Justificar o posto de “uma das principais revelações do Sporting na última década” é algo que persegue o brasileiro Matheus Pereira. Desde os 12 anos em Portugal, o atacante natural de Belo Horizonte convive quase que diariamente com as elevadas expectativas criadas por torcedores, jornalistas e dirigentes.

Até o momento, não explodiu. Aos 22 anos, ainda busca uma sequência de jogos e também um treinador que o diga para “fazer o que sabe”. Nunca completou uma temporada regular com a camisa do time principal dos leões. Já esteve emprestado ao Chaves, onde teve a oportunidade de ganhar destaque no futebol português, e hoje está cedido ao Nuremberg, da Alemanha.

Mas o que Matheus quer mesmo é o Sporting, com quem tem contrato até 2022. Sonha retribuir a confiança recebida ano após ano e, não menos importante, espera apagar a imagem deixada em agosto, quando, pouco aproveitado na equipe, fez um desabafo nas redes sociais e acabou por passar um período afastado do elenco. Dias depois, já no futebol alemão, ainda escutou o antigo treinador José Peseiro declarar que “há jogadores que fogem quando não são titulares”.

Como tem enxergado o processo de adaptação ao futebol alemão?
Estou na Alemanha há dois meses, a língua não é fácil, a alimentação também é diferente. Dentro de campo, por outro lado, já consigo pegar algumas coisas. Estou caminhando bem, aos poucos estou me sentindo em casa. O futebol é muito rápido, né? Não é muito na base da técnica, é mais na base da velocidade e da força, então preciso evoluir um pouco mais para atingir o nível deles. O jogo aqui é mais dinâmico. Preciso de mais ritmo, e para isso preciso jogar. No geral, vejo que estou progredindo positivamente.

O que falta para ter o “boom” na carreira, seja em Portugal ou até mesmo na Alemanha?
Na realidade, todos nós aprendemos a cada novo dia. O que falta, na minha opinião, é um treinador que me dê confiança, que diga para mim o seguinte: “Entra lá e faz o que você sabe”. Falta liberdade. No Chaves [em 2017/18], por exemplo, tive essa liberdade. O Luís Castro, que é muito bom treinador, me deu total liberdade e disse exatamente isso: “Joga e faz o que você sabe. Resolve”. Se receber essa liberdade, acho que consigo mostrar o meu melhor futebol.

Às vezes, de fato, tem treinador que mais atrapalha do que ajuda…
Cada treinador tem um estilo, todos têm características diferentes. É claro que também preciso aceitar e respeitar algumas posições, mas, com a minha idade [22 anos], falta ser visto mais como aposta, falta receber mais confiança e liberdade. Mas estou tranquilo, no momento certo ainda vou estourar como todos esperam.

Como foi – e ainda é – conviver com o posto de “uma das principais revelações do Sporting nos últimos anos”?
Como posso te explicar? Nunca procurei pensar muito nisso, sempre procurei ficar tranquilo e não ligar muito para esse tipo de coisa, caso contrário acabaria por criar muita esperança e, infelizmente, ver o processo demorar a acontecer, ver surgir as frustrações. Sempre tentei não pensar nisso, apenas pensei em desfrutar do futebol. O importante é estar feliz, é ver a minha família feliz. Espero encontrar um treinador que aposte em mim e me dê confiança. Tendo isso, posso dar o salto na carreira, algo que todos esperam, e eu também.

Mas a alta expectativa colocada em cima de você em algum momento chegou a prejudicar?
No início, quando subi para o profissional… Não digo que prejudicou muito, mas teve aquilo que falei antes, acabou por criar uma pequena barreira. Agora, por exemplo, senti que não teria espaço no Sporting, então pedi para sair. Ser visto como promessa, e depois não ser aproveitado, acaba por impulsionar a busca por um novo clube, a busca por jogar. Não dava para ficar encostado no Sporting mais um ano. Ficar parado faz com que a gente mesmo crie barreiras. Poderia muito bem ter ficado no Sporting, tranquilo, esperando o meu momento, mas sou jovem, quero jogar. Quero evoluir. Lá atrás, no início da minha carreira, quando era mais jovem, foi difícil lidar com as altas expectativas que foram criadas, não sabia ao certo o que fazer.

