Estado Português apertar os dirigentes do Benfica, mais sujas e graves serão as suas diligências. O E-Toupeira é toda uma ilustração do que estão dispostos a fazer.

Mas não é hora de ficar a comer pipocas em frente aos ecrãs. O Sporting, tal como todos os outros clubes profissionais, devem fazer a sua parte para levar esta e outras acusações até ao fim que merecem. E não o devem fazer com discursos de “pacificação” ou “confiança na justiça|”. O Sporting (o Porto lá saberá da sua vida) foi dos mais prejudicados pelas vantagens obtidas ilegalmente por estes modus operandi e como tal deve fazer pressão máxima junto de todas as instâncias para que duas coisas aconteçam: a justiça não seja boicotada pelo poder político e que uma vez aplicada seja sem complacência alguma, até na hora da reparação dos danos a terceiros. E são danos muito, mas mesmo muito avultados.

De uma coisa tenha a certeza, fosse o Cashball alguma coisa mais que um coelho envergonhado tirado das cumplicidade e “jeitos” entre CM e Benfica e ninguém teria pena de nós, ninguém teria (e muito bem) problema algum em prender Geraldes, Bruno de Carvalho e todos os visados, dando as penalizações devidas ao nosso clube. A pequena mostra que nos foi dada na revelação deste caso e o impacto que isso teve na queda dos órgãos sociais no Sporting, deveria chegar para que entendessemos de uma vez por todas que os títulos ganham-se no campo e os clubes ganham-se nos bastidores.

Dê por onde der, o Sporting tem de tornar completamente nítido à FPF, Liga, IPDJ, Governo, MP e demais organismos que a confiança em instituições que devem garantir a equidade entre competidores dura enquanto as mesmas levarem essa missão a sério. A partir do momento em que não são garante de nada, não servem e terão de ter uma urgente e obrigatória renovação de responsáveis e titulares. O tempo de afirmar esta postura e esta exigência é agora.

*às quartas, o Zero Seis passa-se da marmita e vira do avesso a cozinha da Tasca