Nunca pensei ser emigrante.
Nasci e cresci em Lisboa, e desde os 5 anos que frequentava o estádio de Alvalade. O plano era simples mas eu adorava: apanhávamos um autocarro verde e branco de dois andares (mais tarde virou laranja) no centro da cidade que parava no Campo Grande, passávamos por uma tasca, paragem obrigatória para o meu tio, e víamos um jogo do Sporting.

O que começou como um programa de fim de semana com um tio avô foi-se tornando numa paixão que dura até hoje. Lembro-me com carinho daquelas tardes de jogos no velho Alvalade. Sentávamos sempre nas últimas filas, porque uma criança não consegue ficar 90 minutos sentada e ali havia espaço para correr e brincar. Anos mais tarde as idas ao estádio passaram a ser programas entre amigos, as primeiras saídas sozinho de pré-adolescentes.

Assim que tive mais vontade própria e algum dinheiro virei sócio. Vibrei com a Taça de Portugal de 1995, o primeiro título que vi o Sporting ganhar, como nunca mais vibrei com nenhuma outra taça. O apogeu veio anos mais tarde com os dois campeonatos ganhos, entretanto já na faculdade, que literalmente pararam Lisboa e o país.
Sempre fui bastante ao estádio, mas a maior fidelização foi a partir da inauguração do Alvalade XXI e com a introdução das gamebox. Desde 2003 que tinha lugar cativo junto com um grupo de amigos, e todos os anos até 2012 passou a ser o nosso ponto de encontro.

Nunca pensei ser emigrante. Mas em 2012 aconteceu! Uma mistura de razões pessoais e profissionais trouxeram-me para um recanto do Brasil, uma pequena cidade no Rio Grande do Sul situada na beira do rio Uruguai, fronteira com Argentina, chamada Itaqui. Ainda continuei com gamebox à distância por mais um ano depois de vir, mas deixou de fazer sentido pagar por um lugar “vazio” (raramente estava vazio, emprestava sempre a alguém).

À distância tudo é um pouco mais difícil: as saudades, as conversas, as notícias, e o sentir o clube da melhor maneira possível – indo ao estádio e partilhando aqueles momentos com 40.000 outros “iguais”. O grupo de whatsapp com os amigos do estádio (e da vida) ajuda bastante para manter a conversa em dia.

Ver o jogo tornou-se um suplício: às vezes dá na TV brasileira, muitas outras não – o que implica sempre a busca do ‘link’ que funcione. O rádio online voltou a ser opção para poder acompanhar o jogo. A diferença de horário tornou praticamente impossível ver jogos das competições europeias, ou os famosos jogos da liga portuguesa à sexta e segunda.

Vou uma vez por ano a Portugal e nessas idas consigo matar saudades do nosso Alvalade. Devo ter ido a uns 3 jogos por ano no estádio, nestes anos já emigrado, o que nem considero uma má média, considerando a distância. O que mais me custa, para além da dificuldade em ver os jogos, é a impossibilidade de votar ou de participar em qualquer decisão do clube – os votos nunca chegam a tempo, e mesmo que chegassem não teria como ter uma assinatura reconhecida por um advogado ou notário português por aqui – o consulado mais perto fica a 700Km.

Outro problema, que só me dei conta desde que vivo fora, é a demora em agendamento dos jogos do Sporting (aí o problema é da Liga Portuguesa) – quando marco passagens para o Natal, por exemplo, só a cerca de duas semanas do voo é que se sabem os dias exatos do jogo – quem vem de longe e precisa de se planear dificilmente o consegue fazer com uma janela tão pequena.

Aqui neste recanto do Rio Grande do Sul, terra de gremistas e colorados, somos hoje 3 sócios do Sporting, um há mais de 20 anos, outra com 8 anos e outro com apenas 3. E mesmo a mais de 9000 Km de distância de Alvalade, os gritos de golo unem-se aos que estão em Lisboa a uma só voz (talvez com um pouco de lag). Viva o Sporting!

POSTAL ENVIADO POR ANDRÉ CRUZ

Longe da vista, perto do coração! é uma rubrica da Tasca exclusiva para aqueles Leões e Leoas que estão a kms e kms de Alvalade e será colocada na ementa sempre que recebamos um postal! Se quiseres contar-nos a tua história, envia-a para [email protected]