Sente que o Sporting não confia em você?
Não, acho que não é isso. Acho que o Sporting sente muita confiança em mim. Eles, por exemplo, não queriam a minha saída agora, eu que insisti muito para sair. Precisava jogar, precisava ser feliz, não poderia ficar parado e insatisfeito. Sigo achando que acreditam em mim, que confiam em mim, caso contrário já teriam me vendido ou até mesmo forçado uma saída.

Mas, se acredita que há confiança, por que nunca teve uma sequência de jogos, sobretudo depois da boa temporada que teve no Chaves?
[Risos] Olha, gostaria de te responder. Sinceramente, não vou conseguir responder. Quem pode responder isso melhor é quem está no comando. Recentemente, também criei uma pequena polêmica, me expressei pelo Twitter, mostrei insatisfação por não jogar… Mas isso ficou no passado. Por que não tive sequência? É preciso perguntar para quem está no clube. Essa, de fato, poderia ter sido a minha temporada no Sporting, mas não senti o mesmo da parte deles.

Errou ao fazer o desabafo nas redes sociais?
Cada ação tem uma reação. Essa minha atitude acabou por gerar uma situação chata. Mas isso já aconteceu, está lá atrás. Acho que ainda há o que esclarecer, mas isso precisa ser no privado, não deve ser exposto.

Acredita que tem sido injustiçado no Sporting? Há mágoa?
Não posso dizer mágoa ou injustiça, mas foi o que disse antes… No início da minha carreira, todos me colocaram como um talento que precisava de sequência. Na primeira temporada no Sporting [2015/16], até tive uma sequência [18 jogos e cinco gols], mas logo depois foi criada uma barreira. Preciso jogar, preciso ser feliz. Como tive medo de ver tudo acontecer outra vez, de ficar parado, resolvi sair e então fui emprestado novamente.

Você, numa autocrítica, sente que tem parte de culpa pela falta de sequência?
Acredito que não. Sempre fiz o meu melhor. É claro que preciso melhorar em algumas coisas, mas acredito que essa melhora só vem na base dos jogos, com uma sequência. Só é possível enxergar os erros dentro dos jogos. Falta mesmo a confiança do treinador, um treinador com essa mentalidade, alguém que saiba que vou errar, mas que depois vou corrigir e em seguida melhorar. Sou jovem, é normal cometer erros. Aliás, preciso destes erros, porque é errando que nós aprendemos.

Então podemos analisar que o José Peseiro não soube enxergar desta forma…
Também. Acredito que as duas partes poderiam ter feito algo diferente. Talvez eu não tenha entrado com o maior empenho em determinada partida… Enfim, a culpa não é de apenas um. Muita coisa precisa ser melhorada.

Hoje, aos 22 anos, em que nível da carreira se encontra?
Não me vejo num momento alto e nem num momento baixo. Estou em fase de crescimento, ainda estou mostrando aos poucos o que sei. Preciso aparecer mais, preciso jogar mais para atingir o topo. Não estou parado, estou caminhando. Agora é continuar trabalhando, porque com o tempo acho que consigo chegar ao melhor nível.

Está perto de finalizar o processo parar tirar a cidadania portuguesa. Pensa no futuro em defender a seleção de Portugal?
Me sinto mais português do que brasileiro. Portugal me acolheu muito bem, abriu as portas para mim. Graças a Deus, tudo correu bem, sigo crescendo e aprendendo a cada novo dia. Já dei a entrada no pedido de cidadania, mas o processo ainda está um pouco difícil.

Recentemente, teve a possibilidade de ser emprestado para o Santos. Pensa em futuramente jogar no Brasil?
A negociação mais concreta mesmo foi com o Santos. No final da minha carreira, quando estiver mais velho, talvez pense em jogar no Brasil. O futebol brasileiro é muito competitivo, tem a Libertadores… Acho que todo jogador vê com bons olhos a possibilidade de jogar no Brasil.

entrevista publicada no site Goal Brasil