Na tarde em que o resultado interessava mais do que a exibição, o resultado foi mesmo bem melhor do que o futebol praticado. E, com ele, os Leões voltam da ilha com o tesouro que lhes permite ultrapassar um dos rivais e ficar à espera do que os dois comandantes da Liga farão na próxima semana, quando se defrontarem

santa-clara sporting

Quando o jogo terminou e comecei a percorrer o meu arquivo “memorial-musical” para escolher o título e a banda sonora desta crónica, lembrei-me da Islands (XX), da Island (Cat Power) e da Wind (PJ Harvey), mas, depois, à medida que juntava as peças, acabei numa daquelas malhas a saber a nos 80 e que há mais anos figura na playlist de um Oceano Pacífico que se preze.

E então, pessoal, refeitos de mais uma dose de sofrimento e de futebol aos repelões, acabando com o coração nas mãos contra uns sacanas de uns ilhéus que, mesmo em inferioridade numérica, justificaram a posição na tabela que ocupam? Claro que estão refeitos. Somos do Sporting, afinal, um Sporting que chegava aos Açores sabendo que o fcPorto tinha ganho na Madeira, que o benfic@ tinha perdido em casa com o Moreirense e que, além de não podermos deixar fugir os azuis e de podermos ultrapassar os vermelhos, ainda tínhamos que lembrar-nos que, se perdêssemos, seríamos ultrapassados pela equipa que defrontávamos e corríamos o risco de terminar a jornada em 6º ou 7º lugar, mais coisa menos coisa.

Com Tiago Fernandes no banco, ocupado o lugar de Peseiro até à chegada do novo treinador, os Leões apresentaram-se com três novidades: Lumor teve a sua primeira oportunidade fazendo Acuña subir no terreno; Battaglia jogou sozinho na posição seis dizendo adeus ao duplo pivot defensivo; Montero foi injustamente sacrificado com todas estas mudanças e de melhor em campo passou a melhor no banco.

E da falta do colombiano se ressentiu a equipa, mostrando uma total incapacidade para jogar entre linhas e para promover o carrossel que abre espaços na defesa adversária. Registou-se a bomba de Bruno Fernandes, a abrir, e aquela cabeçada incrivelmente falhada por Bas Dost, a fechar a primeira parte. No resto do tempo, um vazio de ideias e, pior, um golo sofrido na única vez em que o adversário chegou à baliza durante os primeiros 45 minutos: o rapazinho que o Gabriel Alves tinha destacado por fazer assistência fez uma grande assistência, Lumor perdeu a marcação, Renan parecia tolhido pelo reumático e, pronto, estávamos a perder.

Tiago Fernandes tinha que alterar o que tinha arriscado, nomeadamente porque Diaby tinha sido uma nulidade ao lado de Bas Dost e, com isso, o jogo interior da equipa era pouco mais do que inexistente. Gudelj já estava lá dentro, por lesão grave de Battaglia (e também o sérvio se mostrou melhor a jogar sozinho na posição seis) e para a segunda parte veio Jovane Cabral, com Nani a assumir zonas mais interiores e Acuña, provavelmente o melhor do lado do Sporting, ficava com a direita onde morava um caceteiro chamado Mamadu.

Os de Alvalade jogavam contra o tempo e contra o vento (anti-ciclone o boda!), Nani escorregava depois de assistência caprichada de Bas Dost e o holandês era agarrado quando tentava chegar a um cruzamento. Penalti e penalti outra vez, porque o nosso “amigo” Mota mandou repetir e o camisola 28 teve que puxar da frieza gourmet para deixar o redes de cócoras antes da bola beijar a rede.

Zangado, um tal de Patrick começou a bater palmas ao árbitro e ensaiou um qualquer cântico que durou demasiado. Ainda mais zangado, o árbitro mandou-o ir bater palmas no chuveiro para ver se fazia salpicos e, assim, no espaço de dois minutos, o Sporting empatava o jogo e ficava em superioridade numérica. O que fariam os Leões?

Aproveitaram. Mais em força do que em jeito, mais com o coração do que com a cabeça. Quer dizer… Jovane cruzou para o lado de lá do coração da área e Acuña meteu a cabeça onde Mamadu meteu o pé, virando o resultado num pouco ortodoxo passe de tango! O Sporting agarrava o jogo e quase fazia o terceiro, num forte remate do menino Cabral a que o redes não respondeu nada mal.

Mas isto é o Sporting e, de um momento para o outro, a equipa encolheu-se e os açoreanos foram por ali fora, em inferioridade, rumo ao assalto final à área leonina. Inacreditável o sofrimento, inacreditável a incapacidade para ter a bola e gerir o tempo. Valeu a união daquele pessoal que defendeu em bloco, de forma mais ou menos atabalhoada, uma vitória tão importante.

E foi nesse momento que dei por mim a pedir um isqueiro (sim, old school) e a agitá-lo, aceso, até sentir o polegar começar a queimar, enquanto, em palco, os Scorpions, uma das melhores misturas entre o cool e o bimbo, interpretavam Winds of Change. Não que estivéssemos em Moscovo, com o exército vermelho a assistir ao concerto de uma banda alemã. Mas estávamos nós, milhares que são milhões, divididos em trincheiras que tardam em fechar-se, a celebrar uma vitória que era fundamental e que, num momento tão importante da época, todos queremos acreditar que possa representar algo que ajude a colar os cacos de uma nação leonina fragmentada.